Mantém-se firmes suspensos sob as letras do teclado
Paixão? Amor à arte? Vício?
Ou vontade de afirmar e dar continuidade à alma?
Que, insana, grita, demencial em busca da glória!
Os meus pungentes dedos
Finos e longos
Que contemplo em cada mão
Parecem um arqueológo
Que busca, ufano,
Os vestígios do passado
Mas os meus dedos
Não procuram a existência material das coisas
Os meus dedos estão para além disso
Vasculham a palavra, a frase
Que melhor sirvam
A dimensão dessa minha memória
Da minha vivência
Das correspondência, ou não, afetivas
Gravadas nesse quadro interminável
Que regista a nossa passagem
Por esta vida!
Na noite em que tu
Buscas o sustento
Nos longos turnos de trabalho
Ou na interminável noite de insónia
Ou, simplesmente, pela veemência com que despertas
Para exaltar e perfumar a tua arte
Enchendo-a de palavras, de uma vida
Que são como um filho
Motivo de tanto orgulho dos pais
Deixa-me desafiar-te até às águas genuínas
Desse rio límpido das tuas memórias
Onde guardas a essência da tua alma
Onde guarneces os ríspidos momentos,
Ausentes das tuas entranhas fechadas no armário
E serpenteias pelas ruas onde só há a Razão pura
Onde o mundo material tem a sua plena justificação
Deixa-me ouvir a tua voz sentida
Profunda
Alada
Guarnecida dessa tua rica prosa poética…
Estende-me aberta, a mão Entrega-me de ti palavras Que escorrem finas De dedos esguios, esses teus! Apanho-as ávida de letras Sorvo-lhes o sentimento Que me inunda a alma! Quero palavras!
Como trovão que rasga céus No macio escuro da noite Rendo-me em escrita crua de mim Essência despida de entrelinhas Sou Mulher, afinal... Onde prosa e poesia São eternos amantes em madrugadas longínquas. Como chuva das monções Deixo cair de mim Sílabas à Solta: O rugir dos sentidos Espalhados em papel Que o vento do sul Há-de levar adiante. Se houver quem capture Papel cru esse feito palavras despidas de mim, Que sejas tu... Que me rasgues toda a alma Afagues palavras sentidas Proves letras caídas Despojos de guerras Travadas em velhos mundos. Quero palavras, Sílabas tuas que como fera devoro Casa tua, como minha, jogo de espelhos onde te procuro Frases em tempestuosas ondas Que na borda do papel morrem. Palavras em rodopio no ar Apanho-as todas de ti Dessas tuas mãos que me prendem Escondo-as em mim, palavras tuas. Entrelaça esses dedos teus Nos meus E leva-me por letras tuas Às Artimanhas do Diabo que resgatam almas perdidas...