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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

AS FOLHAS CAEM NO OUTONO

outono-caracteristicas-quando-se-inicia-e-estacao-

Quantas folhas 

Quantas árvores

Alquebradas ou eretas

Se alinham na minha frente

Para me dar

Sombra

Textura

Frescura

Júbilo

 

As árvores…ah as árvores…

Que, ignoro se alegres ou tristes,

estão neste mundo

Para colorir e alegrar os dias

De quem as sabe valorizar  

 

Podemos estarrecer

No vislumbre panorâmico

Da miséria urbana 

Que nos lança para o caos

Sedento, enorme e derradeiro

Da pobreza infame

De quem nada tem

E fica vivendo do que não tem

Essa miséria sem fim

Ainda mais miséria

Degradante  

Que é a volúpia

Dos que tudo têm

E que vêm na caridade

A salvação da sua existência

 

Benigna solidão

A horta dos eremitas

 Que se agarra às pedras gastas

Das fortificações e castelos

Que se alinham milimetricamente

Ao longo do muro construído

Aí, nessa muralha,

Posso, enfim,

Vociferar à vontade

Dizer e comentar

Coisas absurdas e aberrantes

Como perecer asfixiado

Por uma peça de fruta

E morrer em segundos

Absurdo e sem redenção   

A que ninguém está

Nem pode estar

Verdadeiramente preparado

 

Mas parece

Menina empolgada

De soquetes esbranquiçados 

E franja em forma de musgo  

Que não olhas de frente

Para o que verdadeiramente te afronta

Preferes, enfim,

Ziguezaguear sem destino

Ocultando-te em palavras

Carregadas de intensa exaltação amorosa

Como se fosses a voz dos embriagados de paixão

De tanto dizeres

E pareces sempre carregada

Martirizada até

De palavras que não têm fim

E sempre ordenando esses sentimentos

Como se fossem  

Camadas sobrepostas, enfileiradas

De velhos e novos amores

E que são o combustível

Que te ergue da fúria contida

E te mantêm em pé

 

Vejo-te nesse aconchego

Serpenteando por entre as árvores

Mitologicamente

Como se tudo fosse

Natureza, paixão e amor

 

Mas desconfio que uma onda enorme

Poderá varrer a tua vida

Já varreu, aliás,

Arrastando-te para um pântano

Sulfuroso e espesso

Carregado de brumas

E de assombrações

E ouvir esses teus queixumes

Mesmo que seja nessa tua voz maviosa

Causa-me

Obstipação emocional

 E por isso

Não sei quando voltarei

Até essas tuas palavras

Que medram com as minhas 

Que se embriagam e entrelaçam

Nos meus sentimentos

 

Nas tuas palavras

Nessas tuas tantas certezas

Não há lugar para a diferença  

Para o outro lado

É a verdade pura

De bronze

Enferrujada

Que em ti

Vejo nesse teus olhos de maruja

Que olha para o farol

E anseia pela noite

Para ver a luz acesa do faroleiro

Refletida na longura do mar

Mas, impaciente, aguarda o nascer do sol

Para ver o mar

Agitado, enfurecido e em desassossego

Carregado de vagas

Tempestuosas e revoltadas

 

Espero, então,

Ver por aí

As folhas caídas de outono

MEDITAÇÃO SENSORIAL

Rendido ao extrair voluptuoso dos adereços

Que cobrem essa tua intimidade

Preliminares que antecedem o júbilo

 Deixo-me enlevar pela tua singular e afirmativa   

Maneira de cumprires as tuas obrigações

Resquício dessa recordação do teu efémero pai

 

Mas quando estás próxima de conseguir

Acabas, sofrida e angustiada,

Por enterrar o êxtase

Que os teus sentimentos tanto te pedem  

Silencias-te

Mergulhas, então, em monólogos

Desvirtuada e ressentida

Porque a graça parece ter-se esfumado  

 

Exibes um sorriso fácil

De benevolência  

E uma aparente boa disposição

Que não se casam com o teu olhar

Que, distraído e colhendo-te uma mirada desprevenida,

Deixa transparecer uma melancolia inquietante

Que me demanda o afeto que nutro por ti

 

Mulher cansada de ilusões

A quem dura e sentida tem sido a vida

Até o consórcio afetivo  

Que começou por ser de entusiasmo e paixão intensa

Se foi quedando na frieza

De cada um no seu canto

Do leito conjugal  

Longe um do outro  

E amparados às almofadadas  

 

Aquela mulher que no passado se suplantava

E parecia não se submeter a ninguém

De eminente consideração de si própria 

Que extravasa líbido

Olhava sem pudores nos olhos

De sorriso maroto e insinuante

E se antevia nela

Um forte desejo de ir em frente pela aventura

Vive hoje de um certo brilho do passado

Como uma estrela que cintila nesse imenso céu escuro

 E quando a olhamos

Questionamo-nos se ela todavia ainda tem vida!

 

Mas, estrela perdida, não perdeste o desejo

E, mesmo discreta e fundadamente,

Atreves-te a, por vezes,

Sonhar, desejar

Que uma bela história de amor

Te liberte do sótão encarquilhado e poeirento

Em que guardas o livro das tuas memórias

E voltes a edificar esse jardim

No Éden

Onde tantas vezes

Trocaste a formalidade e a aparência

Por um subversivo e ousado beijo

Que logo te deste no instante

Que te deixaste esquentar

E fruíste no desejo

Esse rio que corre dentro de ti

Nesse teu mundo subterrâneo

Que não morreu

E que é a fonte desse empolgamento

Que continua presente

 

Mas optaste pelo silêncio

E empurraste-te para esse território  

Em que esquecimento nidificou

Acabaste por enterra-lo

Para te convenceres que não tens mais idade para certas coisas

Mas sim, tens idade, e tens graça ainda

Para dar e vender e sabes

Tenho a certeza

Fruir dos instantes da vida

A cada instante e ser e fazer júbilo

A quem em ti confiar o destino

 

Tens ainda a vontade de uma adolescente:

Trepar uma árvore

Deitar-te na relva

Meter uma fina palha na boca

Despir-te

Roçar esse corpo cansado

Aprisionar o desejo que há em ti 

Num corpo compacto que te deseje

Como tu o desejas

Fazer amor nos locais mais improváveis

Porque, domesticada, silenciada

Levada a…

Continuas a mesma flor silvestre

Que eu conheci lá atrás

A espiga de milho que merece ser desfolhada

Desfiada, desflorada, desnudada

Porque a mulher mudada

Aparentemente

Pelas circunstâncias da vida

Conserva os sentimentos

Da água cristalina

Que corre apressada e límpida

Da nascente

 

Mas esse rio que te abastece

E que escassos são os que o conseguem avistar

Subterrâneo, porque assim as circunstâncias o exigem,  

   Não tem fim

Dentro de ti tens a fé inabalável no progenitor

Que zelará

Na viagem terrena

Por ti

Eternamente

Para te compensar da fugaz convivência!

OS LÁBIOS

Lábios carnudos

Que se encrespam  

Como cristas de galo

Aprumados

Sedosos

E húmidos

 

Eles são a porta da gruta

Onde à entrada erguem-se filamentos de lã   

Humedecidos e ondulados

Sem o vigor dos irmãos que medram no couro cabeludo

Mas entusiasmados como um velho camponês

Que todos os anos espera pela melhor cultura

E vai dizendo:

- Este ano é que vai ser… 

 

E naquele beijo

O último que me deste

Querias que nele coubesse toda uma vida

Sorves-te naquele instante

E eu a ti

De uma só vez!

 

Olhos verdes clareados 

Cútis cor de mármore

Corpo escultural sem adiposidades

De girafa espampanante

Que desde que o mirei  

Desejei-o   

Como se quisesse concentrar toda a força de uma vida

Como as palavras escritas

Que, de ti, soaram para mim

E tão olímpicas se revelaram

Que acabaram por intercetar

Os meus sentimentos mais profundos

 

De ti

Mulher alva de fulgor e entusiasmo  

Senti o verdadeiro cheiro da maresia

 Envolta em colares guarnecidos com conchas e algas

Vi a sereia que abandonou o mar

Em busca de uma paixão para a vida

Os búzios que contemplei nas tuas mãos

Ensinaram-me a respeitar ainda mais as crenças

Filamentos de redes à tua volta

  Ensinaram-me a não me deixar enganar facilmente

 

Em tudo o que te desejei

Que te vi

Vi-me

E acabei por me ir

Abnegado e cúmplice

Como entrei

 

Olhando esse mar azul perfumado

Desde aquela varanda que guardo na memória

E tu sempre tão generosa comigo

Deste-me tudo o que eu te pedi

 Mas já não me podes dar mais

Nem eu a ti

Porque não sei mais onde estás?

 

E vieste agora

Como uma memória enroupada num sonho

Desde o meu passado para me desinquietares  

Como uma órbitra

Lançando sobre mim suaves seduções

Acabando por me exclamar:  

- Acabou…esquece...

Atira-te às palavras com fúria

A tua paixão para a vida!

 

Mas eis que me cruzo com uma outra mulher  

De tez escurecida

Olhos inquietos que olham para o além

Que procuram em cada estrela

Sorver cada instante como se fosse

O derradeiro momento da sua vida

 

Nas suas palavras descortino 

A discreta onça com as suas pegadas

Sulcadas no areal dos rios

Mulher apaixonada, discreta e tão melindrosa… 

Mas não consigo passar sem os seus nobres humores

Sentimentos que brotam de cada um dos seus poros

Dedos ágeis que manejam as letras e formam palavras

 

Pela sua boca

Saem gotículas do desejo e do entusiasmo pela vida  

E que regozija

Quando transponho a sua gruta

Tão primitiva como escondida

Onde guarda todos os pergaminhos

Preenchidos com sublimes odes

Que se inspiram nas paixões da sua vida

 

Mas é com artimanhas que delimita

Através de doces palavras

A sebe que segurará

A quem, afinal, elas se destinam

 

Irmã

De idioma  

De palavras

Não me deixes neste mundo

Sem o vigor dessas tuas palavras

Tão classicamente arrebatadas

 

Posso acabar os meus dias só

Como sós estaremos

Na hora da despedida  

Mas nadando nesse mar da fertilidade

Onde flutuam as tuas palavras

Aí não precisarei mais dos zimbros

Que ondeiam o mar de Sesimbra

Porque ao encontrar-te  

Encontrei-me

E não mais fugirás do meu radar!

Exibe-me, então, esse teus lábios de uma vez

Para eu ver como quentes eles são

E deixa-me regar essa tua planta

Que guardas com tanto viço

 

Deixa-me ver o sangue espesso

Dessa mistura de sentimentos  

Que brota das tuas veias

 A base da tua edificação

Onde mora essa paixão extrema e intocável  

E que é a tua gloriosa salvação!

 

 

A TRUCULENTA SAGA DE DON SANCHO E SUAS PROEZAS MARIALVAS - 7ª PARTE - EPÍLOGO *

007.jpg

*Escrito em Sesimbre em 1990. 

FIM DA VIAGEM

E agora que se anuncia o fim desta viagem

Recortada por leves enseadas

Esconderijos onde o vento acabou se confessou do amor ao mar

Fortes batidas nas rochas

Que sustentam as ondas do mar

Que me endureceram as emoções

Mareada de “recuerdos”

Registados em sete folhinhas em papel

Carimbadas por manchas acastanhadas

Gastas pelo tempo

De carateres semiapagados

 De odores salinos

Mesclados com o forte odor da terra

Temperados pela erva que cresce na Corredoura

Dos tunídeos prateados

Das cavalas mais resilientes

Ou desse homem dos “bigodes”

Que, mais que um chefe agarrado aos seus opíparos grelhados, 

Parecia um velho navegador Viking

 

E é então que evoco,

Sim,

Com muita saudade,

O meu progenitor

Que me acompanhou na primeira viagem

Em que aportei à vila de Sesimbra

Mas que estará sempre dentro de mim

Nas sucessivas viagens que vou realizando

E que me acompanhará até ao fim dos meus dias

Porque a sua imagem, o seu vigor, a sua força, a sua personalidade

São aquilo que eu sou na plenitude!

 

Visto o meu melhor fato

Nessa derradeira hora de partir

Aliso o meu cabelo com o pente  

Que, como uma gadanha, 

Me vai alisando a espessa cabeleira

Com que sou abonado

Acomodando-a no devido lugar

Expurgando-a dos grãozinhos de caspa

Como se eles fossem as coisas malignas que me afetam  

 

Não sou de ninguém

Se não de mim mesmo

 

Partindo

Chegando

Sinto-me muito melhor

Chegando

E não partindo;

Mas nesta hora da abalada

Em que deixarei este mar azul e calmo  

Debruço-me sobre mim mesmo

Desvio o olhar para além do que as folhas em papel registam

E vislumbro nelas tudo o que na altura me incomodava

Nos personagens que escolhi para a narrativa

Destinada a pôr-me em paz

 

Mas de ti

Não me despedirei nunca

Chegarei nessa derradeira punção

Destinada a extrair os nossos sangues

Juntando-os

Para daí fazer não um, nem dois,

Mas textos intermináveis recheados de palavras

Como um jardim resplandecente

Mourejado

De flores e ervas

Que não serão de mim, de ti

Mas dos dois

Que viajarão na via látea

 Até ao crepúsculo final

 

A barca acaba saindo  

A bruma pouco a pouco se desvanece

E esse mar azul volta a ser avistado

Em toda a sua plenitude

E é na calma que me despeço

Das falésias que guardam Sesimbra

 

Mas de ti

Rio que atravessa a floresta  

Que todos os dias desaguas o teu caudal no meu

Engrossando-o e tornando-o mais complexo

Desafiando o curso das minhas águas  

Que me vês derrubar os sucessivos barqueiros

Que com audácia tentam vencer as vagas que vou lançando

Não me despedirei nunca!  

A truculenta saga de D. Sancho e suas proezas marialvas - 6ª parte - *

 

006.jpg

* Escrito em Sesimbra em 1999. 

ANTECÂMARA DE UM JULGAMENTO

Perguntas, 

Mulher que és,

Quem sou eu?

 

As mulheres não se contentam com o fácil e avulsamente

Esbracejam, afoitam, escarafuncham, indagam

Querem saber tudo

Até que acabam por desenterrar a verdade 

 

Emocionada mas bem profunda

Como a raiz da glicínia

Procura a profundidade

Para se suster e crescer

A mulher busca a segurança

A certeza dos valores ocidentais, orientais

Em suma, universais

Assegurar que a sua vida

Se expandirá para além de si própria

 

No reino dos julgamentos

Onde homens julgam outros homens

Existe uma certa visão bíblica

Aquela onde no final da vida

E quando chega a hora de tomar a barca

Que levará ao destino final, sem retorno,

Alguém nos julgará pela vida que levamos

 

Mas será que nos podem julgar

Pela vida que levamos ou que tivemos ou que nos deixaram ter

Quando, habitualmente, ela está tão condicionada

Pelos outros,

Que nos querem

Mas também pelas múltiplas rejeições

Que vamos padecendo ao longo da vida

Até que aprendemos a viver com elas

E aí não há remédio

Há que levantar a cabeça e seguir em frente

E é então que a pergunta se impõe

Como alguém nos pode julgar

Se estamos tão condicionados pela aceitação ou rejeição dos outros?

 

Se me amas, amo-te também

Se me odeias, odeio-te também

É um pouco nesta dicotomia que vivemos

E é sobre ela que temos que prestar contas!

Será isto viver? Não será, antes,

Padecer na vida para depois ir para um lugar

Que nos dizem bonito e belo onde é tudo tão lindo?

Mas queremos nós, afinal, encontrar um local assim tão esplendoroso?

Ou, como é do meu caráter, buliçoso por natureza,

(Conhecem algum judeu que o não seja?)

Gosto de aqui estar

Mesmo que rodeado de tamanhos contrastes

Pois se ao lado do belo

Não existisse o feio, o horrível

Como se poderia afirmar “belo, magnífico, esplendoroso”

Se não existisse um termo de comparação?

 

Julgas-me, eu julgo-te

Aprecias-me, eu aprecio-te

Amas-me, amas-me mesmo?

Amo-te, amo-te mesmo?

Ou amo as tuas palavras

E tu as minhas

Que brotam dos nossos corações

Abertos e curiosos

Que gostam de olhar o céu

Para as estrelas que cintilam nesse firmamento

Ilimitado, expansivo e em crescendo 

Apreciar essa lua deslumbrante

Que se esconde tantas vezes

Atrás do palco onde mandam as nuvens

 

Nós os dois somos géneros únicos

De uma mesma entidade

Que ama, e amará

Odeia, ou odiará

Pela palavra, sempre pela palavra

E não pelos sentimentos

Porque esses alimentam a incúria

E deixam-nos frágeis como

Um condenado à morte

A quem lhe dizem:

- É agora a hora de dizeres a verdade e toda a verdade…

Mas como pedir a verdade a quem espera a morte?

E para quê dizê-la se a morte é eminente e certa

Não será melhor esperar pelo julgamento

Para atuar na defesa do condenado

Ao céu ou ao inferno?

 

Mas dos teus olhos saem vislumbres com os meus

As tuas ações cotejam com as minhas

Dos teus haveres, palavras apenas,

Ficarão inertes

Escritos a letras douradas

No grande livro sem fim onde agora estão

 

Caminhando tu deslumbrada e ereta pelo deserto  

Bailando eu numa embarcação no mar

Encontrar-nos-emos nesse pós julgamento

Pois, ambos iremos parar ao mesmo lugar

A esse recanto onde estão

Poetas, prosadores, pintores, artistas e demais sonhadores

Pois é aí que pertencemos! 

A truculenta saga de D. Sancho e suas proezas marialvas - 5ª parte - *

005.jpg

* Escrito em Sesimbra em 1990. 

O MAR DOS ZIMBROS

Deixa-me ver-te

Pequenina e esguia

Terra de tão boas práticas marítimas

Nessa enseada côncava

Que amacia o olhar

Porto seguro e abrigado

Donde se avista o mar longínquo e rasgado

Que nas noites de intenso luar

Veste as suas melhores indumentárias

Para nos acompanhar nessa viagem noturna

Mostrando-nos, lá longe, as luzes que se anunciam

Desse sonho antigo

Do porto de águas profundas: Sines!  

 

Vejo o sargo

Que se agiganta à chaputa

Vejo o goraz da pedra

Tão raro como delicioso

Reluz o plebeu salongo  

Que preanuncia o nobre imperador

Pescadores que marcham inclinados

De balde na mão

Espalhados como sardinha pelas ruelas da vila

Habituados a velejarem

Nesse mar sem fim e oblíquo

Que parece que vai engolir todas as embarcações

 

Mas acabo por me confrontar

Com uma frase talhada na pedra escrita por Raúl Brandão

Pescador de Sesimbra…

Regula-se pelas estrelas e pela malha encarnada da serra…”

O mar essa infinidade que impõe respeito

Como um deserto imenso

Onde cabe tudo

Até os sonhos e os amores mais difíceis

Porque a tragédia é eminente e cerca-nos

No deserto, como no mar,

É onde avaliamos as nossas forças e as nossas fraquezas

Pois sobreviver ali  

É um dia de cada vez

 

No deserto, como no mar,

Também há amor, também há paixão,

E dada a magna infinidade

De cada um destes lugares

O amor, a paixão, a tragédia

Não conhecem moderação

São estupendas manifestações

Da Alma

E é aí também que ela se revela e brilha eterna!  

    

A truculenta saga de D. Sancho e suas proezas marialvas - 4ª parte - *

004.jpg

* Escrito em Sesimbra em 1990. 

DO OLHAR DE UMA GAIVOTA

Aviso-te ou não da minha chegada a Sesimbra?

 

Mas acabo por suster as reflexões sobre ti

Que me observas do ecrã do computador

Arrebatada pela cor dos meus olhos!

 

Deslizas como uma borboleta

Voando para cima e para baixo sem destino

Olhando unicamente para a flor mais doce

Movendo sempre essas tuas asas

Com que atrais toda a minha atenção

E de coração ao vento   

Anuncias essa dança que só nós sabemos dançar

Tu, no teclado do teu telemóvel,

Movendo esses teus dedos finos e perscrutadores

Que se aventuram a procurar as palavras

Que melhor casam com as minhas

Eu, na página em branco,

Pululada de carateres 

 

 Desde o alto do castelo acabo avistando

Cavalo e burro imobilizados no Forte de Santiago

De cabeça encafuada numa pia de água

 

Mas não vejo D. Sancho e João!

Que estarão fazendo os dois

Na casa que armazena as armas

E dá guarida aos homens que as manejam?

 

E é nesse instante,

Nessa vista de pássaro que o castelo me proporciona

Que olho para a praia

Salpicada de pequenas ondas

Que se desfazem na areia 

E vislumbro um acontecimento extraordinário:

As tuas palavras grafadas na areia

Em letras garrafais

Sulcadas em chão firme e fundo

E é aí que observo

O encadear dessa paixão que há em ti

Expressa nas tuas palavras fortes e sentidas

Desses poemas que se aconchegam junto às ondas do mar

Suaves, silenciosas e meditativas…

Agora, sim, reflito no que os meus sentimentos me acabam dizendo

No espelho frígido que recebe o marcador

Que o irá resplendecer de júbilo

Nas palavras que, ambos, tanto amamos

Ou nas palavras que tanto nos amam a nós dois

Porque eu e tu

E as palavras também

Ficamos aveludados e tristes

 Como os rouxinóis

Quando deixamos de ouvir o lento correr da água do rio

Ou quando deixamos de ouvir o “Kind Of Blue” do Miles Davis

Ou quando escutamos as variações

Em torno de uma qualquer melodia

Do xilofone do Gary Burton!            

A truculenta saga de D. Sancho e suas proezas marialvas - 3ª parte -

003.jpg

Escrito em Sesimbra em 1990.

GASTRONOMIA DE LETRAS

Luz agnóstica que emana do mar

A despeito de uma tal empresa

Levada a eito pelo cavalo e burro

Aparelhados nas suas garupas pelo valente cavaleiro e fiel escudeiro;

Das redes das artes da pesca

Que se estendem na imensidão

Das ruas estreitas

Que  fazem comunicar entre si

As várias facções que existem na vila de Sesimbra

Pescadores de camisas listadas aos quadrados

Emparedados nas casas simples

De cigarro fumegante na mão

Entricheirados nos dias de inverno

No café, tendo, sempre por perto,  Porto ou Moscatel 

Para aduçar a vida

Ali, naquela enseada

Protegida pelas montanhas que circundam a vila

Dos ventos fortes do norte

E sustêm o vento, todo o vento, que sopra do mar

Refugiavam-se já os corsários

hábeis pilhadores dos barcos que navegavam por este mar azul cintilante

Hoje, todas estas almas de piratas que por lá ainda levitam

Acabam por fazer esconder as vontades

Ilustram as evocações que nos podem levar à morte

Praia ácida, de gélidas e cristalinas águas

vizinha da vila

Onde se respira um forte odor a peixe

E vem o sal que nos faz olvidar as dificuldades  

Da vida desse mar

Onde, no passado, reinou o espadarte

E que hoje é esse negro peixe

Quem ali reina

Que, por ser espada,

Bem se adequa ao traje de Don Sancho;

Mas não esqueçam o gigante choco

Que ali se deixa panar

Nessa mistura de sabores

Entre o frito com o mais fresco

Que o mar nos pode oferecer!

harre burrico...olé cavalo

Sigamos a empreitada! 

 

A suculenta saga de D. Sancho e suas proezas marialvas - 2ª parte -

002.jpg

Conto escrito em Sesimbra em 1990.

De Lisboa

“Terra de muitas e desvairadas gentes”

A Santana

Do “campo” e dos “camponeses”

Num ápice se vai

 

De Santana

Se avança por estrada íngreme

Serpenteante sobre o maciço rochoso

Até que se arriba

A Sesimbra vila dos “pexitos”

 

Do campo

Das aves, dos grilos, das rãs

Que nos aguçam a vontade de ali permanecer

Logo derrogada pelo pó das pedreiras circundantes     

Do mar

Que, ao longe, atraí o nosso olhar  

Onde impera a suavidade dos sentidos 

Que nos acalenta a vontade de nos deitarmos

E ouvirmos os cânticos das sereias

Naquele imenso leito azul

 

Nesse tempo, quem evoluísse pela estrada da Falésia

Vislumbrava uma gruta

Moradia de um eremita  

Que vivia numa azáfama permanente 

Como se o seu tempo de vida fosse escasso

 

Deixem-me louvar

As algas

Os jardins que suavizavam o fundo do mar

A areia da Praia da Falésia

Onde incontáveis vezes

Ouvi o Constantino

Não o guardador de vacas e de sonhos

Mas o ilusionista    

Que declamava mil vezes as mesmas histórias

Enroupadas por protagonistas

E contextos diferenciados

De sorriso alegre e franco que nos desarmava

Da criança que ele sempre foi até ao fim dos seus dias!

Mas sigamos D. Sancho e o seu escudeiro João…

 

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