O rapaz puxou de um isqueiro cintilante em tons dourados, demasiado espampanante para aquilo que a sua figura aparentava, acendeu-a e consumiu-a rapidamente, com aquela avidez própria de quem pressente que aquela é uma ocasião única, engolindo sequioso o fumo como se aquele fosse o último cigarro da sua vida.
Na verdade, aquela seria mesmo a derradeira prisca que introduziria nos lábios nos próximos tempos em liberdade. Os meses seguintes iriam ser passados na cadeia para cumprir sete meses de prisão efetiva. O juiz na hora da decisão teve em conta, para além de ter ficar provado que cometeu o crime de ofensas corporais simples (deu umas bofetadas noutro rapaz que, como ele, vivia na rua), a circunstância, agravante, como se dizia na sentença, de ter atrás de si um longo historial de processos crime por furtos ou conexos com este crime, tendo no seu cadastro criminal várias condenações.
Na hora em que dirigiu a habitual alocução ao arguido, o juiz, apesar de admitir que aquele não era um crime grave, não esteve com contemplações, advertindo-o solenemente: “…o senhor…com o longo historial de condenações que tem atrás de si, não espere perdão ou brandura deste ou doutro tribunal; só mandando pessoas como o senhor para a cadeia é que a sociedade fica mais descansada…por isso vai lá passar uns mesitos para que a comunidade fique, pelo menos da parte que lhe diz respeito, mais descansada pois ali não poderá fazer mal a ninguém nos próximos tempos…” .
A beata, ligeiramente maior do que as habituais, havia sido encontrada num cinzeiro público e recolhida com toda a minúcia pelo rapaz, receoso que se esfarelasse em vão. Guardou-a no bolso com todo o cuidado para a acender num momento especial. Decidira que depois de fiscalizar os caixotes de lixo, recolher o metal encontrado e levá-lo ao Zé do Ferro, recolhia o dinheiro, bebia um café e fumava finalmente o troféu achado.
O agente da PSP deu-lhe voz de detenção e explicou-lhe resumidamente que o levaria para o Estabelecimento Prisional para cumprir uma pena de sete meses de prisão efetiva. Então, o rapaz vociferou dizendo: “…leve-me senhor agente, mas antes deixe-me fumar esta ponta que guardo com todo o cuidado para um momento especial…”; ato contínuo puxou da prisca, acendeu-a e começou a inalar o fumo.
Um dos agentes, ao vê-lo inalar tão prazeroso o fumo que provinha da curta prisca, puxou de um maço, estendeu-lhe um cigarro e disse-lhe “…ó homem, se é para fumar um cigarro antes de ir para a cadeia, ao menos fume um em condições, inteiro e de boa marca…não são os condenados à morte na América que na véspera em que vão ser executados têm direito a escolher a sua última refeição? Por isso, fume o cigarro nas calmas e, já agora, fique com o maço!”
O Natal estava à porta.
Publicado pela CHIADO BOOKS no II Volume da Coletânea de Contos de Natal, intitulada “Natal em Palavras”.
Selecionado este meu Conto de Natal, o qual tinha como limite máximo 500 palavras.