BENEVOLENTE DÚVIDA
Abro-a ou não?
Questão dicotómica
Que me convoca
E se instala em mim
Acaba intensificando-se
Atravessa-me e vai ao meu âmago
Impõe-se àquilo que é a minha própria vontade
Isto no dia em que, finalmente, a consegui ter à minha frente
Encaro-a
Estudo-a
Ponho-me a admirar
As formas acentuadamente arredondadas
Naquela mística anca
Que robustece o interesse nela
Na fulgurante bunda
Que silencia quem a mira demoradamente
E mirifica o desejo de possuir aquilo
Que os meus olhos
Os meus desejos
A minha fulgurante excitação
Me pedem com tanto vigor
Paulatinamente,
Vou-me distraindo
E acabo fixando-me no seu rótulo
De cores azuladas e de ar nobre
Snobe
De aspeto centenário
Credível
E apetecido
Quantos homens foram necessários
Para produzir o que eu agora
Em escassos minutos
Poderei desfazer?
Eu, esse zé-ninguém sem vintém,
Que facilmente poderá usufruir
Dos laudatórios predicados de que tanto se fala!
Mas,
Continuo nessa observação minuciosa
Que, antes mesmo de a dar por finda,
Me deixa exaurido
Depauperado
Confinado na minha trincheira
Por fim, regresso ao rótulo
E é aí que me concentro nas caraterísticas
Que os criadores descrevem ao pormenor
Desde logo,
Os taninos fortes e bem presentes
Que definem as suas caraterísticas
E falam
Em aveludado
Em sabores a baunilha e frutos silvestres…
Ah que vontade tenho de possuí-la?
Assim, num ápice,
Que toda ela me invada
Me boxeie
Me boulevard
E possa fazer parte de mim
Penetre no meu porto de abrigo
Desatravanque as minhas defesas
Liberte a minha língua
Aligeire-a
Acabe enrolando-a
Os olhos húmidos e brilhantes
Em que a íris esverdeada
Acabe impactante
Como as folhas no início das colheitas
Mas continuo muito interessado em abri-la
Atiro-me à procura da peça que a abrirá
E me permita provar daquela faustosa bebida
Para uns, digna do Baco
Para outros, digna de Vénus!
Encho-me de coragem
E vou por ali adiante
Sou consequente
E teimoso, claro…
Acabo de copo de vinho tinto na mão
A minha paixão
E ela, claro, a meu lado
Pedindo um beijo dos meus
A minha vida por ela
A minha glória ao lado dela
E vós que tendes sílabas soltinhas
Ou que, em silêncios,
Vos dais a conhecer ao mundo
Vinde para junto de mim
Juntemo-nos nessa comunidade
Que vive
Dessa erva
Desse aroma
Dessa paixão
Que é a escrita
Na bela companhia
De um copo de vinho tinto na mão
E vão ver que o paraíso
Que teólogos das várias confissões
À milénios nos andam a acenar
Está bem perto de nós
Não acham?