O RAPAZ PEDE-ME
Pedes-me rapaz
E ainda bem que me pedes
Que manuseie
Que lateralize
Que descreva
De voz potente
Angulosa
E maviosa
Esse Cherne
Senhor das profundezas
Da escuridão
Dos silêncios
Da sofreguidão
Que tudo engole
E que acaba triplicando
Essa sua barriga de Buda feliz!
O Cherne é repelente
E qualquer derivação discursiva
Que o queira tornar apetitoso
Acaba destinada ao fracasso
O Cherne prefere ensopar
Suas potentes mandíbulas
Na doce e gelatinosa Lula
Que o segue incansável
Qual soldado Chveik
Nesse sempre passeio noturno
Em que os dois se aferram
Munidos de violão
Papel e lápis
E pauta musical
Para escrever em conjunto
A próxima melodia!
Agarras-te ao filão de ouro
Com que manuseias
O despautério mais exótico
Para abocanhar
Tudo o que se mova
Nas redondezas
Levantando suspeitas
Dessa tua dúbia sexualidade
Mais castradora
Do que afirmativa
Anfíbio caçador
Que vai construindo
Uma panóplia de conquistas
E de que não se conhece uma em concreto
A Lula vive na sombra do Cherne
Alimenta-se das suas migalhas
Vive das águas que ele repele para nadar
Sorve os seus dejetos
Como se fossem curiosidades gastronómicas
E que desempoeirada
Relata, incansável, as laudatórias narrativas
Do Cherne
Como se ele fosse
Um desses monarcas conquistadores
Porém,
A única conquista que se conhece do Cherne
Foi ter guerreado
Certa vez
Com a burocracia
Com as vielas kafkianas
Das leis e de procedimentos
E foi aí que,
Revoltado,
Irrompeu de violão
E testa lavada
E versou sobre a sua condição
E a Lula escreveu mais umas páginas
Heroicas do Cherne
Narrava assim a Lula
Nesse dia, do ano da graça…
“Semião
Cherne engalanado
Quem te disse que não és Deus?
Quem te anunciou que não és a luz dos fariseus
Semião
Pega na charrua e lavra essa terra dura
Que não há fome
Que não dê em fartura!”