PELA CALADA DA NOITE
Antes que venha a brandura
Antes que venha a satisfação
Deixa-me luzir a tormenta
Que, em certos dias,
Inexplicável e surpreendentemente
Acaba por me visitar
Sem que eu saiba de onde ela vem?
E porque me assola?
Nesses dias de uma certa fúria contida
Não consigo augurar nada
Quase não consigo raciocinar
Um céu pesado, escuro e sem luz
Abate-se sobre a minha cabeça
E se bem que me possa permitir
Uma réstia de existência
Mas nada mais que isso
Como se fosse uma existência inútil
E eu transformado
Num esmerado cumpridor
Das obrigações sociais e profissionais
Mas o esforço que faço para me conter
Deixa-me a sensação que apenas é para isso que tenho viver
Deixar passar as coisas mais comuns e incomuns
Sem que me possa meter de pés e cabeça em nada
Já sei que nesses dias tempestuosos
Vem ao de cima em mim
Um certo caráter sanguinário
A disputa, a análise mais ad hominem
E posso até acabar por me magoar
Acabando por magoar outrem
Lanço-me, então, nas análises mais suaves
De temas mais genéricos
De assuntos que a todos nos tocam
Mas que na minha essência pessoal
Não são os que verdadeiramente me tocam!
Mas tu, alma gémea,
Que danças
Que levitas
Que desejas
Que gostas e amas
Que procuras com as palavras
Alcançar-me
Tocar nas minhas palavras
Que são tuas também
Mulher que és fogo
Exulta
Exalta
Esse poder fatídico
Das tuas chamas
Que se propagam no ar
E depois vêm aqueles dias em tudo te irrita
E vens com palavras simples
Meter a ordem natural nas coisas
Mulher que procuras sempre
Alguma coisa que te empolgue a alma
Mulher que procuras sempre
Palavras que te deixem embriagada
Mesmo que sofras em silêncio
Pelas palavras dele que não chegam como habitualmente
Pelo seu empertigado modo de agir
Ou mesmo pelas palavras dispersas que ele te possa dizer
Que acabem por não te soar a música rítmica e harmoniosa
Mas que apenas são palavras ditas
Por isso
Não esperes
Demasiado dele
Espera sim, de ti,
E dos bichos
Que esses
Não te desiludirão
Com certeza!