NA INTIMIDADE UMA LARANJA
À minha frente uma laranja
À minha ilharga
Uma voz maviosa
Mas intermitente
Que acaba me entusiasmando
Olho-o adubado:
Bela silhueta arredondada
Casca de textura enrugada
Cor cintilante que irradia paz
Contraste que a vontade cria
Apalpo o citrino
Sondo-o
Acabo me entregando a ele verdadeiramente
Falo-lhe de voz maviosa, ternurenta, suave e profunda
E ele no auge da excitação
Acaba me arrebatando nos silêncios da paixão
Então, tateio a laranja
Afago-a
Aproximo-a dos meus olhos
Retiro-lhe a casca suavemente
Vou-a despindo
De pausado cerimonial
A nudez está no auge
É demencial e única
Já não há retorno possível
Acabo separando os gomos
Um a um
Coloco-os num prato
Para os vislumbrar à luz do meu sentido estético
Insiro na minha boca
Devagar, como demanda profilática,
Cada um dos gomos na boca
E experimento um hálito adocicado
Que me asperge uns salpicos ácidos
Sinto a frescura do seu sumo
A flacidez de uma textura carnal tão engomada
Que não se cansa de me surpreender a cada instante
Um figo de ventre estripado
Uma banana desnudada
Jazem no leito
Acompanhando a laranja
Emparedados com os gomos
Toldados pelo meu amor pelo citrino;
Uma e outra vez
Ouço a voz dos silêncios
Que medem a minha paixão
O meu sério envolvimento e compromisso
Uma rosa roça ao de leve pelo meu corpo
Eriça-me
Aquece a minha intimidade
Ativa os tecidos mais moles
Que medram na minha ousadia
Acabo rendido
Ao delicioso instante do sossego
Agora tão preciso e necessário
Após possuir o citrino
De repente,
Transformei-me num personagem ameno
Estendido num leito
Imóvel
Subjugado à pacatez
Ao marasmo
Incapaz de me reerguer
Pelo menos imediatamente!