DETALHES DO DIABO
Nesse entorno em que te moves
Podes causar a impressão mais entusiástica
O maior impacto estético
Podes simplesmente recolher
Milhares de “bem-haja”
Podes dormir nesse leito
Coroado de pétalas de rosas
Adocicado pelos sabores dos néctares
Das flores mais doces e coloridas
Aquelas a quem as borboletas não resistem
Beber desse vinho carregado de taninos
Compacto e complexo
Que o palato acaba por descortinar
Podes rolar o vinho na boca
Mastigá-lo até
Mas não podes sequer querer
Que eu seja esse pateta alegre
Que se contenta com a escrita
Autoelogiosa
Quero, pois, marcar o caminho
Mas que seja feito à minha maneira!
Subo e desço escadas
Procuro nos livros mais antigos e sábios
Aqueles onde a possível perfeição
Foi possível alcançar
Toda a sabedoria necessária
Para escrever o texto mais convincente
A frase mais empolgante
Que jamais te deixará livre
Desta minha desalinhada condição
De homem que escreve sobre as suas intimidades
Coisa rara de se ver
Assunto mais propenso de se assistir
Nas “frágeis” mulheres
Que frágeis são apelidas
Mas fortes na titularidade do conteúdo
Procuro diluir as manchas
Que importunam o meu sangue
Que me destroem as células
Que me envenenam os neurónios
Oblitero a mesquinhez
Reconsidero a ousadia
A minha e a dos outros
Rendo-me à palavra
Enorme e avassaladora
Saída de um poema
Que não se deixa jamais
Aprisionar numa vitrina de exposição
E vive solitária por aí
Dentro de cada um de nós
E quantos de nós não temos frases
Que recordamos, que repisamos, que consultamos
Que nos dão o alento para a pequenez do dia-a-dia
E, sem me diabolizar nunca,
Digo sempre que
Os deuses têm voz
Ou pelo menos há por aí uns arautos
Que não se cansam nunca de a dar a conhecer
Mas do diabo, perdoe-se a redundância,
Que diabo,
Acaso
Conheces alguém que o divulgue
Através da palavra
Como fazem com os deuses?
Desde o início que o diabo teve sempre essa peculiar caraterística
De ser agressivo, insinuante, perniciosamente mau, castigador e impostor
Mas, como um pecado original,
O diabo costuma ser a nossa primeira tentação
Mas depressa soçobra
Transformando-se numa imensa repressão
Castração mesmo
Que vigora até hoje
E causadora das maiores perturbações
Ondas gigantes de um mar encrespado
Carregadas de energia desaproveitada
E a praia continua deserta
A areia insana não se deixa apanhar
E alarde vocalizações aglutinadoras inenarráveis
Conchas e moluscos escapam das nossas mãos
Como escorregadias e sinuosas enguias
As imagens apresentam-se deterioradas
Mas não deixam de ser belas e de impressionar
Todas se apresentam exageradamente alongadas
Como se fossem hipérboles literárias
E gelatinosas
Como as caravelas-portuguesas
Mas perante o meu olhar cedem, acabam caindo
E dengosas e moles as imagens
Deixam-me a impressão:
De compulsão
De esquecimento
De neurose
Tão difíceis de barrar, de aniquilar
E soçobra a magma ideia
Do esquecimento,
Do trauma
Da infância
Da sexualidade
Mas o diabo
Esse irremediável malandro
Mesmo sem um pregador cerimonioso de serviço
Vai continuar por aí
Pelo menos
Nas nossas cabeças!