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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

UM SONHO APENAS

Nesse mural onde se armazenam

As imagens da minha vida

E onde invariavelmente fixo o meu olhar

Nesses castanhos enviesados

Mesclados de cores múltiplas 

Mitigadas pelos desenhos harmoniosos

De silhuetas de flores esbranquiçadas

Que me parecem tão irreais

Como os sonhos que se esvanecem

No silêncio da noite

 

E nessa noite sonâmbula e longa

Solta-se entre mim, Deus e o Diabo

Uma espécie de monólogo

                                                                                                

Não sou de solturas

Ouço o Diabo

Mas também não sou de prisões perpétuas

Deus contesta

Mas onde tu, odiado e falso Diabo,

Metes tanta hipocrisia

Tanta falsidade?

Não és tu que ofereces a chama eterna?

E o Diabo burilou a coisa

E saiu-se com a réplica

   Sai-me da frente ó bonzinho

Que nojo me metes

Pois acolhes no teu seio

Tamanha padraria

Aves de rapina são

Cegonhas é que não de certezinha

 

A monda não estava fácil

Para nenhum dos lados

Via, ali, ao contrário do que imaginava

Que nenhuma das partes prevalecia sobre a outra

De argumentário prolixo

Dominado por uma abastada razão

 

Fiquei desconexo com a pura razão opinativa do Diabo  

Sobretudo do Diabo 

Não é que de Deus eu tenha grandes referências argumentativas

Não tenho o dom de ter dentro de mim a sua palavra

Mas habituara-me a ouvir reverenciá-lo 

Sobretudo por parte de pessoas respeitáveis

Mas do Diabo, deste em particular,

Via-o como uma estiolada entidade

Obcecada em destruir qualquer tipo de crença

Porque o Diabo vive na sombra da fé

E onde esta não pode ou não consegue chegar

O Diabo veste-se da charlatanice mais vulgar

Servindo-se da ignóbil estupidez

Do curandeiro ao bruxo

Do cartomante ao quiromante     

E sempre figurando na sombra

 

Eu, não me ouvia

Não conseguia argumentar

E muito menos contra-argumentar  

Que levasse a concordar ou a discordar

Com cada uma das partes

 

De Deus não conseguia vislumbrar a sua aparência

Nem via à minha frente qualquer silhueta

Que me pudesse dizer é ali que ele está

É ali que ele mora

 

Via sim uma luz forte  mas dispersa 

Presumindo que seria ali a fonte da sua força

Mas do Diabo, pelo contrário, era bem visível a sua fisionomia

Embora não o conseguisse nem o quisesse vislumbrar 

Por temer que as suas diabruras

Me atingissem

Mas, mesmo assim, conseguia divisar a sua aparência caprina 

E era bem verdade que via no seu olhar

Uma semelhança muito forte

Com alguém que me carregou nos braços

Quando eu era criança de colo:

Aquela figura pequenina

Sempre vestida de negro

De olhar trocado e fixo na eternidade

Que não parecia caminhar, mas levitar, 

Cuja cintilante iris não nos deixava indiferentes

Pela constante emanação 

Abrilhantada de magnânimo brilho

Que nos seduzia imediatamente

E que, citando latim macarrónico,

Não sabia ler 

 

Mas ficou sempre a pairar na minha cabeça

Que este homem esta para o policiai como o Poirrot

 Só que da magia negra, da superstição, da crendice

Mas ele é, para mim, indissociável das referências paternas 

E ainda hoje pareço ouvir a mãe exclamar:

Ele prometeu levar-te ao São Bento da Porta Aberta

Mas acabaste por não ir!

 

E é então que desperto

E vejo que tudo não passou de um sonho!  

  

QUEM ÉS TU?

Nas tuas pernas perco-me 

Olho-me e não me revejo

Sinto que há em mim um outro olhar

Embevecido e sedutor que desconhecia

De terciopelo exteriorizado

Como se quisesse afagar nessa mirada   

Toda a elegância que as tuas pernas contêm     

A evocar, vezes sem conta, uma certa vilania

De me trazeres embeiçado

Prisioneiro dos teus desígnios

E não me dando ensejo

A fazer-me voltar à estrada

Que me trará de regresso…

Mas eu quero mesmo regressar?   

 

Nos teus braços sinto toda a tua paixão

Nas tuas mãos sigo essas tuas linhas bem vincadas

Que auguram destino comum 

Nesses seios intumescidos

Avalio toda a excitação

Que sentes pela beleza das minhas frases   

Da tua boca exalas odores frescos

Que me remetem aos primeiros beijos da adolescência 

Dos teus finos lábios, que se colam aos meus,

Avalio a salinidade

Do mar de onde vieste

  

Sinto bem forte

Essa tua saudade

De querer viver toldada pelo sentimento

Que, desiludida, buscou a solidão  

No recolhimento, no despreendimento 

Mas, malgré tout, voltou a encarar o entusiasmo pelas palavras 

Os opostos no amor: da lua pelo sol…

Mulher que não se submete a uma qualquer evocação

Mas que candidamente aguarda

A junção da palavra com a narrativa

 

Desse teu ombro, onde me apoiei tantas e tantas vezes,

Resultam inúmeras análises

Que acabo por não saber qual delas devo seguir

De cada um dos ossos que fazem parte da tua coluna vertebral

Tantas vezes percorrida pelas minhas mãos   

Nesse leve tatear do pescoço até às nádegas

Em que a tua pele se arrepiava moldada ao desejo   

Das breves palavras que iam saindo dentro de mim

E da foz desse rio onde correm os teus fluídos

E para onde vão todos os teus sentidos

Vais oleando o clímax de toda a minha jactância 

Dás largas ao teu entusiasmo

De me quereres tão presente na narrativa

Como pode o céu fundir o sol com a lua?

 

Quando me vejo nas tuas águas 

Quando alcanço essa tua vontade

De me diluir no teu corpo

Acabo por sentir um tropeção

Que me sustém a respiração

Afinal, a nossa força são as palavras

O conjunto que cada um de nós

Deixa fluir

Elas são a essência

Que nos mantém amantes da frase

Neste geiser permanente

Que brota vapores escaldantes para o ar que nos rodeia  

Afinal, o calor das minhas palavras

Casa com o teu doce vocábulo

Empedernido numa letra que traja calibri

Invariavelmente em fundo negro

Que me atiça ainda e sempre a curiosidade

Afinal,

Quem és tu?

ESTIVESTE PRÓXIMO DAS TEIAS DO DIABO

E quando nas fissuras da tua cútis se alinhavavam

Sulcos de curvas e contracurvas  

Como se fossem constelações de estrelas

Que na grande noite se gizam no céu estrelado

 

E quando o desespero te começou a minar   

E estava-te a matar aos poucos

Vozes próximas começaram a verbalizar  

Uma certa projeção de uma imagem do afogado

Colada à tua esbranquiçada e enrugada pele

 

Urgia, pois, dar-te a voz amiga

Para te trazer de volta à vida normal  

 

Ressuscitaste

Sim

Ressuscitaste

Lenta e ceticamente

 

O princípio, que do verbo é,

O teu foi-o na degustação da tua própria pele  

Lambendo as feridas homéricas

Que grassavam incontáveis e dolorosas   

 

Logo depois uma pele mais dura e calejada

E não tão sensível como aqueloutra que acabou por te submergir

Começou a formar-se como se fosse uma espessa barba

  

Avistaste o fundo do mar

E não gostaste de como escuro ele é

Circundado de criaturas monstruosas

Que na gélida correnteza rondam implacáveis

À procura das presas frágeis que se aventuram naquele mundo

 

Viste o inferno

Tocaste na insana génese do diabo

 

Quiçá um excesso de entusiasmo nas tuas próprias capacidades

Te tenha alimentado uma narrativa própria

Dada a um tom hiperbólico

Caucionado pela efabulação que os ótimos que te rodeavam

Eram um sinal de que irias conseguir

 

Mas caíste com rugido  

Como uma árvore carcomida

De tronco apodrecido e raízes despegadas da terra

Que tomba de forma vertiginosa e com estrondo no solo

 

Andaste indiferente

Entumeceste

De ansiolíticos

De tranquilizantes

De barbitúricos

E de outras substâncias

Que o mercado laboratorial se expande e exibe

E, por fim, diluíste em ti

Auxiliado pelos teus

O mal que te afetava

E que estava corporizado

Num conjunto de pessoas

E de contextos sociais e profissionais

Que te havia deixado incontrolável e desesperado

Na senda de uma caminhada

Que acabou por te conduzir a uma perigosa depressão

 

Porém, voltaste reforçado à vida normal

Ao sorriso, às conversas francas e animadas

Voltaste a ser o mesmo homem

Que vai conseguindo suplantar as chagas que estão lá na tua adolescência      

 

Espero-te na curva, na ladeira, no sopé da montanha, nas dunas

Mas o reencontro faz-se invariavelmente pela voz que se anuncia

Do outro lado do telemóvel

Eu na minha catarse absoluta, curando as minhas feridas

Tu no acelerador constante para não te deixar cair outra vez.

 

Amargos dias têm sempre um fim

Tu agarraste-te à vida

Outros, menos capacitados,

Agarram-se à morte!  

 

 

Estas palavras são integralmente dedicadas ao herói que foi integralmente advertido desta publicação. Para ele e para todos os outros que venceram  a depressão vai a minha admiração. 

   

ESTILOS MUSICAIS

Sim…

Far-te-ei a vontade

Dar-te-ei música

Mas juntarei à melodia a esperança

Para rejubilares no deslumbramento

De uma imagem do vinil a cirular 

E no seu centro o movimento ondulante

Como se estivesses a contemplar as linhas de uma espiral

 

E uma agulha milimétrica

Que se afunda nos filamentos mais íntimos

Para deixar estasiados os melómanos   

E ouve, ouve

Sonhador inebriado

A suave música de um Nicholas Payton!  

 

Para quem tu escreves?

Para mim?

Para todos nós

Que temos a audácia de te procurar

De te ler

De passear contigo de mão dada

A ouvir poemas

Carregados de palavras densas

Apaixonadas, efusivamente apaixonadas?

 

Escuto a música que emana da tua pauta negra

E vem-me à mente a epopeia dos sentidos

Que soam dentro de ti

Como um diapasão

No infinito suspirar

De uma vida íntegra e completa

À procura de uma luz

Que te ilumine

Nesta como na outra vida

 

A música que ouço dentro de ti

Vem dos antípodas do protocolar 

Assume-se na improvisação jazzística

Que em torno de uma nota musical

Eleva e baixa o ritmo

E sem olvidar esse jeito especial

Que o jazz tem

De dar voz ao improviso individual

Dos músicos que fazem parte

Do quarteto, sexteto ou septeto

Ou simplesmente de uma Big band

Tão popular nos primórdios do século passado

 

E desse caderno de argolas de tamanho médio

Onde escrevinhas o esboço das tuas melodias

Donde saem as notas

Que logo as cobres

Da combinação harmoniosa da melodia com o ritmo

 

Mas dessas linhas solteiras

Que logo se casam com os sentimentos  

 São deixadas certas palavras arrebatadas

Que funcionam como expressões mágicas

Que te ligam a mim

Mas quando é a hora de passares as tuas notas

Para o ecrã do computador

A razão acaba por prevalecer

E logo enriqueces os teus poemas

Com lindas figuras de estilo

Inteligíveis

Entre nós

Dançarinos da mesma melodia

E que escutamos as mesmas notas musicais

 

Nós que afanosamente cuidamos da palavra

E que veneramos os sentimentos

Como se ambos fossem um único deus

Ao estilo das religiões orientais

Um deus que necessita ser cuidado, limpo e alimentado

Diferente do nosso deus

Pois ninguém se lembra de deixar comida ao nosso deus

E muito menos lavá-lo

E até se apregoa

- Deus está no céu, na terra em toda a parte…

Até no infinito da linha do horizonte

E o único a quem se pode venerar fisicamente

É a Cristo pendurado na cruz!   

 

Mas espero-te no meio do disco

No dealbar da sétima composição

Ali no meio da areia

Na esteira de uma certa adolescência

Que parecia já perdida   

Com todo este descomedimento contemporâneo imediato

E que à força da palavra

Ao arrebatar dos sentimentos

Acaba por dar lugar

A um terno e evocativo

Passeio à beira mar.   

AOS SUCESSIVOS VERÕES DA MINHA INFÂNCIA

Fim de tarde  

O sol rubicundo vai-se desvanecendo

Suave e discretamente remete-se ao silêncio

Aproxima-se cada vez do mar

É tempo de se estender no seu leito  

 Dormir o seu sono justo

Aguardar pelo dia seguinte

E os sucessivos dias

Que ainda tem pela frente

No verão que lhe resta carregado de otimismo

 

Sobrevem a noite

Escura e fria

Carregada de brumas

Que parecem múmias que se escapam

Das gretas geladas dos fiordes  

E o mar que se encrespa e grita  

Parece que se nos quer repreender     

Por fim enregelados

Abandonamos a praia    

 

Dias festivos que evoco

Nos muitos verões vividos na infância  

Calcorreando a areia

  Sem sossego

Pra lá

Pra cá

Sem destino certo  

Escondendo-me, unicamente,

Ou procurando fazê-lo

Nos inocentes jogos da infância dessa altura  

 

Dias épicos esses

Em que a hora do banho

Era um inestimável acontecimento

Que juntava crianças, pais e avós

Na beira da linha do mar

Com a pele eriçada

Do vento forte que soprava

Invariavelmente do norte:

Era a hora do banho

Incluído nas prescrições médicas  

 

Havia até o “banheiro”

Figura respeitada nas praias

Pescador retirado das artes da pesca  

Temerário conhecedor dos segredos das marés

Que pela mão conduzia os banhistas

Como aqueles homens que conduzem os crentes

Que se deslocam ao rio Jordão

Para os batizar nas suas águas sagradas  

 

Desses tempos

O sol não se exibia  

Na presença dos veraneantes

Estarrecidos e quedos

Estendidos na areia escaldante  

Debaixo de um respeitável e inclemente sol

 

Hoje,

O verão é

Na imensa narrativa coletiva do grupo 

Praia, sol, calor

Que as lança num movimento coletivo

Para sul

 

E quem observa o areal

Pejado de uma multidão de veraneantes   

Vê como única preocupação  

Tostar-se

Assar-se  

Em nome de um ideal de beleza!

 

Acabo enrijecido

Neste dealbar do tempo

Que, entretanto,

Passou desde a minha infância até hoje

O mar está lá

A areia condescende na minha presença   

O vento do norte permanece forte

As gentes

Não são mais as da minha infância

Até eu mudei

Não sei se para melhor ou pior

Mudei

Sim mudei…  

 

O “banheiro” há muito que se esfumou

 

Mas o sol avermelhado do final das tardes de verão

Permanece

E no final do dia lá se aproxima do horizonte

E parece que vai ser engolido pelo mar

Como já o era

Nas memórias que guarda da minha infância!   

TEMPO, OUTRA VEZ, DE RECOLHIMENTO

Sem tempo

Malgré tout

Faço por deslizar  

Na suave brandura

Da curvatura misteriosa

Que sustenta o braço

Em que me apoio

E que me permite tocar

No que os meus olhos vêm, querem e desejam

 

Deixo abaular o antebraço

Agito os dedos até ao infinito

Sem vontade de iniciar uma nova peleja

 

Acabo pegando na Divina Comédia

Folheio-a

Admiro-lhe as incontáveis alegorias

Que ali coexistem   

No original manuscrito

No dialeto toscano

Musical e elegante:

 - La lingua più bella del mondo!

Como se fosse a minha própria vida

 

Que Dante estaria vendo na época em que a escreveu?

Terá pensado em descrever todas as alegorias

Que a vida humana pode conter?

 

Deixou-se, simplesmente, conduzir  

Por Virgílio

No percurso entre o Inferno e o purgatório

Por Beatriz

Na rota das têmporas do paraíso terrestre

Por São Bernardo

Que o guiou nas esferas do céu   

 

Beatriz foi a musa

No Paraíso da Terra

Pudesse ele erguê-la 

E ficaria, não a Divina Comédia,

Mas a Divina Beatriz

E quem não tem  

Na vida uma Beatriz

Não escreve daquela maneira  

Tão sólida, inspirada e universal

 

Dante perseguiu-a

Mas ela distante até ao fim

E a insatisfação

Minou-lhe o desejo     

Que passou a demencial  

Quimera impossível de alcançar

Que faz do Homem

Predador dos Desejos

Beato dos sonhos

Senhor dos laivos alegóricos

Que nunca se submete

Aos tontos que anunciam que o paraíso é aqui

E não nos compêndios teológicos

E muito menos nas comendas dos livros

Que dizem uma cousa

E querem dizer outra

 

Mas,

Deste livro imenso

Discorro para a realidade

E deixo verter um desejo

Suplicando:  

Cesse tão nefasta solidão

Em que estamos vivendo  

A que este vírus indomável

Acabou por nos conduzir! 

 

Mas a mim

Que combato a solidão

Com as tuas palavras em código

Que, com as minhas,

Se tornam num diálogo

Intrincado e difícil de entender  

Como se fosse um dialeto que só nós compreendemos

 

E Deixa-me dizer-te então

Isto que, decerto, todos entenderão

Solidão atroz

Seria deixar de ouvir as tuas belas palavras

Tenho bem a perceção do que elas significam para ti

E imenasmente sei do que elas significam para mim!

 

PELA CALADA DA NOITE

Antes que venha a brandura

Antes que venha a satisfação

Deixa-me luzir a tormenta

Que, em certos dias,

Inexplicável e surpreendentemente

Acaba por me visitar

Sem que eu saiba de onde ela vem?

E porque me assola?

 

Nesses dias de uma certa fúria contida

Não consigo augurar nada

Quase não consigo raciocinar

Um céu pesado, escuro e sem luz

Abate-se sobre a minha cabeça

 

E se bem que me possa permitir

Uma réstia de existência

Mas nada mais que isso

Como se fosse uma existência inútil

E eu transformado

Num esmerado cumpridor

Das obrigações sociais e profissionais

 

Mas o esforço que faço para me conter

Deixa-me a sensação que apenas é para isso que tenho viver

Deixar passar as coisas mais comuns e incomuns

Sem que me possa meter de pés e cabeça em nada

 

Já sei que nesses dias tempestuosos

Vem ao de cima em mim

Um certo caráter sanguinário

A disputa, a análise mais ad hominem

E posso até acabar por me magoar

Acabando por magoar outrem

 

Lanço-me, então, nas análises mais suaves

De temas mais genéricos

De assuntos que a todos nos tocam

Mas que na minha essência pessoal  

Não são os que verdadeiramente me tocam!

 

Mas tu, alma gémea,

Que danças

Que levitas

Que desejas

Que gostas e amas

Que procuras com as palavras

Alcançar-me

Tocar nas minhas palavras

Que são tuas também

Mulher que és fogo

 

Exulta

Exalta

Esse poder fatídico

Das tuas chamas

Que se propagam no ar

 

E depois vêm aqueles dias em tudo te irrita

E vens com palavras simples

Meter a ordem natural nas coisas

 

Mulher que procuras sempre

Alguma coisa que te empolgue a alma

Mulher que procuras sempre

Palavras que te deixem embriagada

Mesmo que sofras em silêncio

Pelas palavras dele que não chegam como habitualmente  

Pelo seu empertigado modo de agir    

Ou mesmo pelas palavras dispersas que ele te possa dizer

Que acabem por não te soar a música rítmica e harmoniosa  

Mas que apenas são palavras ditas

 

Por isso

Não esperes

Demasiado dele

 

Espera sim, de ti,

E dos bichos

Que esses

Não te desiludirão

Com certeza!

 

HOJE SOMOS TODOS JUDEUS

Se no passado

Mais ou menos recente

Tínhamos

 era imperativo

Que todos fossemos franceses

 

Hoje 

Temos que ser

Todos

JUDEUS!

 

Será possível

Que a humanidade

Tenha perdido tanto a compostura

Que não se dê conta

Que meia dúzia de fanáticos  

Quer mandar no nosso modo de vida?

Quer impor a forma bárbara

Como vê e concebe o mundo?

 

Judeu és tu

Judeu sou eu

Judeu é ele

 

Afinal,

Que mal fizeram os judeus ao mundo

Para que tenham que continuar

A expiar uma certa culpa coletiva

De todos os males que há no mundo?

Até estes infelizes e loucos

Acham que são judeus os culpados

Do mal no mundo!

Será que os judesu ainda pagam a fatura

de serem tradicionalmente vistos como o Juda biblico?

 

Hoje vi umas imagens:

Uns loucos que carregavam armas ao ombro

De barbas, claro,

E trajando uma espécie de saia

 

Irromperam por um restaurante de comida judaica

E próximo a uma sinagoga

E começaram a disparar

Indiscriminadamente!

 

Esta gente tão louca

E tão manipulada também  

Que anda

Não consegue ver que não estamos em altura

Para ataques terroristas?

Já nem isso conseguem ver!

 

Precisávamos de concentrar todas as forças

No combate à pandemia

Mas esta gente louca

Não quer saber de pandemia nenhuma

Tudo serve para exteriorizar a sua loucura

 

Por isso,

Hoje somos

Temos que ser

Todos judeus

Para lutar contra

Tão estranha forma

De nos condicionar a todos…

SHALON!

O JARDIM DA GULBENKIAN

Jardim

Que floresce na cidade  

Solidão derramada

Se apregoa  

Se ergue em frente a uma artéria

Classificada de avenida   

Com nome da capital helvética

 

Nevrálgico espaço citadino

Onde passei com profícua solidão  

Tempo disponível

Quiçá a esboçar no meu interior

Os poemas que hoje fluem

Com facilidade

Na minha cabeça

 

Jardim harmonioso e redentor

E tantas foram as vezes

Que percorri

Tão aprazível caminho

Que preencheu uma parte da minha vida

Do meu passado

 

Evoco-o com saudade já 

Que me deliciavam as suas altaneiras árvores

Me encatava o murmúrio dos arbustos

Que me recitavam palavras voluptuosas

Que pareciam preces   

 

E ali me deliciava  

Ungido na solidão

Há muito erguida

Como uma barreira

Dedicada à reflexão

E ao ardor da palavra

 

Jardim

Onde tantas e tantas vezes

Me deixei

Cativar pelas aves

Que numa azáfama

Faziam do lago a sua referência

Até as territoriais gaivotas

Andavam ativas a reclamar o seu espaço 

 

Ali meditei muitas vezes

E a cor da água do lago

Era a íris dos olhos do jardim

As árvores o coração que pulsava

 

Jardim luxuriante

Circundando o edifício que alberga

Nome tão prestigiado em Portugal

 

Inúmeras vezes

A joaninha me visitou   

A abelha rodopiou circunspeta as minhas orelhas

E não raras vezes o besouro me confidenciou  

O que fazia no “Sítio do Pica-pau Amarelo”

 

Mas naquele jardim levei

Algumas das mulheres da minha vida

Onde, de coração aberto, lhes confessei

As minhas paixões momentâneas

Que das palavras ouviam

A fluir dos meus lábios 

Isotéricas verdades

Fugazes episódios de vida 

 

E quando perecer

Entregar-me-ei à terra

Andrajosa e suja

Abundante nos cemitérios

E não deambularei pelas terras e cidades

Que fazem parte do nosso imaginário

 

 O jardim está lá

Permanece intacto    

Como o meu passado

De homem de mil lugares 

E não de lugar nenhum  

E desde criança

Parecia ter um objetivo traçado

Como se fosse um descobridor seiscentista

Embarcado nas frágeis caravelas

Para dar rotas ao mundo!

À TUA EMPOLGANTE DOÇURA

Na tua pele

Sinto que sou eu

E não tu

Nem sequer mais ninguém

 

Do teu ditoso coração

Afluem lindos poemas

Que acabam enganando

Quem leve te conheça

 

Gizo o percurso 

Tu mereces essa atenção  

Tateio-te no escuro

Bebo desse indelével mel 

Que flui do desejo

Dessa tua indomável pele

 

Roço nesse teu topete esguio

Que acolhe névoa perscrutadora

Olhar alvoroçado e profícuo

Com que sempre me fitas

E cobiças a minha proverbial ossatura

 

Mas, em ti, coexiste

Um outro olhar preocupante

Amedrontado e lívido

Meditando no vazio

Sempre que mergulhas na solidão

 

Abre-me essas tuas asas

E deixa-me voar bem alto

Sonhando com esses teus ramos esbeltos

Que te sustentam e exultam

Quando iças esse teu cansado corpo

Acompanhado das mágoas contidas na alma 

Subindo

Ou descendo

A longa escadaria

De cada vez que nos reencontramos 

 

Sobe

Sobe

Mulher embeiçada

Que na mão trazes margaridas

E na cabeça esse desejo pueril

De encantar as serpentes

Concedendo-te a pureza agreste

Que não cessará de uivar

Dentro dessa loba que existe em ti  

 

Deixa-me mirar 

Esse teu ventre

Que se escapa subtil aos olhares 

As tuas coxas bravias   

Cobertas por essa interminável meia

Como se fossem uma graça divina  

Que embaraça aceder 

Nesse longo e atiçado caminho  

Que levará a esse recanto

Onde velas essa rosa

Cintilante e aveludada 

Que humedece de desejo 

Que embevece  

Com finos e suaves dedos

Que saibam dedilhar a tua guitarra

 

Enleva-me nesse teu abraço

Tão delicado e carente

Envolve os teus lábios nos meus

Deixa-me,

Nem que esta seja a última noite,

Tocar nesses botões

Que medram no terraço onde guardas o coração  

Permite-me inundar a tua linda flor

Que ruboriza de desejo

Quando te aperto nesse imenso caudal

Em que me deleito

A escutar os teus gemidos profundos

Com que sempre me recebes  

Como se fossem a última vez

 

Mas este vício

De ter ver

E escutar a tua voz

Sempre cuidada e de veludo 

Não se abandona assim levemente

Ficou-me como um inesquecível entardecer de sol 

É saudade sim que cresce no meu peito  

Do tempo ganho

Tendo-te por companhia

 

Dança minha amiga

Mas só para mim 

Dá-me a tua graça 

Nesse infindável gesto  

Como se bailasses

Uma delicada dança do ventre 

Mas só para mim!   

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