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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

MOSAICO DE IMAGENS

Fazer ecoar a minha voz

Levando-a

Arrastando-a mesmo 

Até esse manto incomensurável  

Da densa neblina que se abate sob a costa

Para falar com os meus botões com o mar

 

Mas,

Sem o conseguir avistar

Ouvindo-o somente   

Imagino-o  

Nesse turbilhão contíguo à linha da costa

Onde a têmpera lhe ferve 

Daquela linha esbranquiçada    

Que é possível avistar ao longe

 

E é nessa água salgada

Que mensuro a força demoníaca

Contidas nas suas águas

Que tudo engolem e tudo tragam

 

Até do espesso leito de um rio

Que no seu trajeto

Da nascente até ao mar

Se revela tão relevante a sua ação

Nos vários teatros por onde vai passando

O mar faz

Desse rio adocicado

Sua água  

De pura salinidade

Naquele efervescente caldo

Que arrasa

Quem se lhe atravessa na frente

 

O mar, este mar, é um titã

Ingénuo, naife,

Mas demolidor quando provocado     

 

Venerar os meus gritos

Que ecoam 

Por entre as brumas das serranias circundantes

Ou se atolam na planície trigueira 

 

Mas,

Como me deleito no olhar que lanço

Que não esconde a minha proveniência

E não escolhe a sua preferência

Cidade?

Não, cidade não é o meu bem

Não lhe sinto  

Reflexão

Não lhe vejo

Orgulho

Não lhe descortino

Entusiasmo

Não observo  

Veneração

E muito menos

O orgasmo visual

Que só emerge  

Quando avisto a natureza esplendorosa

Em toda a sua dimensão

Num simples olhar!

 

A cidade alberga pessoas

Que vivem em bancarrota afetiva

Na distância

Na frieza

Entre elas

Que as remete para a escrita

Que se vai revelando nos inúmeros murais

Que nos revelam as alvas cores dos ecrâs dos computadores 

 

Nas cidades não há

O verde acetinado dos bosques

O castanho rubicundo do por do sol dos campos dos cereais

O azul resplandecente do mar que reflete o céu vigoroso e limpo

Aquela mistura de odores que nos remete para o ventre materno

    

No campo, no mar, enfim, na natureza,

Há uma colossal grandeza

Cheia de maturidade e carisma

Que se assume eterna

E é nela que guardamos

As nossas intermináveis pinturas

 Que guarnecem a nossa memória

E só se apagam

Na hora da nossa morte…

 

 

 

 

NA ANTECÂMARA DA SOLIDÃO

Sentir o brilho dos teus olhos  

Aproximar-me ainda mais  

Visioná-los

Tão robustos e cintilantes

 

Descortinar as cores luminosas

Que deles cintilam   

Como se fossem um lindo arco-íris

A beber água de um riacho próximo

Como me haviam dito em criança

 

Teu perfume intrigante

De mulher entorpecida

Hibernada  

Ferida na sua alma

À deriva

Nesse mar encrespado de contraditórios sentimentos

Que, lentamente, se vai adensando sobre mim   

Fragrância adocicada e permanente

Remetem-me para uma meticulosa construção

Como se fosse uma peça de fina porcelana

De mulher maviosa

De voz envolvente

Que se alimenta de carícias

 

E eu não me canso de a evocar

Mesmo que o tenha de fazer

Recorrendo às suas próprias palavras

Murmuradas numa espécie de confessionário

Aonde me confidenciou  

Entre dentes e timidamente…

 

Mas, eu quero mesmo é imaginar-te

Nessa tua intimíssima massagem  

De olhos cerrados e topete escanzelado

Na entrada da gruta

Com essa varinha de condão

 A tatear moderada e cautelosamente

Essa caverna escura e seca

Mas que já foi o orgulho dele     

 

Mas,

Experiente giesta

Dançarina voluptuosa

Que se maneia ao de leve

Sob o compasso do vento

Inebriada pelas quimeras

Enlevada pelas recordações

Tão vitais como únicas  

 

Quedar-te-ás  

A emulsionar a esbranquiçada água do mar

Que tanto desejas

Tão bem conheces

Te delicias

E tanto prazer te deu

Mas,

Coito subitamente interrompido

Quando o mar irrompeu medonho

Flibusteiro

Opaco e acinzentado  

Querendo apenas penetrar-te

E sem querer escutar a tua voz

De raiva e de asco

Perante a traição!    

  

   

 

ARREBATADOS

Nessa Grandeza que anuncias ao mundo

Acabas inspirando-me

Com elegante sumptuosidade  

Do imenso caleidoscópio

Que me vais dando a conhecer

Desse teu interior

Cada vez mais arrebatado

Humano

Imensamente emotivo

E sentimental  

 

Paisagem que se exibe a nossos pés 

Desde esse mamelão

Onde,

De mão dada,

Recuperamos o cansaço

Da íngreme subida

Que sabíamos nos conduziria

Ao jardim do Éden!

 

Silenciados pela excelência

Da vista de pássaro

Que nos é dado a contemplar    

Desse leito verde que parece universal  

Onde ambos nos deitamos

Deliciados

Naquele púlpito

Onde, aos poucos,

Vamos dizendo

Tudo o que sentimos

Um ao outro

 

 As aves esvoaçando

Aparentemente sem sentido

Dão-nos o seu testemunho   

As ervas mais ou menos daninhas

Que ouvem as nossas preces

São observadoras deste nosso Amor

 

 

Sentados nos penedos  

Que ali são trono de realeza

Onde são recebidos estes dois príncipes do Amor

  Que só ali se podem comunicar

Como dois amantes clandestinos  

 

Mas,

O suposto diálogo

Afinal não passa de um sonho

Pois não conseguem dizer nada um ao outro

Acordam sobressaltados   

E cada um deles já lá não está

 

E o sol

Desesperado que todos os dias

Ali vai recrudescendo

Nessa tímida luzinha longínqua

Que vai aumentando progressivamente  

E acaba iluminando os rostos radiosos dos dois

Que ali montaram

Edificaram

Um monumento

À grandeza da nobre Paixão

 

Ambas criaturas boas

Nobres e sensíveis

Afastados longinquamente na vida real

Parecem ausentes um do outro

Mas ativamente espirituosos

E estimulados   

Ao que um e outro vai produzindo

Mas tão perto

Na combinação das palavras

Para compor a dança das frases

Que se vão emoldurando

Em cada uma das páginas do Livro

 

Só eles,

Verdadeiramente,

Só mesmo cada um deles

Sabe o que uma simples vírgula atrevida

Pode significar

Mesmo que pareça 

Errónea

Corrosiva

Cruel

Aterradora

Pode até, enfim, perecer

Numa escorreita leitura

Mas os dois saberão sempre

O que ali vai

Só os dois

E lembrar-se-ão,

Muitas vezes,

Da neblina

Que repousa nas montanhas circundantes

Do amanhecer que é sempre tão esperançoso

 

Mas o sol, o sol, cingir-se-á a nascer  

Pendurar-se-á no céu

E acabará caindo sob a montanha

Antagónica à que o viu nascer

 

Mas que fofa vegetação

Onde poderíamos deitar a profundidade dos nossos sentimentos?

Não vês que era mesmo ali que o poderíamos fazer?

Não sentes que é ali que nos podíamos deitar

Naquele remanso eterno

A ouvir, mesmo que seja por breves instantes,

Os lamentos, que tanto gostas, do vento?

 

Mas essa tua fé

Nesse Deus monolítico

A que recorrentemente oras

Deixa-me circunspeto

E acabo tendo alguma inveja

Pois como gostaria de ter

Tão inabalável e virtuosa Fé

Como a que expões garbosa, assertiva e assaz orgulhosa

Nessas páginas do teu livro!

 

 

ESTRELA VIOLÁCEA

Ter-te

Só para mim

Avassaladora e penetrante  

Imagem

Simplesmente imagem

Apenas isso

 

Olhar ao longe

Vislumbrar

Esse vestido

Em tons violetas  

Que trajas

Ajustado ao corpo

 

A tua própria pele

Acoletada

De tons arroxeados  

 

Indagar as tuas adiposidades

Reverenciar as linhas eróticas

Postular os sinais que pululam o teu corpo

Caminhar pelos bosques que te rodeiam   

Dotados de ervas odoríficas

Mesclados de árvores frondosas

A cor e os odores que se misturam

Excedente que perpassa para os sentidos      

À espera do canto solitário e único do cuco

Que soa esperançoso e penetrante

Vem de longe e anuncia a primavera

 

Perscrutar as reentrâncias e saliências que há em ti

Como se fosses a acidentada linha costeira

Fustigada pelos ventos

Corroída pela fúria do mar

Que guarda os segredos

Da partida das caravelas

Que ao mar se faziam  

Para espalhar a fé e engordar o Reino

De belas e exóticas possessões

Que nos encherão de brilho nos séculos vindouros

Uma espécie de ereção coletiva 

Que, inesperadamente,

Foi interrompida

E feneceu de modo trágico para alguns

Na segunda metade do século XX

 

Chamo-te

Ao mesmo tempo que apresso o meu passo

 Procuro chegar-me a ti

Acompanhar-te nesse teu caminhar

Indolente

Livre

Sonhador

Fantasista

Erótico

 

Mas não sou capaz de te alcançar

Parece que quanto mais corro

Mais me distancio de ti

Acabo rendido ao vestido que trajas

Objeto do meu desejo

 

Transpirado

Faço uma paragem  

Tento recuperar forças

Ouço a água que corre de um declive próximo  

Aproximo-me

Colho gotículas de água

E salpico-as sobre o meu corpo

 

Retomo o olhar

E vejo a esfinge violeta imóvel

À mesma distância de quando me imobilizei

 

Deparo-me com a surpresa

Não consigo alcançar a imagem

Mesmo correndo

Fustigando-me

Vejo-a apenas como se fosse

Uma estrela a brilhar no firmamento

E no exato instante

Em que a quero agarrar

Já lá não está

 

Afinal, a cor violeta do vestido

Conduz-me à reflexão

Me atazana e confunde

Fico-me, enfim, pela sensação que nada sei

 

Acaba permanecendo a imagem

Silenciosa, brilhante e solitária

Pouco terrena

Nada real

Que dela emana

Antes,

Cobiça dos homens

Que a querem ter

Atraídos pelo brilho cintilante

Que erradia permanentemente

Mas não suportam o seu caráter fugidio e forte

Que repele quem não lhe quer bem

E os homens

Apenas querem o bem de si próprios!

 

PENETRANDO NESSES OLHOS AMENDOADOS

Hoje

Amanhã

Estarás por aí?

 

Rosas azuis 

Cães verdes

Momentos raiados de vermelho de paz

Alegria sorridente

Nos recônditos desertos polares  

Paradoxos, enfim,

Que me torturam

Que ferem o meu coração

Mas que acabam por me ajudar a suportar

A tua inclemente e dolorosa ausência 

 

Já não sinto os ventos a soprar

Carregados dessa tua maresia sedutora

Que me refrescavam as faces

Que me pacificavam esta alma judia

Que nem consigo próprio se reconcilia

 

 Não me alongarei na brandura das dunas junto à praia

Não teimarei em te procurar

Pois vejo que estás ausente

Mas isso não significa que passarás sem me ler

Mesmo que o faças nessa visita tão madrugadora

E acabes por me ler

Em palavras grafadas na areia dura e húmida junto ao mar

 

Mas não ocultarás a tua presença em mim

Buscarás textos antigos

Meus e teus

Que para nós são mágicos

Pois só nós sabemos o seu real significado

O que ali simboliza e representa

Cada letra, cada palavra, cada frase e cada poema

Em escritos carregados de palavras

Que se vão vestindo

Em roupagens que vão girando nas asas de cada frase

 

E até a pontuação serve, por vezes,

Para dissimular a ideia que lhe está subjacente

Mas tu lá saberás, melhor que eu,

Quando e como regressarás ao convívio

 

Da minha parte, já decidi

Prefiro ter-te, mesmo que seja nesta sinecura online

Do que não te ter coisíssima nenhuma

E ficar condensada a tua presença

Aos meros textos que pertencem já ao passado

 

E não, não consigo esquecer

A primeira vez em que surgiste num turbilhão

Como se fosses um cometa no escuro da noite

Que me caiu em cima da cabeça

 

Desde esse dia

Cozo cada palavra, na manta que vou elaborando

E tudo para que te possa respingar

Nessas tuas vestes de poeta alada

Que nunca se dá por vencida

Que fala de coisas comuns da sua vida

E transforma-as em declarações de amor

Ao próximo

Ao ambiente

Ao mar celestial que em ti é recorrente e bem presente

E até o brilho das ondas

Que vais vislumbrando

Desde a janela da tua casa

Te permite enrolar os teus pensamentos

E acabar bem longe dali

Cismando nas palavras que virão por aí

Salteadas

Enfileiradas

Arroxeadas

Azuladas

Ou simplesmente palavras apenas

Que te trarão, outra vez,

  A ouvir esse bansuri 

Que piedoso, hindu

Que discorre letra a letra

Por ali adiante

Como se fosse uma escritura sagrada

Na companhia da envolvente tabla

Que simboliza a batida do teu coração! 

 

ALMA SEM PÁTRIA

Mourejado coração

Esmerado em conter-se

 

Acabo descobrindo esse teu íntimo fantasista

Engalanado pelo olhar

Atrevido

Enternecido

Orvalhado

Por onde vão rolando 

Pequenas gotículas 

Que darão cor e alento

Às flores circundantes

Que se misturam no mosaico ajardinado

Da erva rebelde que cresce sem destino

Ao musgo que cresce na íngreme encosta  

Tufos de cabelo viçoso esverdeado  

 

Afinal,

De que te queixas?

De que te lamentas?

Tu que pareces ter tudo para seres feliz?  

 

Mas a felicidade não se constrói

Numa alma como a tua

Que se esconde 

Como um iceberg

Submergido pelas águas frias do mar

 

Alma ferida

Dorida

Nostálgica

De um passado sem retorno 

 

Mas,

Almejado desejo que se assoma

Nessa tua intimidade   

Acaba se difundindo

Como se fosse voz propagada pelo eco

E passa a ser vontade:

Olhar as intimidades mais esconsas 

 

Mas podias transpirar

Excitar-te na contemplação e na entrega 

Podias, por fim, fazer zorrar essas tuas águas

Que matam a sede a esse jardim

Luxurioso e fofo de odores fortes e ácidos

Deixar que esse líquido fluísse livremente

Até que eu sentisse essa tua liberdade

 

Mas, felicidade efémera

Voltarias a suspirar

Por ele

Por mim

Por outro

Quem sabe por quem?

Porque se pensas que tens pátria

Não…não a tens

Não pertences a lado nenhum!

 A tua pátria desmoronou-se

Há muitos anos atrás

No instante em que partiu

Aquele por quem continuas a suspirar

 E esperas um dia reencontrá-lo   

 

Essa é a tua condição

A tua consciência

Com que terás que viver!

 

 

AS PALAVRAS QUE AMO

Com os papéis desalinhados

Jazendo em cima da secretária

Alguns onde vou alinhavando algumas ideias

Reais ou fantasiosas

Aguardo que algo mágico

Me faça acender o interruptor da luz

Que me iluminará

A descobrir a passagem

Para a outra margem do rio

 

Sei que, mesmo naquela correnteza da água do rio,

Pisarei as pedras

Que emergem sob a superfície da água

E, sem me molhar,

Chegarei onde me propus chegar

À outra margem

 

Mas, uma vez chegado,

Ao outro lado

Não descansarei

Enquanto não me sentar

No dorso de um falcão  

E, em voo picado,

Rasante e mirabolante,

Mirarei para o infinito

E vislumbrarei a paisagem de puro encantamento

Como ela se apresenta vista de cima

Mas impossível de capturar

Pela máquina fotográfica

Mas pela memória

 

Mas,

Vendo o falcão apenas preocupado com as suas presas

Passo, de imediato,

Para o dorso de uma cegonha

Mas esta não se atem demasiado

Ao regozijo de uma visão

Nem a ser montada por mim  

Esta, preocupa-se com o tempo

Inquieta-se com a prole que terá que deixar 

E por isso mira a altivez de uma velha chaminé

De uma antiga fábrica abandonada

Para contruir o seu ninho

Nessa planície deserta, silenciosa, calma e terna

Não muito distante de terrenos alagadiços

Onde poderá se alimentar facilmente

 

Acabo agitado na alma 

Vendo a cegonha

Semanas e semanas sentado no ninho

Perene a contemplar 

A largueza e o alcance

Que a vista da planície lhe concede

Mas eu sei que esse não é

Nem nunca será

O seu principal propósito

 

A cada instante

Volto-me para os papéis e questiono-os:

- Que fazem vocês aqui?

- Porque não dizem nada?

 

Mas eles não respondem

Também não questionam

Mudos como sempre estão  

Sofridos e humedecidos

Estendidos e silenciosos

Com a aparência de um idoso

Atacado pelo reumático

Com a memória desvanecida

 

Eu decifro-os bem

Conheço-lhes as suas manhas

E o que cada palavra significa

Mas eles não me conseguem decifrar

Nem consegue ler o meu interior  

 

Palavras escritas à mão

Restos de quimeras

Muitas ilusões e fantasias  

Que me ajudam a sufragar

Este meu desejo de pintar quadros

Do que a realidade me apresenta

Dando-lhe um toque impressionista

Uma forma arrojada, empedernida ou empolgante

 De olhar o mundo

 

Visto-me e saio dessa quietude

Dissipo essa vontade latente

Que me desassossega

Que me ilude

Que me convence

Que me estimula  

E que não se contém encerrada

Na escuridão do interior da minha caixa craniana

 

A luz do candeeiro incide sobre as letras do meu teclado

Cada uma delas desponta perante o meu olhar

Mas, olhando-as individualmente,

Acabam por não me causar nenhum tipo de sentimento

Apenas, olhando-as ao longe, desde cima,

Dão-me uma dimensão estética impressionante

O de uma parada militar

Impecavelmente alinhada

 

As letras

Ali presentes afiguram-se imprescindíveis 

Mas só por si não bastam

É preciso, é urgente, é imperioso ordená-las  

Para que elas produzam

A força

O sentimento

A suavidade

A sonoridade

Da música

Saída do dedilhar

De uma simples guitarra!

  

 

DETALHES DO DIABO

Nesse entorno em que te moves

Podes causar a impressão mais entusiástica

O maior impacto estético

Podes simplesmente recolher

Milhares de “bem-haja”

 

Podes dormir nesse leito

Coroado de pétalas de rosas

Adocicado pelos sabores dos néctares

Das flores mais doces e coloridas

Aquelas a quem as borboletas não resistem  

Beber desse vinho carregado de taninos

Compacto e complexo

Que o palato acaba por descortinar

Podes rolar o vinho na boca

Mastigá-lo até

Mas não podes sequer querer

Que eu seja esse pateta alegre

Que se contenta com a escrita

Autoelogiosa

Quero, pois, marcar o caminho

Mas que seja feito à minha maneira!

 

Subo e desço escadas

Procuro nos livros mais antigos e sábios

Aqueles onde a possível perfeição

Foi possível alcançar

Toda a sabedoria necessária

Para escrever o texto mais convincente

A frase mais empolgante

Que jamais te deixará livre

Desta minha desalinhada condição

De homem que escreve sobre as suas intimidades

Coisa rara de se ver

Assunto mais propenso de se assistir

Nas “frágeis” mulheres

Que frágeis são apelidas

Mas fortes na titularidade do conteúdo

 

Procuro diluir as manchas

Que importunam o meu sangue

Que me destroem as células

Que me envenenam os neurónios

Oblitero a mesquinhez

Reconsidero a ousadia

A minha e a dos outros

Rendo-me à palavra

Enorme e avassaladora 

Saída de um poema

Que não se deixa jamais

Aprisionar numa vitrina de exposição

E vive solitária por aí

Dentro de cada um de nós

E quantos de nós não temos frases

Que recordamos, que repisamos, que consultamos

Que nos dão o alento para a pequenez do dia-a-dia

 

E, sem me diabolizar nunca,

Digo sempre que

Os deuses têm voz

Ou pelo menos há por aí uns arautos 

Que não se cansam nunca de a dar a conhecer

 

Mas do diabo, perdoe-se a redundância,

Que diabo,

Acaso

Conheces alguém que o divulgue

Através da palavra

Como fazem com os deuses?

 

Desde o início que o diabo teve sempre essa peculiar caraterística

De ser agressivo, insinuante, perniciosamente mau, castigador e impostor  

Mas, como um pecado original,

O diabo costuma ser a nossa primeira tentação    

Mas depressa soçobra

Transformando-se numa imensa repressão

Castração mesmo

Que vigora até hoje

E causadora das maiores perturbações

 

Ondas gigantes de um mar encrespado

Carregadas de energia desaproveitada

E a praia continua deserta

A areia insana não se deixa apanhar

E alarde vocalizações aglutinadoras inenarráveis   

Conchas e moluscos escapam das nossas mãos

Como escorregadias e sinuosas enguias

As imagens apresentam-se deterioradas

Mas não deixam de ser belas e de impressionar  

Todas se apresentam exageradamente alongadas

Como se fossem hipérboles literárias 

E gelatinosas

Como as caravelas-portuguesas 

Mas perante o meu olhar cedem, acabam caindo

E dengosas e moles as imagens

Deixam-me a impressão:

De compulsão

De esquecimento

De neurose

Tão difíceis de barrar, de aniquilar

  E soçobra a magma ideia

Do esquecimento,

Do trauma

Da infância

Da sexualidade

 

Mas o diabo

Esse irremediável malandro

Mesmo sem um pregador cerimonioso de serviço

Vai continuar por aí

Pelo menos

Nas nossas cabeças! 

AO OLIMPICO SUL

 

Veneranda vastidão

 A enxergar, a contemplar

A infindável planície

 

Plantas amofinadas

Terra seca acinzentada

Que parece tisnada 

 

Magna planície

Aqui e ali suavizada    

Por majestosos chaparros

Que por estas paragens são monarcas!

 

Para ti cantando sempre

Nessa polifonia de vozes

Em que intervêm

O ponto

O alto

E, invariavelmente, o coro

 

Que interpreta

O cante que simboliza a estrutura coletiva

Que contraria o individualismo

Única maneira para combater 

Tamanha dureza de vida

 

Roupas negras trajando

Rolam pela calçada

O cante que lhes saí da alma

Que soa pelas potentes gargantas

De homens sérios e honrados

Envoltos nesse olhar terno

Respeitoso

Já quase sem esperança

Perfilados

Marchando sincopadamente  

Como se fosse uma suposta frente

Evoluindo na planície

À procura do seu íntimo legado

 

Cordas vocais afinadas  

Em que perpassam

Estruturas musicais muçulmanas

Ritmos gregorianos

Ou simplesmente

A alma genuína desse povo

Que foi sabendo resistir às sucessivas secas 

Ao isolamento

Enganando a fome

Com o multifacetado pão

O abençoado azeite

E as ervas que sempre crescem na planície

Alimentadas pelas chuvas que vão caindo no inverno

 

Sem rogar nada a ninguém

Vivem na sua altivez estrutural   

Apenas a mão direita

Se assume submissa

Colhendo o chapéu

Executando a vénia

A quem por eles passa

Que nos demanda  

Tamanha ousadia

 

Alentejo

Grandeza portuguesa

Que se vê do firmamento 

De linhas retilíneas

 

Alentejo

Que vai evoluindo

Vai crescendo

Para o destino desértico

Que se assume como profético

Mas Alentejo

Puro

De forte odor a terra

Árido, selvagem

Alentejo

Em paz   

 

A multiculturalidade portuguesa

Desaparecerá

Se fenecer de vez

O Alentejo!    

EDUARDO LOURENÇO

Choram as fragas eruptivas

Flamejam as faces rosadas do Eduardo

Lamentam-se os choupos

Predizem as falas profundas do Lourenço 

 

Debata-se a terra negra e árdua

Vizinha, tão vizinha, desses penhascos altivos

Num exercício frontal

E tudo para receber esses ossos cansados

Que descansarão no eterno

Das letras com que pejaste vida tão cheia  

 

E, em vão,

O vento soprará agreste e subversivo

Sobre as tuas palavras

Gizará caminhos novos para novos filosofares

Pois,

Portugal precisa tanto de ti

 

Vestem-se as cabras com o seu traje de gala

Tocam os sinos a rebate

Elogiosos, declamativos

Naquelas palavras com que tu costuravas sempre a frase

Para anunciar o dia em que resolveste desistir

De ti e dos outros

Do vazio que não se define em palavras

 

Expressam as flores as suas máximas condolências

Agora que já cá não te têm para as cheirares

E levitam já no ar lamentando a tua ausência

 

Ouço na longínqua memória

Essas tuas palavras prenhes e sibilantes

Que assinalam a rudeza da tua origem

Mas como elas se assumem cada vez mais sábias

Afinal, o saber, o conhecimento, vem da serra

Das fraldas das serranias que anunciam a muralha lusitana

Mas os teus pensamentos

Vêm de muito longe

De terras distantes e maduras

Eles são a voz pura da portugalidade

 

Desde Pessoa que não se ouvia voz

Tão resoluta

Afirmativa

Sábia

Erudita

Sobre Portugal, os portugueses

E a sua incessante busca identitária

 

Nas ervas crescerá essa tua essência

E como já sinto esse odor místico das tuas palavras

Até as flores já se lamentam da tua partida

 

Até os famintos lobos uivam

Saudosos já da tua ausência 

Os faunos que se passeiam pelos bosques

Tocam flauta

Tentam olvidar a tua desistência

Até o seco Viriato se lamenta da tua partida  

Portugal só sobreviverá

Com o legado imenso que deixaste atrás de ti

 

Mas…Eduardo…chegou a hora da despedida

E eu não vejo a hora, nem as palavras exatas

De apropriadamente, me despedir de ti

Por isso, dá-me essa tua face rosada

Deixa-me beijar a genuína sabedoria

 

Portugal ficará

Imensamente mais pobre

Com a tua partida

Para essa terra, como dizias,

De nada

Nem de ninguém!  

 

Com a devida vénia, curvo-me perante tal figura!

 

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