Nesse mural onde se armazenam
As imagens da minha vida
E onde invariavelmente fixo o meu olhar
Nesses castanhos enviesados
Mesclados de cores múltiplas
Mitigadas pelos desenhos harmoniosos
De silhuetas de flores esbranquiçadas
Que me parecem tão irreais
Como os sonhos que se esvanecem
No silêncio da noite
E nessa noite sonâmbula e longa
Solta-se entre mim, Deus e o Diabo
Uma espécie de monólogo
Não sou de solturas
Ouço o Diabo
Mas também não sou de prisões perpétuas
Deus contesta
Mas onde tu, odiado e falso Diabo,
Metes tanta hipocrisia
Tanta falsidade?
Não és tu que ofereces a chama eterna?
E o Diabo burilou a coisa
E saiu-se com a réplica
Sai-me da frente ó bonzinho
Que nojo me metes
Pois acolhes no teu seio
Tamanha padraria
Aves de rapina são
Cegonhas é que não de certezinha
A monda não estava fácil
Para nenhum dos lados
Via, ali, ao contrário do que imaginava
Que nenhuma das partes prevalecia sobre a outra
De argumentário prolixo
Dominado por uma abastada razão
Fiquei desconexo com a pura razão opinativa do Diabo
Sobretudo do Diabo
Não é que de Deus eu tenha grandes referências argumentativas
Não tenho o dom de ter dentro de mim a sua palavra
Mas habituara-me a ouvir reverenciá-lo
Sobretudo por parte de pessoas respeitáveis
Mas do Diabo, deste em particular,
Via-o como uma estiolada entidade
Obcecada em destruir qualquer tipo de crença
Porque o Diabo vive na sombra da fé
E onde esta não pode ou não consegue chegar
O Diabo veste-se da charlatanice mais vulgar
Servindo-se da ignóbil estupidez
Do curandeiro ao bruxo
Do cartomante ao quiromante
E sempre figurando na sombra
Eu, não me ouvia
Não conseguia argumentar
E muito menos contra-argumentar
Que levasse a concordar ou a discordar
Com cada uma das partes
De Deus não conseguia vislumbrar a sua aparência
Nem via à minha frente qualquer silhueta
Que me pudesse dizer é ali que ele está
É ali que ele mora
Via sim uma luz forte mas dispersa
Presumindo que seria ali a fonte da sua força
Mas do Diabo, pelo contrário, era bem visível a sua fisionomia
Embora não o conseguisse nem o quisesse vislumbrar
Por temer que as suas diabruras
Me atingissem
Mas, mesmo assim, conseguia divisar a sua aparência caprina
E era bem verdade que via no seu olhar
Uma semelhança muito forte
Com alguém que me carregou nos braços
Quando eu era criança de colo:
Aquela figura pequenina
Sempre vestida de negro
De olhar trocado e fixo na eternidade
Que não parecia caminhar, mas levitar,
Cuja cintilante iris não nos deixava indiferentes
Pela constante emanação
Abrilhantada de magnânimo brilho
Que nos seduzia imediatamente
E que, citando latim macarrónico,
Não sabia ler
Mas ficou sempre a pairar na minha cabeça
Que este homem esta para o policiai como o Poirrot
Só que da magia negra, da superstição, da crendice
Mas ele é, para mim, indissociável das referências paternas
E ainda hoje pareço ouvir a mãe exclamar:
Ele prometeu levar-te ao São Bento da Porta Aberta
Mas acabaste por não ir!
E é então que desperto
E vejo que tudo não passou de um sonho!
Nas tuas pernas perco-me
Olho-me e não me revejo
Sinto que há em mim um outro olhar
Embevecido e sedutor que desconhecia
De terciopelo exteriorizado
Como se quisesse afagar nessa mirada
Toda a elegância que as tuas pernas contêm
A evocar, vezes sem conta, uma certa vilania
De me trazeres embeiçado
Prisioneiro dos teus desígnios
E não me dando ensejo
A fazer-me voltar à estrada
Que me trará de regresso…
Mas eu quero mesmo regressar?
Nos teus braços sinto toda a tua paixão
Nas tuas mãos sigo essas tuas linhas bem vincadas
Que auguram destino comum
Nesses seios intumescidos
Avalio toda a excitação
Que sentes pela beleza das minhas frases
Da tua boca exalas odores frescos
Que me remetem aos primeiros beijos da adolescência
Dos teus finos lábios, que se colam aos meus,
Avalio a salinidade
Do mar de onde vieste
Sinto bem forte
Essa tua saudade
De querer viver toldada pelo sentimento
Que, desiludida, buscou a solidão
No recolhimento, no despreendimento
Mas, malgré tout, voltou a encarar o entusiasmo pelas palavras
Os opostos no amor: da lua pelo sol…
Mulher que não se submete a uma qualquer evocação
Mas que candidamente aguarda
A junção da palavra com a narrativa
Desse teu ombro, onde me apoiei tantas e tantas vezes,
Resultam inúmeras análises
Que acabo por não saber qual delas devo seguir
De cada um dos ossos que fazem parte da tua coluna vertebral
Tantas vezes percorrida pelas minhas mãos
Nesse leve tatear do pescoço até às nádegas
Em que a tua pele se arrepiava moldada ao desejo
Das breves palavras que iam saindo dentro de mim
E da foz desse rio onde correm os teus fluídos
E para onde vão todos os teus sentidos
Vais oleando o clímax de toda a minha jactância
Dás largas ao teu entusiasmo
De me quereres tão presente na narrativa
Como pode o céu fundir o sol com a lua?
Quando me vejo nas tuas águas
Quando alcanço essa tua vontade
De me diluir no teu corpo
Acabo por sentir um tropeção
Que me sustém a respiração
Afinal, a nossa força são as palavras
O conjunto que cada um de nós
Deixa fluir
Elas são a essência
Que nos mantém amantes da frase
Neste geiser permanente
Que brota vapores escaldantes para o ar que nos rodeia
Afinal, o calor das minhas palavras
Casa com o teu doce vocábulo
Empedernido numa letra que traja calibri
Invariavelmente em fundo negro
Que me atiça ainda e sempre a curiosidade
Afinal,
Quem és tu?
E quando nas fissuras da tua cútis se alinhavavam
Sulcos de curvas e contracurvas
Como se fossem constelações de estrelas
Que na grande noite se gizam no céu estrelado
E quando o desespero te começou a minar
E estava-te a matar aos poucos
Vozes próximas começaram a verbalizar
Uma certa projeção de uma imagem do afogado
Colada à tua esbranquiçada e enrugada pele
Urgia, pois, dar-te a voz amiga
Para te trazer de volta à vida normal
Ressuscitaste
Sim
Ressuscitaste
Lenta e ceticamente
O princípio, que do verbo é,
O teu foi-o na degustação da tua própria pele
Lambendo as feridas homéricas
Que grassavam incontáveis e dolorosas
Logo depois uma pele mais dura e calejada
E não tão sensível como aqueloutra que acabou por te submergir
Começou a formar-se como se fosse uma espessa barba
Avistaste o fundo do mar
E não gostaste de como escuro ele é
Circundado de criaturas monstruosas
Que na gélida correnteza rondam implacáveis
À procura das presas frágeis que se aventuram naquele mundo
Viste o inferno
Tocaste na insana génese do diabo
Quiçá um excesso de entusiasmo nas tuas próprias capacidades
Te tenha alimentado uma narrativa própria
Dada a um tom hiperbólico
Caucionado pela efabulação que os ótimos que te rodeavam
Eram um sinal de que irias conseguir
Mas caíste com rugido
Como uma árvore carcomida
De tronco apodrecido e raízes despegadas da terra
Que tomba de forma vertiginosa e com estrondo no solo
Andaste indiferente
Entumeceste
De ansiolíticos
De tranquilizantes
De barbitúricos
E de outras substâncias
Que o mercado laboratorial se expande e exibe
E, por fim, diluíste em ti
Auxiliado pelos teus
O mal que te afetava
E que estava corporizado
Num conjunto de pessoas
E de contextos sociais e profissionais
Que te havia deixado incontrolável e desesperado
Na senda de uma caminhada
Que acabou por te conduzir a uma perigosa depressão
Porém, voltaste reforçado à vida normal
Ao sorriso, às conversas francas e animadas
Voltaste a ser o mesmo homem
Que vai conseguindo suplantar as chagas que estão lá na tua adolescência
Espero-te na curva, na ladeira, no sopé da montanha, nas dunas
Mas o reencontro faz-se invariavelmente pela voz que se anuncia
Do outro lado do telemóvel
Eu na minha catarse absoluta, curando as minhas feridas
Tu no acelerador constante para não te deixar cair outra vez.
Amargos dias têm sempre um fim
Tu agarraste-te à vida
Outros, menos capacitados,
Agarram-se à morte!
Estas palavras são integralmente dedicadas ao herói que foi integralmente advertido desta publicação. Para ele e para todos os outros que venceram a depressão vai a minha admiração.
Sim…
Far-te-ei a vontade
Dar-te-ei música
Mas juntarei à melodia a esperança
Para rejubilares no deslumbramento
De uma imagem do vinil a cirular
E no seu centro o movimento ondulante
Como se estivesses a contemplar as linhas de uma espiral
E uma agulha milimétrica
Que se afunda nos filamentos mais íntimos
Para deixar estasiados os melómanos
E ouve, ouve
Sonhador inebriado
A suave música de um Nicholas Payton!
Para quem tu escreves?
Para mim?
Para todos nós
Que temos a audácia de te procurar
De te ler
De passear contigo de mão dada
A ouvir poemas
Carregados de palavras densas
Apaixonadas, efusivamente apaixonadas?
Escuto a música que emana da tua pauta negra
E vem-me à mente a epopeia dos sentidos
Que soam dentro de ti
Como um diapasão
No infinito suspirar
De uma vida íntegra e completa
À procura de uma luz
Que te ilumine
Nesta como na outra vida
A música que ouço dentro de ti
Vem dos antípodas do protocolar
Assume-se na improvisação jazzística
Que em torno de uma nota musical
Eleva e baixa o ritmo
E sem olvidar esse jeito especial
Que o jazz tem
De dar voz ao improviso individual
Dos músicos que fazem parte
Do quarteto, sexteto ou septeto
Ou simplesmente de uma Big band
Tão popular nos primórdios do século passado
E desse caderno de argolas de tamanho médio
Onde escrevinhas o esboço das tuas melodias
Donde saem as notas
Que logo as cobres
Da combinação harmoniosa da melodia com o ritmo
Mas dessas linhas solteiras
Que logo se casam com os sentimentos
São deixadas certas palavras arrebatadas
Que funcionam como expressões mágicas
Que te ligam a mim
Mas quando é a hora de passares as tuas notas
Para o ecrã do computador
A razão acaba por prevalecer
E logo enriqueces os teus poemas
Com lindas figuras de estilo
Inteligíveis
Entre nós
Dançarinos da mesma melodia
E que escutamos as mesmas notas musicais
Nós que afanosamente cuidamos da palavra
E que veneramos os sentimentos
Como se ambos fossem um único deus
Ao estilo das religiões orientais
Um deus que necessita ser cuidado, limpo e alimentado
Diferente do nosso deus
Pois ninguém se lembra de deixar comida ao nosso deus
E muito menos lavá-lo
E até se apregoa
- Deus está no céu, na terra em toda a parte…
Até no infinito da linha do horizonte
E o único a quem se pode venerar fisicamente
É a Cristo pendurado na cruz!
Mas espero-te no meio do disco
No dealbar da sétima composição
Ali no meio da areia
Na esteira de uma certa adolescência
Que parecia já perdida
Com todo este descomedimento contemporâneo imediato
E que à força da palavra
Ao arrebatar dos sentimentos
Acaba por dar lugar
A um terno e evocativo
Passeio à beira mar.
Fim de tarde
O sol rubicundo vai-se desvanecendo
Suave e discretamente remete-se ao silêncio
Aproxima-se cada vez do mar
É tempo de se estender no seu leito
Dormir o seu sono justo
Aguardar pelo dia seguinte
E os sucessivos dias
Que ainda tem pela frente
No verão que lhe resta carregado de otimismo
Sobrevem a noite
Escura e fria
Carregada de brumas
Que parecem múmias que se escapam
Das gretas geladas dos fiordes
E o mar que se encrespa e grita
Parece que se nos quer repreender
Por fim enregelados
Abandonamos a praia
Dias festivos que evoco
Nos muitos verões vividos na infância
Calcorreando a areia
Sem sossego
Pra lá
Pra cá
Sem destino certo
Escondendo-me, unicamente,
Ou procurando fazê-lo
Nos inocentes jogos da infância dessa altura
Dias épicos esses
Em que a hora do banho
Era um inestimável acontecimento
Que juntava crianças, pais e avós
Na beira da linha do mar
Com a pele eriçada
Do vento forte que soprava
Invariavelmente do norte:
Era a hora do banho
Incluído nas prescrições médicas
Havia até o “banheiro”
Figura respeitada nas praias
Pescador retirado das artes da pesca
Temerário conhecedor dos segredos das marés
Que pela mão conduzia os banhistas
Como aqueles homens que conduzem os crentes
Que se deslocam ao rio Jordão
Para os batizar nas suas águas sagradas
Desses tempos
O sol não se exibia
Na presença dos veraneantes
Estarrecidos e quedos
Estendidos na areia escaldante
Debaixo de um respeitável e inclemente sol
Hoje,
O verão é
Na imensa narrativa coletiva do grupo
Praia, sol, calor
Que as lança num movimento coletivo
Para sul
E quem observa o areal
Pejado de uma multidão de veraneantes
Vê como única preocupação
Tostar-se
Assar-se
Em nome de um ideal de beleza!
Acabo enrijecido
Neste dealbar do tempo
Que, entretanto,
Passou desde a minha infância até hoje
O mar está lá
A areia condescende na minha presença
O vento do norte permanece forte
As gentes
Não são mais as da minha infância
Até eu mudei
Não sei se para melhor ou pior
Mudei
Sim mudei…
O “banheiro” há muito que se esfumou
Mas o sol avermelhado do final das tardes de verão
Permanece
E no final do dia lá se aproxima do horizonte
E parece que vai ser engolido pelo mar
Como já o era
Nas memórias que guarda da minha infância!
Sem tempo
Malgré tout
Faço por deslizar
Na suave brandura
Da curvatura misteriosa
Que sustenta o braço
Em que me apoio
E que me permite tocar
No que os meus olhos vêm, querem e desejam
Deixo abaular o antebraço
Agito os dedos até ao infinito
Sem vontade de iniciar uma nova peleja
Acabo pegando na Divina Comédia
Folheio-a
Admiro-lhe as incontáveis alegorias
Que ali coexistem
No original manuscrito
No dialeto toscano
Musical e elegante:
- La lingua più bella del mondo !
Como se fosse a minha própria vida
Que Dante estaria vendo na época em que a escreveu?
Terá pensado em descrever todas as alegorias
Que a vida humana pode conter?
Deixou-se, simplesmente, conduzir
Por Virgílio
No percurso entre o Inferno e o purgatório
Por Beatriz
Na rota das têmporas do paraíso terrestre
Por São Bernardo
Que o guiou nas esferas do céu
Beatriz foi a musa
No Paraíso da Terra
Pudesse ele erguê-la
E ficaria, não a Divina Comédia,
Mas a Divina Beatriz
E quem não tem
Na vida uma Beatriz
Não escreve daquela maneira
Tão sólida, inspirada e universal
Dante perseguiu-a
Mas ela distante até ao fim
E a insatisfação
Minou-lhe o desejo
Que passou a demencial
Quimera impossível de alcançar
Que faz do Homem
Predador dos Desejos
Beato dos sonhos
Senhor dos laivos alegóricos
Que nunca se submete
Aos tontos que anunciam que o paraíso é aqui
E não nos compêndios teológicos
E muito menos nas comendas dos livros
Que dizem uma cousa
E querem dizer outra
Mas,
Deste livro imenso
Discorro para a realidade
E deixo verter um desejo
Suplicando:
Cesse tão nefasta solidão
Em que estamos vivendo
A que este vírus indomável
Acabou por nos conduzir!
Mas a mim
Que combato a solidão
Com as tuas palavras em código
Que, com as minhas,
Se tornam num diálogo
Intrincado e difícil de entender
Como se fosse um dialeto que só nós compreendemos
E Deixa-me dizer-te então
Isto que, decerto, todos entenderão
Solidão atroz
Seria deixar de ouvir as tuas belas palavras
Tenho bem a perceção do que elas significam para ti
E imenasmente sei do que elas significam para mim!
Antes que venha a brandura
Antes que venha a satisfação
Deixa-me luzir a tormenta
Que, em certos dias,
Inexplicável e surpreendentemente
Acaba por me visitar
Sem que eu saiba de onde ela vem?
E porque me assola?
Nesses dias de uma certa fúria contida
Não consigo augurar nada
Quase não consigo raciocinar
Um céu pesado, escuro e sem luz
Abate-se sobre a minha cabeça
E se bem que me possa permitir
Uma réstia de existência
Mas nada mais que isso
Como se fosse uma existência inútil
E eu transformado
Num esmerado cumpridor
Das obrigações sociais e profissionais
Mas o esforço que faço para me conter
Deixa-me a sensação que apenas é para isso que tenho viver
Deixar passar as coisas mais comuns e incomuns
Sem que me possa meter de pés e cabeça em nada
Já sei que nesses dias tempestuosos
Vem ao de cima em mim
Um certo caráter sanguinário
A disputa, a análise mais ad hominem
E posso até acabar por me magoar
Acabando por magoar outrem
Lanço-me, então, nas análises mais suaves
De temas mais genéricos
De assuntos que a todos nos tocam
Mas que na minha essência pessoal
Não são os que verdadeiramente me tocam!
Mas tu, alma gémea,
Que danças
Que levitas
Que desejas
Que gostas e amas
Que procuras com as palavras
Alcançar-me
Tocar nas minhas palavras
Que são tuas também
Mulher que és fogo
Exulta
Exalta
Esse poder fatídico
Das tuas chamas
Que se propagam no ar
E depois vêm aqueles dias em tudo te irrita
E vens com palavras simples
Meter a ordem natural nas coisas
Mulher que procuras sempre
Alguma coisa que te empolgue a alma
Mulher que procuras sempre
Palavras que te deixem embriagada
Mesmo que sofras em silêncio
Pelas palavras dele que não chegam como habitualmente
Pelo seu empertigado modo de agir
Ou mesmo pelas palavras dispersas que ele te possa dizer
Que acabem por não te soar a música rítmica e harmoniosa
Mas que apenas são palavras ditas
Por isso
Não esperes
Demasiado dele
Espera sim, de ti,
E dos bichos
Que esses
Não te desiludirão
Com certeza!
Se no passado
Mais ou menos recente
Tínhamos
era imperativo
Que todos fossemos franceses
Hoje
Temos que ser
Todos
JUDEUS!
Será possível
Que a humanidade
Tenha perdido tanto a compostura
Que não se dê conta
Que meia dúzia de fanáticos
Quer mandar no nosso modo de vida?
Quer impor a forma bárbara
Como vê e concebe o mundo?
Judeu és tu
Judeu sou eu
Judeu é ele
Afinal,
Que mal fizeram os judeus ao mundo
Para que tenham que continuar
A expiar uma certa culpa coletiva
De todos os males que há no mundo?
Até estes infelizes e loucos
Acham que são judeus os culpados
Do mal no mundo!
Será que os judesu ainda pagam a fatura
de serem tradicionalmente vistos como o Juda biblico?
Hoje vi umas imagens:
Uns loucos que carregavam armas ao ombro
De barbas, claro,
E trajando uma espécie de saia
Irromperam por um restaurante de comida judaica
E próximo a uma sinagoga
E começaram a disparar
Indiscriminadamente!
Esta gente tão louca
E tão manipulada também
Que anda
Não consegue ver que não estamos em altura
Para ataques terroristas?
Já nem isso conseguem ver!
Precisávamos de concentrar todas as forças
No combate à pandemia
Mas esta gente louca
Não quer saber de pandemia nenhuma
Tudo serve para exteriorizar a sua loucura
Por isso,
Hoje somos
Temos que ser
Todos judeus
Para lutar contra
Tão estranha forma
De nos condicionar a todos…
SHALON!
Jardim
Que floresce na cidade
Solidão derramada
Se apregoa
Se ergue em frente a uma artéria
Classificada de avenida
Com nome da capital helvética
Nevrálgico espaço citadino
Onde passei com profícua solidão
Tempo disponível
Quiçá a esboçar no meu interior
Os poemas que hoje fluem
Com facilidade
Na minha cabeça
Jardim harmonioso e redentor
E tantas foram as vezes
Que percorri
Tão aprazível caminho
Que preencheu uma parte da minha vida
Do meu passado
Evoco-o com saudade já
Que me deliciavam as suas altaneiras árvores
Me encatava o murmúrio dos arbustos
Que me recitavam palavras voluptuosas
Que pareciam preces
E ali me deliciava
Ungido na solidão
Há muito erguida
Como uma barreira
Dedicada à reflexão
E ao ardor da palavra
Jardim
Onde tantas e tantas vezes
Me deixei
Cativar pelas aves
Que numa azáfama
Faziam do lago a sua referência
Até as territoriais gaivotas
Andavam ativas a reclamar o seu espaço
Ali meditei muitas vezes
E a cor da água do lago
Era a íris dos olhos do jardim
As árvores o coração que pulsava
Jardim luxuriante
Circundando o edifício que alberga
Nome tão prestigiado em Portugal
Inúmeras vezes
A joaninha me visitou
A abelha rodopiou circunspeta as minhas orelhas
E não raras vezes o besouro me confidenciou
O que fazia no “Sítio do Pica-pau Amarelo”
Mas naquele jardim levei
Algumas das mulheres da minha vida
Onde, de coração aberto, lhes confessei
As minhas paixões momentâneas
Que das palavras ouviam
A fluir dos meus lábios
Isotéricas verdades
Fugazes episódios de vida
E quando perecer
Entregar-me-ei à terra
Andrajosa e suja
Abundante nos cemitérios
E não deambularei pelas terras e cidades
Que fazem parte do nosso imaginário
O jardim está lá
Permanece intacto
Como o meu passado
De homem de mil lugares
E não de lugar nenhum
E desde criança
Parecia ter um objetivo traçado
Como se fosse um descobridor seiscentista
Embarcado nas frágeis caravelas
Para dar rotas ao mundo!
Na tua pele
Sinto que sou eu
E não tu
Nem sequer mais ninguém
Do teu ditoso coração
Afluem lindos poemas
Que acabam enganando
Quem leve te conheça
Gizo o percurso
Tu mereces essa atenção
Tateio-te no escuro
Bebo desse indelével mel
Que flui do desejo
Dessa tua indomável pele
Roço nesse teu topete esguio
Que acolhe névoa perscrutadora
Olhar alvoroçado e profícuo
Com que sempre me fitas
E cobiças a minha proverbial ossatura
Mas, em ti, coexiste
Um outro olhar preocupante
Amedrontado e lívido
Meditando no vazio
Sempre que mergulhas na solidão
Abre-me essas tuas asas
E deixa-me voar bem alto
Sonhando com esses teus ramos esbeltos
Que te sustentam e exultam
Quando iças esse teu cansado corpo
Acompanhado das mágoas contidas na alma
Subindo
Ou descendo
A longa escadaria
De cada vez que nos reencontramos
Sobe
Sobe
Mulher embeiçada
Que na mão trazes margaridas
E na cabeça esse desejo pueril
De encantar as serpentes
Concedendo-te a pureza agreste
Que não cessará de uivar
Dentro dessa loba que existe em ti
Deixa-me mirar
Esse teu ventre
Que se escapa subtil aos olhares
As tuas coxas bravias
Cobertas por essa interminável meia
Como se fossem uma graça divina
Que embaraça aceder
Nesse longo e atiçado caminho
Que levará a esse recanto
Onde velas essa rosa
Cintilante e aveludada
Que humedece de desejo
Que embevece
Com finos e suaves dedos
Que saibam dedilhar a tua guitarra
Enleva-me nesse teu abraço
Tão delicado e carente
Envolve os teus lábios nos meus
Deixa-me,
Nem que esta seja a última noite,
Tocar nesses botões
Que medram no terraço onde guardas o coração
Permite-me inundar a tua linda flor
Que ruboriza de desejo
Quando te aperto nesse imenso caudal
Em que me deleito
A escutar os teus gemidos profundos
Com que sempre me recebes
Como se fossem a última vez
Mas este vício
De ter ver
E escutar a tua voz
Sempre cuidada e de veludo
Não se abandona assim levemente
Ficou-me como um inesquecível entardecer de sol
É saudade sim que cresce no meu peito
Do tempo ganho
Tendo-te por companhia
Dança minha amiga
Mas só para mim
Dá-me a tua graça
Nesse infindável gesto
Como se bailasses
Uma delicada dança do ventre
Mas só para mim!