MEDITAÇÃO
Mergulho
Com ou sem nexo,
Num ribeiro anexo
Que desagua num caudaloso rio
Maior e independente
Mas mergulha…mergulha
Só ou acompanhado
Receoso ou destemido
Naquele lago escuro
Que parece xarope
Afasto-me, acerco-me,
Dúplice sentimento
Tempero, que não é substrato, mas paladar
Desses teus lábios sedentos dos meus
Nesse teu sentir dito por palavras
Escritas nessa escura página
Que parecem estrelas a cintilar no firmamento
Nego, mas acabo por sucumbir ao apelo,
Estás ali, está ali, sempre presente,
E eu aprisionado pela tua sombra que pesa sobre mim
Acabo por sentir o sabor do xarope desse lago onde tu estás
Onde não só me dispus a mergulhar
Como, há muito, tão ansiosamente desejava experimentar…
Viscoso lago, acastanhado, de odor anisado, de sabor adocicado
Que é onde tu estás
Como se fosses uma linda índia do pantanal
Que se fundiu numa onça
E nas noites de lua cheia
Se acerca do local onde a índia sucumbiu às mãos do homem branco!
E não vejo a hora em que, em pleno mergulho,
E já no interior do lago, não vislumbro o teu rosto
Não tateio nesses teus cabelos sedosos
Não me fixo nesses teus olhos
Adornados pela íris radiante que emanas
E por esse risco sombreado
Desenhado à volta das tuas pálpebras
Distingo-te das demais
Pois, conquanto o que já bebi das tuas palavras,
Da sua textura e robustez
E do seu sentido sentimento
De suave sabor
E de trago anisado
Sinto que não só não me és estranha
Como me és mesmo muito próxima
Pois as nossas palavras
São como idóneas e competentes
Equações matemáticas
Talhadas para se encontrar e se fundir
Num resultado que só pode ser aquele
Que ambos há muito entendemos imediatamente!
E sem, ou mesmo, com nexo, com todo o nexo, ou sem nexo nenhum
Ambivalente e caótico mesmo
A imaginação ganhará submergirá sempre
Unindo a nossa vontade de guardiões das palavras
E mesmo que as forças mais ocultas
Se coliguem para demolir a nossa firme de vontade
Como se fossemos um só espírito
É com regozijo que o proclamo:
Mergulhar nas tuas águas foi um balsamo
Uma verdadeira e demolidora ideia esta
A nossa
Por isso o mergulho
Por tudo e pelo tanto que já nos deu
Valeu consideravelmente a pena
E não é pela alma apenas
Que o mergulho já valeu a pena
É pelo sentir desse teu corpo
Que o desejo já se anuncia
Também há muito!
E porque nos ajudou a ver o inevitável
De sermos já a mesma entidade
Isso
Já ninguém nos tira
Esperemos, pois, que a natureza corpórea nos una nesta vida
Ou, se tal não for possível,
Esperemos pela hora da salvação
Para que a união possa ser uma realidade
Mesmo que nesse mundo da salvação
Não seja propriamente
Um local concreto e objetivo
Mas uma zona onde todos os nossos sonhos são a vida
E os nossos momentos acordados ali
Sejam esses mesmos sonhos
Que ora nos acodem, ora nos afligem
Nesta vida terrena que levamos!