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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

LIBERDADE

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Quem pode?

Querer definir os limites e termos da liberdade

Quando vivemos na ânsia de acordar

Com as liberdades coartadas?

 

Uma leve brisa se anuncia

Ao de leve e miudinha

Arrastando as searas

Espalhando as sementas

Para gáudio das aves

Fazendo balançar esse mar de trigo

Nas ondas que se espalmam

Nas planícies

 

De repente

Ouço breves queixumes

Avisto uma dança de pó de uma aridez ácidas 

Intuo que é o suor dos desejos desta terra

Que se enleva

No meio do calor abrasador

 

Eis que

Do nada

Avisto a Soror Mariana

De olhos lacrimejados

A encerrar esse mistério que é a paixão

E do general francês

Que de pompa se acercava ao convento

Nem sombras da sua presença

Mas foi assim

Que para a história

Se escreveram as mais belas palavras de uma paixão

Escritas pela mão

Ou pelo engenho

De quem quis esconder a sua alma dorida

Depositando a sua paixão

Nas ditosas palavras de uma religiosa!

 

Mas nesta terra já não vislumbro

A Ti Maria Esmeralda

O Ti Zé Fulgêncio

O Compadre ou a comadre

Que eram como uma família para mim

Agora são homens de cútis escuras

Vasta barba cerrada

Olhos pretos luzidios

Que entoam sons musicais

Que é assim que parecem entender-se

 

Mas os campos

As searas

Apesar de já não serem sulcadas pelos nativos

Continuam a sê-lo

Pelos novos homens vindos das terras

Onde Camões e Fernão Mendes Pinto

Se multiplicaram a narrar as suas façanhas!

 

Um dia far-se-á justiça

Os mouros

Outrora

Expulsos do território

Parecem ter voltado

Munidos com o seu sebastianismo

E uma assaz fé

Que

Desde tempos imemoriais

Sempre pareceu mover montanhas!

POR FIM A A REPOUSAR

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Enquanto percorro a ladeira e vou no encalço 
Triste e a reviver
Esses teus olhos lacrimejados

Que

As novas que me foram chegando

 Se foram cerrando sucessivamente

Até que se bloquearam em definitivo

Dou-me conta que
A voz que se foi enfraquecendo
O apetite que se foi esfumando
A saliva que se foi perdendo

Os dentes periclitantes
E cada vez mais oscilantes
Já não mordiscavam o pão
E até já não mostravam
Esse teu, outrora, sorriso aberto e franco
Que tanto enchia os corações das pessoas
A indisposição que acabou sobrepondo-se

Em permanência
A minar o teu débil entusiasmo  

A água, outrora, tão apetecida

Queimava as tuas entranhas
O teu estômago descera até aos infernos
E começaste a passar os dias
A desejar viver
Mas fixo na ideia
De idealizar o mundo quanto partisses:
E foi numa dessas deslocações até ao teu interior mais profundo

Que voltastes a olhar o rio da tua infância
Admirar a pureza das suas águas
Onde tantas vezes te banhastes
Gritaste, riste de sorriso aberto
Te silenciaste envolto na suas águas  
A tentar capturar um peixe
E sempre
Sobretudo nestes últimos tempos
Te advinha à memória
Aquela narrativa do padre que

Uma e outra vez
Narrava o episódio

Da moça enraivecida
Que vingando-se do consorte fugidio
Se lançou pelos pedregulhos
Até que
Desfeita e defunta
Embateu nas águas esbranquiçadas
Nos funestos rápidos do rio
E desapareceu ...
Mas tu

Já sem a paz no corpo
Continuaste a olhar ao espelho
E foste dando conta que os ossos
Enrijeceram-se e colaram-se às peles do teu rosto
Eras agora um empedernido busto
Que os de fora já não conheciam
De repente,
Os teus olhos encerraram-se em definitivo
Batia, ao de leve,  ainda, o teu já fraco coração
Que ainda te irrigava o cérebro
E era assim nesse tremor provocado pelos químicos
Que adormecias profundamente
E sonhavas muito
Não querias saber do presente
Olhavas apenas para o passado
Quando o mundo para ti
Era a pacata vila
Para ti enorme
Que mira altaneira
Para o rio lá longe
Como se fosse uma língua de prata
Ladeada por entre montes e vales...
Por fim repousastes
Na terra que te viu nascer
À sombra de uma velha arvore
Que será agora a tua companhia eterna
Até que o pó te leve
Até à morada
Onde todos temos um lugar!

 

...

Ah...

Pudesse eu ter-te

Entretida na concha da minha mão 

Dançando ao ritmo lento 

Das doces minhas palavras

Obstinada em ter-me

E eu

Copiosamente deleitado

Em ter-te

Levar-te a cheirar as tílias 

Que desabrocham

Nestes finados tempos primaveris

Enxameadas por laboriosas abelhas 

Que zumbem por cima dos nossos ouvidos

Mostrar-te o rio que corre apertado

Serpenteando 

As imponentes montanhas

Que parecem edificadas pelos deuses 

Que deambulam entre nós 

Em dias solarengos

E cintilantes 

Como hoje

Debaixo de um olhar mais profundo 

Sobre a condição humana!

Mas o verde maioritário 

Interrompido

Aqui e ali 

Pela coloração das maias

Lembra-me

Que nem na natureza há unanimidade 

Mas no amor 

Neste nosso Amor

Tudo é verde

Tudo é manifesto 

Tudo é paixão!

 

 

MÃE


Ontem eras enorme
Venerada
Escondias a minha timidez
Como um velho carvalho
Que abriga as aves
Que descansam ao remanso
Depois
Passaste a ser meu colo
Nas agruras da vida
Enrugaste
Silenciaste-te
Até que numa manhã
Partiste cansada de lutar
Só para estar
Vigilante e terna
Com a tua querida prole...
Hoje
És uma luz cintilante
Uma estrela
Presente

De cada vez que te evoco!

TEUS PEZINHOS

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Que te interessa saber
Se eu choro
Se eu reclamo
Se eu lanço um olhar lancinante
Sobre um pé
O teu pé
Que, em ti,
É um pezinho
Fino e delicado
Que se atreve a permanecer cintilante
Mas sempre pronto a
Seduzir-me
Deixando-me a levitar
Nas ombreiras de uma nuvem
Que sempre se atreve a passar
Pelos meus olhos
Que
Fixos
São como maçãs nas arvores
A sorrir aos cintilantes  raios
De um lindo dia de sol!
Mas, por cada passo com que grajeias
A velha amizade com te impões
Nos sulcos de um velho trilho,
Passam imagens calidoscópicas
Desse teu rosto jovem
Eternamente jovem
Que sorri
Tal como respira
Que me olha sempre com aquele ardor
Como se fosse a primeira vez
E me traz a fé no Amor
E a audácia para amar
Sempre a perseguir-me
Ao som das vagas do mar
Onde as palavras
Por vezes
Cansam tanto
Que cerro os meus olhos e vejo
Nas agruras da minha alma
Os teus delicados pés
Que me perseguem
Em todos os lugares onde eu esteja!

Mulher

E vós
Lindas e peregrinas Donzelas
Porque estais ausentes
Desta expedicionária viagem
Até às Índias
Que a Portugal trarão
As tão cobiçadas especiarias
Guardadas nas arcas mais finas

E Pungentes
Do Samorim de Calecut
Até ao Paço
Onde,
Sua Alteza,
Governa o império sem Fim?

 

Desabafo de um Zé Ninguém
Tripulante de uma das caravelas da armada de Vasco da Gama

Espero que todas as mulheres tenham tido um feliz dia da mulher

RAVI SHANKAR

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É pelo dedilhar dos teus dedos

Que se agitam eruditos e galopantes  

Numa dança auspiciosa

Que parecem levitar sobre as cordas da velha sitar

Nesse movimento ondulante

Ora veemente

Ora calmo e doce

Que mostras todo o teu virtuosismo!

A Índia

Essa colossal região do globo

Que doma, amança os mares mais agitados

Capaz de quebrar o gelo que separa as culturas

Servida pela sua métrica musical

Os seus ritmos apressados

Que parecem as suas gentes a deambular nas cidades

O calor avassalador

Não dá descanso ao subliminar tigre

Um símbolo da força e do poder indiano

Pululado dos palácios coloridos

Dos velhos marajás

Que vivem do passado grandioso

E que hoje se alimentam

Das esgueiras que sustentam as amontoadas salas

Rodeados de uma paisagem interminável

Que celebra todos os dias

Os alvores matinais

De sóis que despertam sempre tão cedo

Envoltos numa bola avermelhada

Que parece raiada de sangue

E que celebra essa música sublime

Do velho tocador de Sitar

Mas a Índia

Está dentro de nós

Com aquela grandeza de cultural milenar

Palco de tanta mortandade

Crueldade mesmo

Mas tanta epopeia

Também se pode afirmar

Da sua doce forma de ser

 E dessa palavra mágica

Que dá pelo nome de Índia!

De repente,

Ouço o colorido pavão

Com as suas vestes azuis

Que ecoa o seu canto pela planície

À espera de uma companheira para copular

De noite nas árvores

De dia no chão…

Afinal o velho tigre emerge discreto

De sitar no regaço

E toca furiosamente a raga

Tão acutilante

Que me rendo à figura do mestre:

Ravi Shankar!

PAX

 

Respiras

Ainda 

O ar da liberdade que adoravas  

Ainda que esse respirar seja já um leve sopro

Que já não alimenta essa tua velha carcaça

E é nesses instantes de silêncio

Entrecortados pelo arfar do ar que te entra nos pulmões

Que, lentamente, te vais despedindo

De mim, de uma vida prazerosa,

E eu regozijado com o privilégio que foi ter-te estes anos todos;

Longa vida canídea a tua

E por mais que olhe para trás

Estás sempre omnipresente nas minhas memórias

E mesmo com tantas pessoas que tão mal me fizeram 

E desaparecerem, esfumaram-se

E outras que tão bem me fizeram

Incluindo, parirem-me

E partiram

Mas tu velho amigo

És e serás sempre diferente de tudo e de todos;

Embora não o tenhas feito ainda, mas pressinto a tua partida está para breve;

Desde os primeiros instantes

Ainda como cachorrinho

Perseguias-me sem cessar

Parecia que o teu mundo era o meu

Olhavas-me com total enlevo

Com uma adoração que só os cães o sabem fazer

Como não te poderia adorar

Meu lindo cachorrinho?

Mas agora que assisto ao dealbar da tua última partida

Olho-te já com a recordação de 17 anos de vida em comum

Na qual foste tudo para mim

E como gostavas de te sentar a meu lado no sofá

Com o olhar deslumbrado

À espera de um afago ou de um olhar enternecido…

E nestes últimos instantes de vida

Pareço ouvir o teu ladrar

Os teus gemidos

A força da tua determinação

Só para estares onde eu estivesse…

Mas isso são já memórias

Apenas

Porque o que eu vejo é a tua cabeça

Que se agita suavemente

Para cima e para baixo

Com um movimento pendular

A teimar em prolongar a tua vida

Para estares mais uns instantes comigo

Mas sinto-te cansado e sem retorno

Alquebrado e tonto

A serpentear na frente do meu olhar no escuro

A aguardar que o barqueiro de vestes negras

Te leve até à outra margem

Que ninguém até hoje ousou conhecer

E tu

Depois desta derradeira viagem

Aguardarás que eu transponha o rio

com o barqueiro de vestes negras a meu lado 

Para nos reencontrarmos na eternidade

E voltarmos a ser o que sempre fomos

Unidos pelo destino

Separados ocasionalmente

Ligados eternamente!

BENJAMIN

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Uma ténue poeira

Que naquele tempo parecia esdrúxula

Disseminada e leve

Girando e pairando no ar

E quase parecia suspender o seu passo

E dar de si toda uma vida

Abateu-se debaixo do manto colorido

Das minhas memórias

E sentindo o odor

Ao pó deslavado

Que

Dia após dia

Ano após ano

Se foi acumulando

Em todos os retratos

Que testemunharam a tua existência

Na leveza de um voo de uma borboleta

Até que me deixei permanecer absorto e fixo

Por uns instantes

A olhar as paredes da velha casa simples e humilde

A sentir o odor a gado

Do leite fresco matinal

E os estridentes zumbidos dos insetos

Que esvoaçavam pelas redondezas

Mas a velha caixa conserva ainda os brinquedos dos meninos

Coisas simples, mas poderosas,

Porque ainda hoje

Fazem-me evocar os corroídos botões

Que rolavam perante o olhar dos petizes

E que acabavam por se perder nos intervalos do soalho;

Partiste criança, muito criança, ainda

E, como Anjo que partiste,

Acabaste no lugar destinado aos anjinhos

De repente,

Adoeceste e foi tudo num ápice

Acabaste por partir

Ainda mais inocente

Do que quando saíste das entranhas da tua mãe

Ficou o teu irmão

Forte e corajoso

Mas que nunca te esqueceu

E que deambulou uma vida preenchida

De um sítio para o outro

Instável

Em busca do Benjamin que conheceu em criança

Que tão precocemente acabou por ser sepultado

Na terra espúria que resolveu não seguir os desígnios da natureza

Que

Mais tarde

Engoliu os pais e o irmão

Mas ainda hoje

Diz-me o coração

Os dois irmãos continuam a deambular por ali

A brincar com os botões

Perante o olhar atento e aprumado dos pais;

O que é uma vida?

Se ela é ignorada;

O que é a morte?

Se ela é esquecida?

O que é nome?

Se já não estão os que

Outrora

Tanto chamaram pelo teu nome:

Benjamin…Benjamin…

  

 

 

 

 

MEDITAÇÃO

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Nesse desfiladeiro

Escuro como breu

Agnóstico

Que tresanda a terra esventrada

Para onde acabaste depositada

Depois de mais de uma década  

A carregar padecimento e dor

Acabaste por desistir e perecer

Silenciando-se essa tua voz fina e elegante

Congelando-se a bela harmonia desse teu corpo jovem

Com que foste bafejada à nascença   

Para onde foste lançada

Nesse mar gélido

Que queima quem nele toca

Mesmo que ao de leve

Como um voo de uma libelinha

A roçar na linha de água

Deixaste de ser  

Para ser referenciada

Num simples papel registado

Numa obscura repartição pública

Tal como quando nasceste

Saíste do ventre da tua mãe

E

Fechando um ciclo

Para abrir outro

Agitastes as minúsculas mãos para cima

E deixaste sair os primeiros gritos  

Com um sorriso estampado no rosto da mãe

As flores nos campos circundantes

Que tantas vezes passaram pelas tuas jovens mãos

Deixaram de ter esse teu olhar

A candura das tuas mãos

O alcance do olfato

Que alcançava o teu efervescente coração

Que começou

Desde muito cedo

A crescer de alvura

Para onde sempre guindaste os teus pensamentos

No lugar do rio

Que corria lá em baixo

Suave e terno

E que tantas vezes desejaste navegá-lo

Cresce agora a erva que pisaste

O musgo que colheste por alturas do Natal

As oliveiras que datam o sagrado na tua vida

As videiras milenares desse Douro

Abençoado

Com que nunca se alcança todo o seu esplendor

Por um olhar

Mas que se sente

E inspira tanto  

Quando se inala o pó que desvanece

Das suas sequiosas terras!

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