A TRUCULENTA SAGA DE DON SANCHO E SUAS PROEZAS MARIALVAS - 7ª PARTE - EPÍLOGO *
*Escrito em Sesimbre em 1990.
FIM DA VIAGEM
E agora que se anuncia o fim desta viagem
Recortada por leves enseadas
Esconderijos onde o vento acabou se confessou do amor ao mar
Fortes batidas nas rochas
Que sustentam as ondas do mar
Que me endureceram as emoções
Mareada de “recuerdos”
Registados em sete folhinhas em papel
Carimbadas por manchas acastanhadas
Gastas pelo tempo
De carateres semiapagados
De odores salinos
Mesclados com o forte odor da terra
Temperados pela erva que cresce na Corredoura
Dos tunídeos prateados
Das cavalas mais resilientes
Ou desse homem dos “bigodes”
Que, mais que um chefe agarrado aos seus opíparos grelhados,
Parecia um velho navegador Viking
E é então que evoco,
Sim,
Com muita saudade,
O meu progenitor
Que me acompanhou na primeira viagem
Em que aportei à vila de Sesimbra
Mas que estará sempre dentro de mim
Nas sucessivas viagens que vou realizando
E que me acompanhará até ao fim dos meus dias
Porque a sua imagem, o seu vigor, a sua força, a sua personalidade
São aquilo que eu sou na plenitude!
Visto o meu melhor fato
Nessa derradeira hora de partir
Aliso o meu cabelo com o pente
Que, como uma gadanha,
Me vai alisando a espessa cabeleira
Com que sou abonado
Acomodando-a no devido lugar
Expurgando-a dos grãozinhos de caspa
Como se eles fossem as coisas malignas que me afetam
Não sou de ninguém
Se não de mim mesmo
Partindo
Chegando
Sinto-me muito melhor
Chegando
E não partindo;
Mas nesta hora da abalada
Em que deixarei este mar azul e calmo
Debruço-me sobre mim mesmo
Desvio o olhar para além do que as folhas em papel registam
E vislumbro nelas tudo o que na altura me incomodava
Nos personagens que escolhi para a narrativa
Destinada a pôr-me em paz
Mas de ti
Não me despedirei nunca
Chegarei nessa derradeira punção
Destinada a extrair os nossos sangues
Juntando-os
Para daí fazer não um, nem dois,
Mas textos intermináveis recheados de palavras
Como um jardim resplandecente
Mourejado
De flores e ervas
Que não serão de mim, de ti
Mas dos dois
Que viajarão na via látea
Até ao crepúsculo final
A barca acaba saindo
A bruma pouco a pouco se desvanece
E esse mar azul volta a ser avistado
Em toda a sua plenitude
E é na calma que me despeço
Das falésias que guardam Sesimbra
Mas de ti
Rio que atravessa a floresta
Que todos os dias desaguas o teu caudal no meu
Engrossando-o e tornando-o mais complexo
Desafiando o curso das minhas águas
Que me vês derrubar os sucessivos barqueiros
Que com audácia tentam vencer as vagas que vou lançando
Não me despedirei nunca!