ESTIVESTE PRÓXIMO DAS TEIAS DO DIABO
E quando nas fissuras da tua cútis se alinhavavam
Sulcos de curvas e contracurvas
Como se fossem constelações de estrelas
Que na grande noite se gizam no céu estrelado
E quando o desespero te começou a minar
E estava-te a matar aos poucos
Vozes próximas começaram a verbalizar
Uma certa projeção de uma imagem do afogado
Colada à tua esbranquiçada e enrugada pele
Urgia, pois, dar-te a voz amiga
Para te trazer de volta à vida normal
Ressuscitaste
Sim
Ressuscitaste
Lenta e ceticamente
O princípio, que do verbo é,
O teu foi-o na degustação da tua própria pele
Lambendo as feridas homéricas
Que grassavam incontáveis e dolorosas
Logo depois uma pele mais dura e calejada
E não tão sensível como aqueloutra que acabou por te submergir
Começou a formar-se como se fosse uma espessa barba
Avistaste o fundo do mar
E não gostaste de como escuro ele é
Circundado de criaturas monstruosas
Que na gélida correnteza rondam implacáveis
À procura das presas frágeis que se aventuram naquele mundo
Viste o inferno
Tocaste na insana génese do diabo
Quiçá um excesso de entusiasmo nas tuas próprias capacidades
Te tenha alimentado uma narrativa própria
Dada a um tom hiperbólico
Caucionado pela efabulação que os ótimos que te rodeavam
Eram um sinal de que irias conseguir
Mas caíste com rugido
Como uma árvore carcomida
De tronco apodrecido e raízes despegadas da terra
Que tomba de forma vertiginosa e com estrondo no solo
Andaste indiferente
Entumeceste
De ansiolíticos
De tranquilizantes
De barbitúricos
E de outras substâncias
Que o mercado laboratorial se expande e exibe
E, por fim, diluíste em ti
Auxiliado pelos teus
O mal que te afetava
E que estava corporizado
Num conjunto de pessoas
E de contextos sociais e profissionais
Que te havia deixado incontrolável e desesperado
Na senda de uma caminhada
Que acabou por te conduzir a uma perigosa depressão
Porém, voltaste reforçado à vida normal
Ao sorriso, às conversas francas e animadas
Voltaste a ser o mesmo homem
Que vai conseguindo suplantar as chagas que estão lá na tua adolescência
Espero-te na curva, na ladeira, no sopé da montanha, nas dunas
Mas o reencontro faz-se invariavelmente pela voz que se anuncia
Do outro lado do telemóvel
Eu na minha catarse absoluta, curando as minhas feridas
Tu no acelerador constante para não te deixar cair outra vez.
Amargos dias têm sempre um fim
Tu agarraste-te à vida
Outros, menos capacitados,
Agarram-se à morte!
Estas palavras são integralmente dedicadas ao herói que foi integralmente advertido desta publicação. Para ele e para todos os outros que venceram a depressão vai a minha admiração.