ESPERA-ME A NOITE
Ao fundo o lago silencioso, adormecido e indolente
De baço luar a refletir nas suas águas
Porque a lua foi de férias para outras paragens
Cintilam nas águas do lago pequenos faróis de luzes
Que parecem dançar levemente
Neste lago de intangível mudez
Que parece estar ali para receber toda a paciência do mundo!
Deslizo emudecido e refletido na noite escura
Iluminado, como se estivesse inspirado,
Mas profundamente concentrado
A escrever o texto que se anuncia
Por pequenas candeias
Como pescadores nos rios interiores da China
Que lhe dão sentido à vida!
E no meio das suas águas prateadas na noite escura
Vislumbro um agitar ténue de figuras
Que vagueiam pela superfície da água…
São patos que, mais uma vez me perseguem,
Mas agora inclementes a nadar, notívagos
E sem a vaidade dos primos que avistei recentemente noutras paragens!
Circundo o lago, sigo a sua fisionomia,
Através de uma estrada que o rodeia
Que o parece perseguir e, ao mesmo tempo, empertigar
como que o relembrando que há limites para a desfaçatez
E no meio da minha divagação noturna
Em que vislumbro, aqui e ali, mulheres solitárias ou na companhia de cães
Pois os homens estão atrofiados a olhar a tela para ver a Seleção jogar
Dou-me conta de que um gato vagueia vagabundo
Pelas margens do lago e pelo caniçal onde se ouvem flautas a tocar lindas composições
Vejo que o gato parece andar entretido à procura de algo
Mas não sei o que busca
Mas os gatos alguma vez dizem ao que vêm e o que querem?
Este gato, em especial, parece divertir-se
Por entre as pequenas canas junto a uma das margens do lago
E dou-me conta, então, que o felino
Tem uma pequena mancha esbranquiçada no peito
E, de súbito, vejo que ele parece divertido lambendo as patas dianteiras
Mas, a certa altura, o gato senta-se sob as patas traseiras
E estica as patas dianteiras, aquelas mesmo que antes havia limpo de forma meticulosa
E naquele posição esplendorosa, sentado e ereto,
A fitar-me com aquele olhar desconfiado que só os gatos sabem fazer
É chegado o momento, digo para mim próprio, de lhe tirar uma fotografia
E quando me preparava para o emoldurar numa magnífica posição fotográfica
Eis que o malvado se escapuliu…
Fiquei desalentado e frustrado por não conseguir captar posição tão magnífica do gato
Que, estou certo, daria uma fotografia de excelência
Até porque os gatos não costumam rondar em zonas tão próximas aos lagos
Mas aquele, por alguma razão em especial, estava ali
Para contrariar os pensamentos únicos e as frases feitas
Com que costumamos brindar o que quer que seja
Porém, ainda bem que o gato não se deixou fotografar e se escapuliu
Pois a ausência de uma foto fez-me escrever sobre este episódio
Que tanto me impressionou
Sobretudo a atitude altiva e esguia da fuga do felino
Evitando deixar-me agarrar, tocar e muito menos fotografar
E lembrei-me daquelas pessoas que se mantêm na sombra
Na penumbra, no anonimato, nas courelas do incógnito
Apesar de ativos socialmente
E foi então que refleti sobre a minha própria figura
Desde o nome, passando pelos vários eus que vou anunciando
E celebrado por um sempre presente pseudónimo
Que me permite
Em cada momento
Dizer o que quero e como quero
E não dizer
O que os outros querem que eu diga!
Glória aos patos
Honra aos gatos
Manifesta celebridade aos humanos
Que, como eu, escrevem para tocar uma certa realidade
Mágica, muitas vezes, que parece levitar por cima das águas do lago
E que se transforma em borboletas sorridentes
Vestidas com as suas vestes coloridas
Que seguem o canto do rouxinol que se anuncia na árvore vizinha.