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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

POEMA A QUATRO MÃOS II

NESSA TUA VOZ


Que até mim me chega diariamente
Através das tuas palavras
Escritas em proféticas aparas
De escuras páginas
Pontuadas de palavras
Que são como o céu escuro da noite
Repleto de estrelas coladas ao firmamento

As tuas palavras abastecem-se das minhas
Lavradas em fundo branco
Como se fosse uma imagem polar
Mas no meio destas palavras criativas
Os ursos são perseguido pelas focas
As raposas são presas fáceis do tempo
E as palavras são, então, aves multiformes
Que esvoaçam sem rumo
Próximas às cabeças dos homens
Que se aventuram
Na mescla camada de neve e gelo
Que ajuda a temperar as minhas palavras!

Trazes na tua mão
Uma taça multicolor
Como se fosse um arco-íris
Onde seguras a tua vontade
Com a força das palavras empolgadas
Do sal, desse sal, que escorre
Da água
Da bruma que te protege
Dos olhares que tanto te ferem
Dos olhos negros que só enganam
Quem se deixa enganar
Da tua cútis enegrecida
Salpicada das cicatrizes
Que, vida empolgada,
Te acabou por conduzir
Dessa inclemente desproporção
Dos que, afinal, gostam das palavras
Porque apenas gostam de nós

Mas afinal o que te restam são palavras
São fortes sentimentos
E é aí onde mergulhas com todo o teu ser e elegância
Onde não temes nunca a força do mar
A fúria das suas marés
E onde nunca te sentes só
Porque a lua estará sempre ali
Para te deixar sair dessa obscura sombra
Que esse teu mistério
Não se cansa de celebrar nunca
Em cada palavra que escreves
Nesse céu negro de que te serves
Para comunicares ao mundo
O teu incondicional amor às palavras
E a quem as profere
De modo tão suave
E esplêndida maneira
De as dizer…

###

Entrego-te em mãos
Taça multicolor
Arco-íris
Bebo-o cor a cor
E derrama os últimos pingos
Na tua alma que escreve
Quebra a taça
Deixa-a partir-se
Na confusão de um Diabo
Que enreda-se em artimanhas
Para querer derrubar
Almas que não o seguem
Solta palavras
Nessa tua neve sê humilde
Que a humildade quer-se cor
Em ideias com sentidos
Cativas-te tu, cativas o outro
Escreve, organiza, orienta
Dá sentido, questiona
E tantos arco-íris em taças
Beberas
E palavras tuas serão amenas
Majestosas no escuro.

Escrito a quatro mãos por:
ETAN COEHN

e

SANDRA (https://cronicassilabasasolta.blogs.sapo.pt/

FLOR CEIFADA

Alma acolhedora

Benigna sentinela

De coração selvagem

Atropela-se

Mas acaba fluindo  

O que no seu interior

Vai fervilhando como lava

 

E as flores,

Mesmo tão próximas do vulcão,

Vermelhas da cor do fogo

Medram viçosas

Mesmo tão frágeis

Mas flores há

Que no campo

Irradiam felicidade

Mas isso é apenas pura ilusão!   

 

Celebra Amiga

Rejubila

Canta

 Até que a voz

Que para tão longe se foi

Regresse,

Como as cinzas à jarra,

 Donde se havia esgueirado

Num dia em que a música

Se ausentou, de vez, da tua vida

E te ficou apenas um vago desejo de cantar

 

Gritos que se enchem de preces vingativas

Saem dos lábios descerrados

Do homem

Que acha que lhe pertences

Como se fosses um objeto

 

E os gritos tolhem-te a vontade

Deixam-te silenciosa e aterrorizada

Mas esperançosa  

Que ele te ame tanto  

E não acabe ceifando atrozmente a tua vida;

 

Eis-me, pois, nesta fresta da muralha medieval  

Para aqui anunciar ao mundo

Ondo costumo ouvir o vento

E onde presto toda a minha atenção

 Para ouvir este vento

Que se movimenta ciclónico

Em fúria

Brutal

E assassino

Que te lançará nos caminhos da destruição!  

  

Aguardo que as tuas mãos deslizem pelo papel

Desenhando com essa caligrafia arredondada

As luzes e as sombras

Que a obra a quatro mãos exige

 

Renega ao teu nome

Dispersa as histórias

Que são a história da tua vida

Sê frugal, mas não simples

Abjura à pátria

Mas não renegues ao amor

Não fujas dele covardemente

Não abomines o ridículo

Não exorcizes a maldição

O que disseres

O que fizeres

Rasgará as nuvens

E a estrela iluminará os céus mais enegrecidos

E a água cristalina do oceano

Refletirá o azul vivo do céu sem nuvens

E se planteará, perante, as linhas que,

Como escadas,

Darão a frase e o mote

Donde brotará o poema

  E os dedos longos fazem-se às teclas

E os meus pensamentos

Procuram os teus

E os teus

Os meus!

 

Mas, afinal, homem cruel, porque mataste?

Porque abateste

Aquela a quem dedicaste

Tantas palavras

Tantos versos

Tantas juras?

Podias, ao menos,

Ter-lhe dado morte mais corporal

Uma faca, por exemplo?  

Mas escolheste coisa tão vil

Uma bala que lhe trespassou o coração…

  

Mas alguns ainda dirão:

Ele era muito amigo dela

Amava-a tanto

Que acabou por não resistir…

Mas está arrependido?

Ó se está

Ó se está...

Um pobre diabo

Coitado!

 

NOTA: Na impossibilidade de identificar uma a uma, como se fosse um extensíssimo mural, cada uma das mulheres que foram assassinadas por motivos fúteis pelos maridos em Portugal e no mundo, dedico, a todas elas, este sengelo mas sentido poema.

A ESFINGE

Deixa-me dizer-te

A ti que me lês

Com tanto interesse

Curiosidade

Ou até por comiseração

Mas a ti, também, que me lês fugazmente

Que olhar o Sol

Não basta

Para o encantares

Para o decifrares

Para o teres na mão…

 

Se o olhares

mas se te decidires cumprimentá-lo

E se, ainda, te dispuseres louvá-lo   

Dás-lhe força

Dás-lhe majestosidade

Dás-lhe primazia

E assim ele se sentirá

A estrela

Que não te abandonará jamais!

 

E, assim, o Sol   

Não precisará de lançar

A sua língua de fogo

Acompanhada

De punitiva lavareda

Mas dar-te-á o calor e a luz

Que tanto precisas

Sobretudo para não esmoreceres nos dias de inverno mais frios

Como se fosses um simples cardo do monte

Que a tudo renuncia

Até a companhia de cintilantes flores

Crescendo solitária

E tudo para que a sua roxa flor

Não vá parar a uma jarra

Mas acabe a coagular o leite de cabra.

 

E o Sol temperado

Aplacará a ira

Da esfinge silenciosa

Mortífera

Traiçoeira   

Que os gregos tanto temiam.

 

Mas, Sol,

Dá-me a luz

A força das palavras

O sentir forte o meu coração

Para que a mensagem

Chegue até ti

Derrube os muros que ergueste e que te cercam

E que te cristalizaram na solidão  

Da infância em que, todavia, vives

E te recusas a sair

Porque tens tanto medo

Tanto receio

Tanto pavor

Que,

Achas,

Só cavalgando um elefante nas suas imponentes ancas

 Ele te protege do tigre

Mas a tua defesa é   

Lidar com os males que há no mundo!

 

E não há retângulos, quadrados ou áreas circulares

O que há são imagens na nossa cabeça

Sem formas, sombreadas,  

Que nos podem abalar  

 

O que há são manias

Que nos podem perseguir

 

O que há são vozes

Que parecem

Ditames ou vontades de Belzebu…   

 

NÃO TE DISTANCIES TANTO MAS ESCREVE POR FAVOR

Branca página

De desespero

Branca neve

De serenidade  

Brancas rosas

De pura alva matinal!

 

Limbo esperançoso que tranquiliza a minha alma 

Página em branco

Que se assoma ao ecrã

À espera que os neurónios se iluminem

E abarrotem de figuras negras o branco da página

Como se fosse um cenário polar

E as palavras, aqui e ali, que vão surgindo,

Aves famintas que esvoaçam  

E grasnam

Em simultâneo

No silêncio glacial;

 

Frase profunda, sentida

Evoca a expressão do olhar

Que antevejo nas tuas palavras

Ideias que te desassossegam

Imagens que não quero perder de vista.

 

Palmilho esse mesmo caminho que escolheste

A doçura dos teus lábios descerrados

Que rogam beijos suaves, entusiasmados, arrebatados

Pequenas marcas das tuas pegadas

Ideias que se completam, intemporais,

Uma inspiração capciosa que bule

Até com a serpente nos longos invernos do hemisfério norte.

 

Não quero deixar-me guiar pelo engano

Que amolece os cristais

Sigo o instinto, a gratidão, a rebeldia

A largueza, a frontalidade, a revelação

Diante da página em branco

Que depressa se completa com a abundante monção

Das palavras, das emoções, dos desejos, dos afetos

Água ávida e abundante corre no solo

Impregnando de um forte odor a terra

Acabo rendido à paz quando leio o que escrevo;

 

Mas desespero-me e exaspero-me

Afinal porque escrevo? E para que escrevo?

Afinal, escrevom escrevo tanto

Mas, afinal,

Não consigo dizer-te o que te quero realmente dizer

Nesse branco polar

Que é o ecrã do meu computador

Quando nu se apresente

Sem os vorazes e voadores pássaros; 

 

Falsidade imerecida

Que me concede a inusitada constelação da realidade

A perfídia que me entedia

Encolhe-me, enruga-me, desespera-me, imola-me

Não fico em paz mas não tenho vontade de guerrear

 

Escrever, escrever, escrever

Se for feito de paixão e empolgamento

Pode cegar-me

Pode distorcer-me da dita realidade

Do comum dos mortais

Posso até sucumbir a ela…

Mas como poderei fazer

Para não sucumbir à realidade?

Deixar de escrever? Morreria certamente por dentro!

Deixar de amar? Esfumar-me-ia obviamente!

 

AINDA FRANCAS MEMÓRIAS

Nostalgia que me invade

Ficção ou narrativa

Que contextualiza

O génio ou o louco

Que comigo coabita?

 

Pululo de sonhos e desejos

Que acabam por apagar

Alguns dos momentos tristes que já vivi…

 

Condenso

Ainda mais o olvido

Palavra tão bela

Suave

Musical mesmo

Suprema que está de termo  

Tão excessivamente complexo

Agnóstico mesmo

E que quebra a minha relação com deus

Se é que alguma vez a tive:

Esquecimento;

 

Ambas são pura essência da alma

Do que ela quer, do que ela não quer,

Olvidar

É o que não quero eliminar

Dói-me tanto

Mas desafia-me sempre

É ferida aberta que não sara

Esquecer

É mais mecânico

Mais conforme o preceito, o cânone

Da racionalidade

Do mundo cibernético

Está mais para a palavra delete

E quer mesmo apagar da nossa vida!

 

 Esse caminho que eu tantas vezes palmilhei

Rodeado de vegetação

Das borboletas que flutuavam no ar

E que pareciam posar para mim

Dos pássaros que estavam mais ao meu alcance

Que se embrenhavam pelo meio da vegetação

De galho em galho

Cantando bonitas melodias

Do som das pinhas que ia caindo no solo

Mesmo na minha frente

E que eu chutava deliciado para longe   

Nesse passadiço em que o tempo

Mascarado de terra batida

Ia temperando o caminho com ervas odoríficas

 

Mas todo esse espaço ardeu

E, com ele, muitas das memórias esvanecerem-se

Outras conservo-as todavia

Há uma que não me saí da cabeça

Mais do que imagem

O som que ao longe

Soava do chiar mecânico das rodas em madeira

Dos carros de bois

E do olhar submisso, assumidamente humilde,

Dos lavradores que acompanhavam a junta de bois

Que puxava o pesado carro

E que quando se cruzavam comigo

Acompanhados daquele pau de marmeleiro

Fino e pontiagudo

E na extremidade sobrava um ferrete

Um sinal de uma certa rusticidade mais selvagem   

Tiravam o chapéu em sinal de respeito

Faziam aquela vénia subserviente

Para o menino de calções

Que brincava deliciado no meio do mato

E que ia aprendendo, aos poucos, a ser homem!

 

E que dizer das tardes de verão?

Intermináveis, insuperáveis, insubstituíveis

Os rios, esse espelho da natureza,  

Onde tantas vezes pesquei

Exalavam a lodo, a hortelã, a odores anisados   

E a palha

Sempre presente seca e arrebitada

Mais longínqua 

Mas desse tempo sobrevém sempre

Essa figura paterna

Que vive dentro de mim

E que só se extinguirá

Quando a chama

Que trago dentro de mim

Planamente se consumir!

  

 

AMORAS SILVESTRES

 

Amoras silvestres

Visitam-me amiúde 

Regressam desde o passado longínquo

Onde vislumbro o pó

E já não a essência

Do corpo que se dividiu

   

Passado sem regresso

A ele não poderei voltar

Da forma com o vivi

Onde  

 Tudo era lento, postergado e preanunciado 

Não havia tanta vontade

Tanta obsessão pelo ter

Nem espaço sequer para o ser

E o desejo era uma miragem

Latente e opressivo 

A Fé substituía e entorpecia qualquer esboço de desejo…

  

Nesse tempo

A animosidade estava ausente

A cobiça palavra apenas

E eu esticava as finas mãos

Penetrando nos silvados

Compartilhando a disputa com os melros

Queria apenas colher amoras silvestres

Guardadas pelos espinhos

Enchia ávido de amoras

A minha boca adocicada

E ficava-me com as minúsculas grainhas

Que envolvem a polpa das amoras,

 

Nesse tempo ansiava

Por um país moderno e sofisticado

Mas o que tinha eram amoras silvestres

Espinhos…muitos espinhos…

E nada mais

 

Ergueu-se há muito monumento à ignorância

Grassava

A simplicidade campestre

A pobreza espiritual

 

Nesse país

Nesse tempo

Tudo era cinzento

E manifestamente comediante

Ninguém sabia rir

Todos eram excessivamente sérios

Não pela vontade mas pela imposição!

 

Hoje há revivalismos sobre o passado

Por vezes demasiado hiperbólicos  

Até uma simples descrição de uma colheita de amoras

Nos remete até uma saudade   

Que acaba destilando gotículas de saliva

 

  A minha primeira colheita de amoras

Acabou misturada com açúcar

Foi a minha primeira sobremesa a sério

Que, todavia, recordo

Na companhia de um idoso

Jovial e generoso como ninguém

Que, em permanente entorpecimento alcoólico,

Acabou por perecer, afogado, nas águas de um ribeiro

E ouvi-o tantas vezes declamar o adágio popular:

- Sopas de vinho não embebedam…

 

Mas é no pó que vou aspirando

Que me vem do sótão da memória

Que evoco todos aqueles com quem brinquei

  Aguardar-me-ão     

Pelo reencontro

Renovando os votos

Para voltar a ser feliz

Ludibriando a tristeza sentida pela ausência

Saciando a sua vontade com a minha presença

Brincando alegres e candidamente

Como as crianças

Que fomos outrora!

 

FORÇA INABALÁVEL DE UM DESEJO

Cadenciado movimento

Que se move vagaroso e apaixonado 

Mão de mulher

Agarra firme

A península do meu corpo

Fonte indomável do meu desejo

Que o endurece

Que o deseja

Tanto…

 

Persegue-o indomável

E quando o segura, plena de firmeza,

Agarra-o com determinação e orgulho

Como se tivesse o mundo na mão! 

 

Finas e esdrúxulas “bragas” 

Que diariamente envergas 

Onde escondes os recantos da tua gruta

Essa mesma tão desejada;

 

As tuas pernas

Longas, retilíneas e perfeitas

Evocam-me os cadernos de linhas

Paralelas e contínuas até uma das margens

E que continuavam na linha seguinte

Onde as crianças escrevem as primeiras vontades

E rabiscam os primeiros desejos;

 

Mas, 

Por mais próximas

Estou sempre a desejá-las

A requerê-las

Excitadíssimo

Cândido

Irremediavelmente perdido

Caído pelas alquebras modelares

Dessa ossatura longa e pontiaguda

Que te fazem medrar

A olhos vistos

Perante o meu deslumbrante olhar

Submerso aos vislumbres

De um desfilar perante mim

Desse teu corpo…

 

E de cada vez que retiro a tua roupa mais íntima

Essa que envergas sempre

Até aquele vestido que vestes pela cabeça

Arrojadamente tão curto

Que simplesmente encobre as entranhas mais íntimas

Quero sempre fazê-lo 

Com a lentidão de uma locomotiva a carvão

Com a frescura dos prados Açorianos

Com a pureza da água de uma nascente

 

E esse desfiar de sentimentos

Tão fortes e empolgados

Que vou testemunhando em mim

De cada vez que evoco os momentos íntimos contigo

Que tive, que tenho ou mesmo que possa via a ter   

Acaba, me concedendo, o clímax perfeito 

Da dimensão e da magnitude

Do que realmente significas para mim!

A GARUPA

A garupa

Não o faz por menos

Não se limita a deambular pelas águas agitadas  

Perscrutando,

De olhar de predadora,

Onde estão as espécies

Que atraem a sua insaciável cobiça

Nas águas escuras e agitadas do atlântico.  

 

A garupa

Deambula

Procura

Sustém a respiração

Oculta-se 

Para logo atacar com violência  

Sem dó nem piedade

Tragando  

Com aquela bocarra enorme que a natureza lhe concedeu

As presas que ela identifica

Como comestíveis!

 

A rapariga,

Vá-se lá saber porquê,

Foi-lhe dado o nome de Silenciosa 

Ávida de mostrar ao mundo

As formulações poéticas 

Que saem dentro de si

Intrinsecamente complexas e densas;

Levita pela blogosfera

Munida de martelo na mão

Daqueles que conseguem sulcar os mais duros veios da pedra

Destruindo paredes e esculturas multiformes

Porém,

Destruir à bruta e desalmadamente

Não se coaduna com quem

Se quer apresentar ao mundo

Plena de cultura e de sapiência

Assim, Ela, ou é afinal bruta por natureza,

Ou faz-se e se o faz é porque se quer regenerar de alguma coisa, será?

É certo que as suas investidas

Acalmam a sua ira, a sua frustração

e até, no limite, podem ser criativas para  a própria;

 

Ela

Adora destruir, sulcar, reduzir a pó

 O que se lhe atrevesse à sua frente

Rindo-se febrilmente

Dos mais frágeis que são apanhadas nas suas garras…

 

Pode até ser o que a rapariga quiser

E necessitar de ser naquele momento

Desde que o risco da boa convivência

Não seja pisado e ultrapassado;

 

Desde logo,

E como uma marca que é indelevelmente reconhecida por todos:

O respeito pelo que os outros elaboram e constroem 

Lendo muito bem também o que escrevem sobre nós

Colocando-nos sempre numa posição

Que não nos cegue com a soberba

Do nosso próprio olhar

Mas apreendendo com o olhar dos outros sobre nós!

 

E quando a obra começa a fazer sentido

 A descobrir-se a sua essência mais ou menos controversa

Até, na sequência do seguimento perfilhado pela língua latina,

O próprio género de quem escreve:

Feminino e masculino

Pois o neutro desapareceu da língua portuguesa,

Eis que surgem os arautos

Que perscrutam e perseguem

Nas águas turvas e profundas

As espécies mais fragilizadas

Ou as que ali são obrigadas a posicionar-se

Porque a linguagem e a comunicação das espécies

Ali, naquele local tão profundo do oceano,

Onde a pressão é de facto um problema

Faz destes predadores

Seres que estão prontos a apoucar o que fazemos;

 

Mas quando a nossa obra

Nos concede um certo contentamento e orgulho próprio

Até pelas palavras que os outros vão tecendo sobre nós

Dos muitos que nos visitam

Pergunto:

Onde estão essas espécies que pescam na profundidade?

No medo?

Na ira?

Na vingança apenas?

 

Pois…

Parece que Ela, então, está à espera do nosso próxima percalço:

Fragilidade

Confissão

Ou esquecimento de algo

Para se posicionar como predadora que é

Que se alimenta destes enredos

E que circula

Livremente

E como é difícil agarrá-la 

Como difícil é sempre agarrar as pérfidas e oleosas enguias

Apoucando-nos sem réstia de piedade!

 

Entretanto, a garoupa

Nas profundezas do mar

Acaba tragando um pobre e temerário sargo

Que se atreveu a nadar nas águas mais próximas!

NEM TENHO PAZ NEM COMO FAZER GUERRA *

Desta Paz

Que aqui vos trago

Que aqui vos falo

E falarei sempre

Que a vontade, a minha, a queira evocar 

Para vos desafiar a Nela refletir

Sim porque não é pelo facto

De não se anunciarem guerras

Neste espaço peninsular 

Que não devemos pensar na Paz

E na guerra também

Que, ainda não há muito tempo,

Aqui ao lado em Espanha,

Foi fratricida!

 

Falo sobre a Paz para não vos olvidardes

Mas falo sobre Ela também

Para vos desafiar a com entusiamo a seguir  

E a sobre Ela discorrer

De modo apaixonado, civilizado mas com empolgamento   

Modesto também, mas suficientemente seguro, da importância

Da enorme e gigantesca importância que tem a Paz

Nas pessoas de nobre índole

Homens e Mulheres que fazem

E que querem fazer muito pela Paz!

 

Modesta designação

Para conceito tão importante

Mas é de três letras que falo

Quando a Paz é a discussão!

 

Atribuo-lhe uma áurea esplendorosa

À Paz

E tão primordial nas nossas vidas

Que ergo essa primeira letra

Com um sentido de respeito  

Que esse primeiro som

Serve-se trajado de maiúscula

Porque a Paz é mesmo uma instituição…

  

E tão curta é a Paz

Mas tão facilmente pronunciável

Que depois de proferida

Fica a pairar no ar

O som da última letra

Que parece um grito

Proferido nas montanhas Rochosas

Que se prolonga indefinidamente pelo ar

Como se fosse um eco gigante

Para nos lembrar como é essencial

Manter viva a chama

Que arde segura e sedenta

Para iluminar o monte Olimpo

Nesse monte onde vivem

Todas essas divindades clássicas da cultura grega

Que, a nós, que temos uma cultura clássica

Nos devemos orgulhar

Dela, a Paz!

 

A Paz pode ser procurada

A Paz pode ser desejada

Mas a Paz tem que ser defendida

Por todos e não só por alguns

A Paz tem que a ser a palavra

Que antecede até o próprio pensamento

E mesmo que a guerra ainda não soa

Mas a Paz existe

A Paz tem que existir!

* Título de um poema de Petarca. 

 

 

 

 

 

ESPERA-ME A NOITE

IMG_20201011_194334 (2).jpg

Ao fundo o lago silencioso, adormecido e indolente 

De baço luar a refletir nas suas águas

Porque a lua foi de férias para outras paragens

Cintilam nas águas do lago pequenos faróis de luzes

Que parecem dançar levemente

Neste lago de intangível mudez

Que parece estar ali para receber toda a paciência do mundo!

Deslizo emudecido e refletido na noite escura

Iluminado, como se estivesse inspirado,

Mas profundamente concentrado

A escrever o texto que se anuncia

Por pequenas candeias

Como pescadores nos rios interiores da China

 Que lhe dão sentido à vida!

E no meio das suas águas prateadas na noite escura

Vislumbro um agitar ténue de figuras

Que vagueiam pela superfície da água…

São patos que, mais uma vez me perseguem,

Mas agora inclementes a nadar, notívagos

E sem a vaidade dos primos que avistei recentemente noutras paragens!

Circundo o lago, sigo a sua fisionomia,

Através de uma estrada que o rodeia

Que o parece perseguir e, ao mesmo tempo, empertigar 

como que o relembrando que há limites para a desfaçatez

E no meio da minha divagação noturna

Em que vislumbro, aqui e ali, mulheres solitárias ou na companhia de cães

Pois os homens estão atrofiados a olhar a tela para ver a Seleção jogar

Dou-me conta de que um gato vagueia vagabundo

Pelas margens do lago e pelo caniçal onde se ouvem flautas a tocar lindas composições         

 Vejo que o gato parece andar entretido à procura de algo

Mas não sei o que busca

Mas os gatos alguma vez dizem ao que vêm e o que querem?

Este gato, em especial, parece divertir-se

Por entre as pequenas canas junto a uma das margens do lago

 E dou-me conta, então, que o felino

Tem uma pequena mancha esbranquiçada no peito

E, de súbito, vejo que ele parece divertido lambendo as patas dianteiras

Mas, a certa altura, o gato senta-se sob as patas traseiras

E estica as patas dianteiras, aquelas mesmo que antes havia limpo de forma meticulosa

E naquele posição esplendorosa, sentado e ereto,

A fitar-me com aquele olhar desconfiado que só os gatos sabem fazer

É chegado o momento, digo para mim próprio, de lhe tirar uma fotografia

E quando me preparava para o emoldurar numa magnífica posição fotográfica

Eis que o malvado se escapuliu…

Fiquei desalentado e frustrado por não conseguir captar posição tão magnífica do gato

Que, estou certo, daria uma fotografia de excelência

Até porque os gatos não costumam rondar em zonas tão próximas aos lagos

Mas aquele, por alguma razão em especial, estava ali

Para contrariar os pensamentos únicos e as frases feitas

Com que costumamos brindar o que quer que seja

Porém, ainda bem que o gato não se deixou fotografar e se escapuliu

Pois a ausência de uma foto fez-me escrever sobre este episódio

Que tanto me impressionou

Sobretudo a atitude altiva e esguia da fuga do felino

Evitando deixar-me agarrar, tocar e muito menos fotografar

E lembrei-me daquelas pessoas que se mantêm na sombra

Na penumbra, no anonimato, nas courelas do incógnito

Apesar de ativos socialmente

E foi então que refleti sobre a minha própria figura

Desde o nome, passando pelos vários eus que vou anunciando

E celebrado por um sempre presente pseudónimo

Que me permite

Em cada momento

Dizer o que quero e como quero

 E não dizer

O que os outros querem que eu diga!

Glória aos patos

Honra aos gatos  

Manifesta celebridade aos humanos

Que, como eu, escrevem para tocar uma certa realidade

Mágica, muitas vezes, que parece levitar por cima das águas do lago

E que se transforma em borboletas sorridentes

Vestidas com as suas vestes coloridas

Que seguem o canto do rouxinol que se anuncia na árvore vizinha.

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