AOS SUCESSIVOS VERÕES DA MINHA INFÂNCIA
Fim de tarde
O sol rubicundo vai-se desvanecendo
Suave e discretamente remete-se ao silêncio
Aproxima-se cada vez do mar
É tempo de se estender no seu leito
Dormir o seu sono justo
Aguardar pelo dia seguinte
E os sucessivos dias
Que ainda tem pela frente
No verão que lhe resta carregado de otimismo
Sobrevem a noite
Escura e fria
Carregada de brumas
Que parecem múmias que se escapam
Das gretas geladas dos fiordes
E o mar que se encrespa e grita
Parece que se nos quer repreender
Por fim enregelados
Abandonamos a praia
Dias festivos que evoco
Nos muitos verões vividos na infância
Calcorreando a areia
Sem sossego
Pra lá
Pra cá
Sem destino certo
Escondendo-me, unicamente,
Ou procurando fazê-lo
Nos inocentes jogos da infância dessa altura
Dias épicos esses
Em que a hora do banho
Era um inestimável acontecimento
Que juntava crianças, pais e avós
Na beira da linha do mar
Com a pele eriçada
Do vento forte que soprava
Invariavelmente do norte:
Era a hora do banho
Incluído nas prescrições médicas
Havia até o “banheiro”
Figura respeitada nas praias
Pescador retirado das artes da pesca
Temerário conhecedor dos segredos das marés
Que pela mão conduzia os banhistas
Como aqueles homens que conduzem os crentes
Que se deslocam ao rio Jordão
Para os batizar nas suas águas sagradas
Desses tempos
O sol não se exibia
Na presença dos veraneantes
Estarrecidos e quedos
Estendidos na areia escaldante
Debaixo de um respeitável e inclemente sol
Hoje,
O verão é
Na imensa narrativa coletiva do grupo
Praia, sol, calor
Que as lança num movimento coletivo
Para sul
E quem observa o areal
Pejado de uma multidão de veraneantes
Vê como única preocupação
Tostar-se
Assar-se
Em nome de um ideal de beleza!
Acabo enrijecido
Neste dealbar do tempo
Que, entretanto,
Passou desde a minha infância até hoje
O mar está lá
A areia condescende na minha presença
O vento do norte permanece forte
As gentes
Não são mais as da minha infância
Até eu mudei
Não sei se para melhor ou pior
Mudei
Sim mudei…
O “banheiro” há muito que se esfumou
Mas o sol avermelhado do final das tardes de verão
Permanece
E no final do dia lá se aproxima do horizonte
E parece que vai ser engolido pelo mar
Como já o era
Nas memórias que guarda da minha infância!