O RAPAZ QUE SÓ FOTOGRAFA PATOS
O rapaz, levemente obeso, arredondado,
Todos os santíssimos dias
Revestidos de um sol inquebrantável dando à estampa uma jubilosa luz
Ou se mostre sob um manto de chuva leve, copiosa ou ameaçadora apenas
À mesma hora, e sempre pelo lado norte,
Surge à entrada do parque e penetra-o com indisfarçável desfaçatez;
Trajando invariavelmente o mesmo casaco de lã
Matizado de quadrados de cores azuis e esbranquiçadas
Uma peça de vestuário que estamos habituados a ver nos pescadores
Que os protege do vento forte, frio e húmido;
As calças invariavelmente escuras
Mas, a verdade é que, até hoje, não consegui apurar o tipo de tecido são feitas,
Se lhe ficam bem ou nem por isso
Pois as calças mostram-se sempre como que submersas
Pela avantajada dimensão do casaco que enverga
Aliás, agora que reflito nisso,
O casaco parece antes pertencer a um irmão mais velho e encorpado
E acaba sempre por cobrir praticamente as calças
Anulando o seu efeito visual
Não lhes dando qualquer réstia de esperança
De serem uma peça sugestiva
Agradável de apreciar e de ser contemplada;
Na mão direito, o rapaz, transporta sempre uma máquina fotográfica
E que me chamou a atenção desde o primeiro momento em que o contemplei
E da máquina saí uma fita que passa pelo seu ombro suspensa
Como se não confiasse na sua mão
Quiçá, trémula em demasia,
Ou desconfiado da sua mente excessivamente divagante
Que facilmente se perde
A observar um recanto do parque;
Eu, como também sou apreciador do belo e da natureza, por suposto,
Acabo invariavelmente por deambular todos os dias pelo parque
Itinerário que serve para me ajudar a reerguer
Do cansaço provocado pela manhã de trabalho
E dá-me forças para continuar a trabalhar à tarde
Pois sou um ser contemplativo que se vitamina a observar a natureza;
E a presença do rapaz no parque
Não me passou ao lado desde a primeira hora que o vi
E, logo na minha primeira deambulação pelo local,
Apercebi-me do que o levava ali diariamente…
O parque é atravessado por um pequeno riacho
Que acabou sendo domado pela construção de uma pequena represa
Que criou uma levada lisa, quase imóvel e silenciosa
Que lhe concede um prodigioso efeito de espelho de água;
E foi num dos extremos da parte sul,
E já depois de o ter avistado a entrar no parque,
Que logo na minha primeira deambulação
Avistei junto à margem do rio o rapaz;
Semiescondido no meio dos chorões que por ali abundam
Lá estava a tirar fotografias indiscriminadamente
Ou, pelo menos, repetia o gesto e encostava a máquina a um dos olhos
Apontava a máquina para enquadrar o melhor momento
Para extrair a fotografia proporcionada pela sua presença ali…
Mas o rapaz não tirava fotografias a qualquer coisa, não senhor…
O rapaz tirava fotografias aos patos que por ali abundam
E o mais estranho é que estas aves anfíbias
Mas que é na água que melhor se desenrascam e desenvencilham dos perigos
Na presença do fotógrafo de circunstância nas imediações
Ficavam imóveis, com ar destemido
Aliás, parecem mesmo estar à espera do rapaz
Que chega todos os dias à mesma hora às margens do rio,
À espera que os fotografe
E parecem até conhecer muito bem o seu valor
Enquanto objeto do olhar do fotógrafo
Mas, ao mesmo tempo, parecem saber também da influência
Que o dito rapaz, fotógrafo de circunstância, parece ter no mundo da arte;
Aquele parece ser o primeiro passo,
Aos olhos dos patos,
Analisando a sua pose atrevida e imóvel
Do início de uma carreira de sossego…
E não tarda nada sairá, seguramente,
Impressa num calendário,
Uma das fotografias eleitas
Dos patos que posam na margem do rio
Mas, será assim o sucesso tão linear?
Dos patos? E do rapaz?