PREMONIÇÃO
Pai…não me digas que vês, que eu sei que já não vês;
Pai…não me digas que ouves, que eu sei que já não ouves;
Pai…não me digas que sentes que eu sei que o teu sentir está gasto!
Avisa-me quando, e se, voltarás ao passado
Assim, entusiasmado,
Revisitá-lo-ei contigo
Em todos esses momentos passados juntos.
Presença assídua na minha vida
Mesmo que ausente estivesses
Havia sempre em mim
Muito de ti!
Que dizer aos que têm pais octogenários?
Que não gostastes de ver os amigos partir?
Que te sentes sem forças para viver neste mundo que já não gostas?
Que te recusas a viver
Num mundo, assim,
Que não compreendes, nem queres compreender?
Corajoso, valente
Consuetudinário no meio dos vilões, sem o seres,
Mas sempre solitário
E sem te importares com a solidão,
Lutaste contra a infâmia dos outros
Que acabaram por perecer às próprias mãos,
Com as consciências pesadas e escaldantes;
Porém, hoje, a solidão vai-te matando
Abominas saber que estás só, cada vez mais só,
Impotente
Lutando contra os fantasmas
Que surgem quando nos embrenhamos na solidão
E por isso procuras hoje tanta companhia
Nem que seja a sonorosa televisão.
Quero ver-te uma última vez
Recordar-me do passado
Mas a tua figura, antes atlética,
Escapa-se, como fina areia,
Por entre os dedos
Vislumbro apenas
Esse corpo mole e cada vez mais raquítico
Que transportas.
Pai…diz-me que não vês, que eu prefiro;
Pai…diz-me que não ouves, que eu prefiro;
Pai…diz-me que já não queres sentir, viver e desejar…
Prefiro assim,
E não uma constante ausência
Porque se disseres alguma coisa
Se abandonares esse abominável silêncio em que vives
As preces serão atendidas.
Pai…deixa-me ao menos cuidar de ti,
E não te escapes subtil para me fazeres sofrer
Nesse mundo de negação permanente
Que te está levando à morte e aos bocados.
Agosto de 2016
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Pai, acabaste por partir, tão abruptamente,
Entre o Natal e o final do ano de 2016
Não há dia em que não acabe por te invocar
Lembrar a tua figura leonina
Imponente estatura
Voz firme e decidida
Carisma…
A luz que se acendeu quando nasceste
Que te guiou o caminho ao longo da vida
Apagou-se de vez nesse final do ano 2016
Mas enquanto a razão me conceder luz
Sobre as minhas memórias
O teu lugar está bem guardado dentro de mim!
Dezembro de 2016