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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

O CARDO

RUMO A BIZÂNCIO

Este país não é para velhos. Jovens
Abraçados, pássaros que nas árvores cantam
– Essas gerações moribundas –
Cascatas de salmões, mares de cavalas,
Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão
Tudo quanto se engendra, nasce e morre.
Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam
Os monumentos de intemporal saber…

W.B. Yeats

 

 

O que te posso dizer?

Se já não fazes parte da minha vida…

Podes querer, fazer, executar, empreender

Entrar, sub-reptícia,

Para indagar o que eu faço

Penetrar no que eu penso

Tentar confundir-me

E reentrar na minha vida

 

Mas não vês que eu mudei?

Mudei tanto que para mim

Tu és agora uma impetrante

Que desafia

E desfia

O passado

E eu, como sempre,

A pensar no futuro!

 

Não basta dizeres, exclamares

Ou norteares-te 

Por palavras fortes

Um tom dramático

Acentuado e pujante de sentimentos 

Com aquele ardor

Dos aficionados da Festa Brava

Ou como um romance que respira

Pelos seus múltiplos poros

Para destilar a dimensão trágica 

Da narrativa

 

Esse teu manto imperial que envergas

Ajustado às tuas formas corporais

Donde sobressai esse teu erotismo flamejante 

Que se assemelha ao roupão

Que os poetas envergavam no século XIX

Parece-me uma catedral gótica:

Que nos exalta

Quando a contemplamos por fora

Que nos entorpece os sentidos

Quando a vemos por dentro

E remete-nos ao silêncio

À contemporização

A sorver todas aquelas linhas

E acaba por nos demandar:  

Absolvendo todos os pecados da humanidade  

Quando vemos essa tua inimputável loucura!  

 

Os teus excessos

As tuas venturas

Esse teu sentir na intimidade

A tua audácia

A tua pertinácia

De quem

Tudo quer

E não,

O pouco fracionado,

 

Esse teu sentir

Único e tão avassalador 

É como o desespero do náufrago  

É como o vigor da palmeira

Que cresce até no meio das areias longínquas   

E foi essa força

Tão animalesca

Que me acabou afastando em definitivo de ti

 

De repente, e sem que nada o fizesse prever,

Mas tu, sempre foste tão imprevisível,

Quer no amor, quer no ódio,

Encetaste uma tímida tentativa

Como se fosse mero gesto involuntário

 

E então, suave e subtil,

Almejas reincidir

Entrar na minha vida

Com aquele teu jeito titubeante

Mas só na aparência

Porque em ti nada é oscilante

 

Quero apenas de ti

Conservar as memórias

Que me bastam para me afastar de ti   

 

Cardo

Como sempre assumiste ser

Capaz de resistir em qualquer latitude

Na terra mais pobre

No clima mas impetuoso

No meio de uma fresta nas rochas

 

Cardo

Mesmo na solidão

Mostra-se exuberante

Nos seus tons lilás, brancos, azulados ou amarelados

Mesmo rodeado de espinhos

 

Mas há sempre uma abelha

Que contempla o Cardo

E que sorve, amena e voluptuosa,    

Os seus néctares

 

E naquele instante

Uma abelha acaba pousando no Cardo

Deleitada naquele seu leito real

Protegida pela sua guarda pretoriana:

Os espinhos…     

Que são o que de ti guardo

Como a memória mais viva!      

PENSO EM TI

SEGREDO

Não contes do meu

Vestido

Que tiro pela cabeça

 

Nem que corro os

Cortinados

Para uma sombra mais espessa

 

Deixa que feche o

Anel

Em redor do teu pescoço

Com as minhas longas

Pernas

E a sombra do meu poço

 

Não contes do meu

Novelo

Nem da roca de fiar

 

Nem o que faço

Com eles

A fim de te ouvir gritar

Maria Teresa Horta

 

 

Nesse coxim onde repousa

A tua alcochoada e esbelta cabeleira,

Eu por cima e tu por baixo,

Percorro astutamente

As traves do teu corpo

E alcanço as sombras esquecidas

Das mãos que por ali passaram

 

Deixo-me enlevar pelos teus lábios

Sedosos, húmidos e dourados na noite,

Reflexos da lua a incidir

No remanso das águas calmas do lago

Que me fazem sentir um anfíbio

 

Roço as minhas mãos

Pelos teus seios

Que se entumecem endurecidos

 

Lanço a minha língua

Ao de leve

Ondulando, bailando mesmo,  

Acabando

por chupar o néctar das tuas rosas

 

A minha mão direita acaba

Por se esquecer do esquecimento

E lança-se sôfrega na direção da tua vulva   

Afagando o teu clitóris que se ri

Do meu arrojo

 

E tu nesse carpir de odalisca  

Gritas

Acabas

Ensopando as pontas dos meus dedos

 

E é nesse instante que me empurras

Te açambarcas do meu corpo

Esfregas as tuas mãos na minha pele eriçada

E palmilhas vagarosa

Até que alcanças terreno desejado

 

Pôs as tuas mãos bem posicionadas

Em cima do meu pénis

Que se sente tão atraído neste jogo de sedução

Como o jogador pelas cartas

 

Agita-lo para cima e para baixo

Até que te colocas em cima de mim

Abres as tuas longas pernas

Endureces as tuas coxas

E, como por mágica,

Fazes desaparecer o meu pénis

 

Leves movimentos

Em cima de mim

Que depressa te fazem aguçar o entusiasmo

E te fazem agitar,

Sem parar,

Os movimentos acentuadamente

Para cima e para baixo

 

Trejeitos do teu rosto

Fazem-me perceber

Como curtes o prazer

 

Eu

Em posição de supina

Sigo com o olhar

Todas as tuas interjeições de prazer!

 

E tu,

Como caudal de rio que não cessa,

Vais-te sucedendo em múltiplas consumações

Que me vão fazendo cravar

Ainda mais

Nas profundezas

Até que alcanço a plenitude do teu ventre

E é aí

Nesse reencontro com a sombra do teu poço

Que faço derramar todo o meu esperma

Que não cessa jamais

E que acaba tingindo 

A brancura desse teu rio interior

Que me recebeu…

 

E um último e longo beijo

Nos acode

Ao cansaço que sobrevém

Que é enorme

E único

 

E é nesse remanso

A dormitar e a saborear

O sexo

Que cerramos os olhos

Para restabelecermos as nossas forças

 

E voltamos outra vez

A cavalgar

Eu por cima

E tu por baixo

Ou tu por cima

E eu por baixo

 

Para voltarmos a ser felizes

 

E eu, fixando-me nessas tuas longas pernas

Que se penduram nos meus ombros

E tu, desejando as minhas fragâncias,

Procurando com avidez esse meu prolongamento

Que ora se exibe garboso, ora se entristece e se esconde,

 

Roço-me no teu musgo

Onde me deito

Evoco-o saudoso

Sempre que penso em ti!

 

 

BALADA DO ENGANO

Balada para as três mulheres do sabonete Araxá

As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam.

Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!

O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

Que outros, não eu, a pedra cortem

Para brutais vos adorarem,

Ó brancaranas azedas,

Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata

Ou celestes africanas:

Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!

São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do sabonete Araxá?

São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?

São as três Marias?

Meu Deus, serão as três Marias?

A mais nua é doirada borboleta.

Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava.

Mas se a terceira morresse… Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim!

Se me perguntassem: queres ser estrela? Queres ser rei? Queres

Uma ilha no Pacífico? Um bangalô em Copacabana?

Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá:

O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

Manuel Bandeira

 

 

 

Sofro,

Sofro,

Por ti

Por mim

 

As tuas mãos

Tremem

Suam

Agitam-se

Só de o evocares

 

Agita-se o teu coração

Macerado na evocação da saudade

Desse amor incomensurável

Que ficou ateado,

Algures lá atrás,

Que te vai perseguindo

Como a obsessão de um viciado

Na clareza dos dias de sol

Nos pardos dias de neblinas 

No fusco da noite interminável

Quando não consegues dormir  

 

Esse,

A quem persegues,

Ou pelo menos a ideia dele,

Foi o único homem

Que não era um

Mas,

Como as Marias,

Três em simultâneo

 

Ficou paralisado, endeusado

Como se fosse uma montra

Retido

Nos três planos

 

Como o sabonete

Dessa caixa

Que apregoava ao mundo

As qualidades do grande sabonete

Que eram também os predicados das três Marias  

Nessa cidade com nome meio indígena: Araxá

 

Sofro,

Sofro,

Por ti

Por mim

 

Sofro por todos aqueles que sofrem

Pelas três mulheres

Homenageadas pelo poeta

 

Sofro pelos homens e mulheres que sofrem

Mas sofro muitíssimo

Pelo homem que se esfumou da tua vida

Mas rejubilo pelo homem

Que se mantém inatacável na tua memória

E que, recorrentemente, o evocas   

Como esfinge desafiante

Para te entender

Entendendo-me

 

Mas Araxá,

Essa longínqua cidade

Em que os tupi guaranis

Dizem que é onde se avista o sol,

Pergunto pelas três Marias  

E Dizem-me

Que não as conhecem

Nem nunca ouviram falar do sabonete

Ah… poeta como te enganas,

(será?) 

E como enganas os outros!

 

Fazes das figuras reais

Fantasias

E das fantasias

Homens e mulheres mais que reais! 

 

 

 

 

 

ALGAR

NEM TENHO PAZ NEM COMO FAZER GUERRA

Nem tenho paz nem como fazer guerra,

Espero e temo e a arder gelo me faço,

Voo acima do céu e jazo em terra,

E nada agarro e todo o mundo abraço.

Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,

Nem por seu me retém nem solta o laço,

E não me mata Amor, nem me desferra,

Nem me quer vivo ou fora de embaraço.

Vejo sem olhos, sem ter língua grito,

Anseio por morrer, peço socorro,

Amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,

Nutro-me em dor, rio a chorar aflito,

Despraz-me por igual se vivo ou morro.

Neste estado, Senhora, estou por vós.

Francesco Petrarca

 

 

Sem querer saber quem és

Mas, rendido a essa tua força,

Que transparece no vigor das tuas palavras,

Vejo-te aparentemente imóvel

Mas com o coração aberto e arfante

A dizer ao mundo

O que te vai na alma!

 

Rendilhado e assombrado

Pelas tuas palavras ousadas e fortes

Que ora são confissões das tuas fraquezas

Ora são manifestações desse teu caráter granítico

 

Trazes essa intimidade mais recôndita

Nesse sufoco tão bem guardado

Que se faz ouvir sempre que chega a Primavera

São imagens de rosas que se atravessam no olhar

Odores florais que percorrem os sentidos

 

Caminho árduo e solitário

Que te impuseste a ti própria

Um ermo erguido numa colina

Que íngreme se eleva

Trilho estreito, empedrado e difícil,      

Foi assim que quiseste conceber o teu mundo

 

Mas tens o pulsar telúrico dentro de ti

O passado, a história,

A tua história,

Que não te abandona

As bátegas de água que se ouvem

Caídas da cascata

O fio condutor dos canais feitos em granito

Onde se faz ouvir um indelével som

Quase silencioso e muito suave

Da água pura e gélida

A percorrer todos os cantos da tua infância

 

Tens esses mitos celtas

Esse gosto pela natureza

Árvores verdes enormes

Que não te deixam nunca

E as aves que parecem voar até ao paraíso

Salmões que sobem os rios

Para prosseguir o seu ciclo de vida

E tu, sacerdotisa,

Dessa divindade que é a Natureza

Enlevas-te com esse teu manto real

E andas de castelo em castelo

À espera de encontrar esse rei destemido

Sem terra e sem reino

Que vive por entre

As frias neblinas

Guardiãs de todos os lagos 

 

Mas nesse caráter sanguinário  

Sempre pronta a assumir guerras

Até contigo própria

Esconde-se a tua fragilidade

Que não te dá descanso

E por isso,

Ora te dás ao mundo entusiasmada,

Ora te escondes nesse casulo que construíste

E tudo não passa de um subterfúgio

Para se escapares à força dos afetos;

Mas, como sabes,

Vive-se ou morre-se

Dos afetos

 

Mas quero-te, apesar de tudo, mesmo assim como és

Mergulhada nesse mar tempestuoso e encrespado

Onde crias as fantasias

Te envolves nesses teus mistérios

Que te dão a força dessa tua existência

Que ora se mostra volúvel  

Ou ávida por um simples tatear da pele

Que logo se eriça

Mas, logo de seguida,

Explode esse vulcão

Que vive na intimidade do teu algar

Que não deixa ninguém tocar-te!

 

Mas podes dizer tudo,

Mas tudo mesmo;

Ninguém espera

Que saia desse teu interior em ebulição  

Anjos e querubins, nem mesmo diabos,

Tu que mostras a tua alma

(Ora é fria, ora é quente, 

Sempre excessiva

E a que a ninguém é indiferente) 

Sabes que tudo o que de ti emerge

Te será perdoado!

 

FRAGÂNCIA DE LUZ

PARECE TÃO GENTIL, TÃO RECATADA, 

Minha senhora quando alguém saúda,

Que toda a língua treme e fica muda

E olhá-la até seria ideia ousada.

Quando ela passa, ouvindo-se louvada,

Benignamente a humildade a escuda,

Tal uma cousa que do céu acuda

À terra, por milagre revelada.

Tal graça ao coração de quem na mira

Está pelos olhos uma doçura a pôr

Que não pode entender quem a não prove;

E dos lábios parece que se move

Um espírito suave e só de amor

Que vai dizendo à alma assim: Suspira.

Dante Alighieri

 

 

Pudesse eu ter-te dentro de mim

Para me assombrar pela tua luz

Que vai fulminando os espaços vazios

Onde a escuridão se esconde

 

Semeias ideias desassombradas

Que nestes instantes de vida que vivemos

São a esperança do regresso das andorinhas na Primavera

E não me canso de pensar em ti

De te admirar

De exclamar

De sentir a pele eriçada

Quando leio a soltura dessas sílabas

Do cuidado que pões nas tuas palavras tão arrumadas

E na fé inabalável que vive dentro de ti

Esse titã que é o teu Deus protetor

 

Nesse manto de cetim

Amanheces,

Envolta na alvura dessa tua mente,

E sonhas, ainda, porque os teus sonhos são imensos e retemperadores

É com os sonhos que os milagres em ti se realizam

E é pensando neles que segues sempre em frente

Porque mesmo os impossíveis

Depois de sonhados

Podem ser vividos com empolgamento!

 

Eu na minha suavidade e doçura

Aparto-me das multidões panegíricas  

Que esfuziam frases laudatórias

Como os velhos amantes moldavam palavras nos troncos das árvores

Porque assim sentem a sua importância    

Acham que contribuem para o nascimento de uma Estrela

Mas a estrela, a existir, está dentro de ti, está dentro de mim,

E não nos buracos negros de umas palavras de circunstância!

 

A pior solidão

É aquela que sentimos

Quando estamos rodeados de uma turba

Que profere exclamações encomiásticas

E que nunca nos dizem a verdade

Sentimo-nos como os velhos monarcas

Ou os saudosos imperadores romanos

Que viviam rodeados de luxos

Mas longe da realidade

 

Mas a luz que me iluminou

Cegou-me

Nesta caminhada onde acompanhei

Os teus passos sincopados  

Ouvi o som da tua flauta

As palavras ditas,

Cada uma delas,

Como se cada uma delas

Representasse aquele apelo dramático

Da sirene de um farol

Em dias de intenso nevoeiro   

Dirigida aos barcos lá longe

Que navegam perdidos

Chicoteados pela força das ondas

 

Mas um dia ousarei

E ousado serei

Para que a minha ousadia

Ouse alcançar o atrevimento

 

Nesse dia serei outra vez o feixe de luz

E tu voltarás a ser a energia que me sustenta!   

DEIXA-ME

Só o Verão acalma o meu coração,

Por vezes agitado, por vezes calmo,

Por vezes lasso, por vezes folgado,   

Que necessita de um desfibrilhador

 

Só a ideia do verão

Acalma a fúria que sinto

Pelo luto interminável

 

Longe ainda o Verão

Que sucederá a este Inverno trágico

Sinto-me como um eunuco

No interior de um harém

Repleto de mulheres 

 

Só a ideia do Verão me faz aplainar o voo

Que, pelo meio da tempestade,

Me parece interminável,

E acabe me conduzindo até a uma altitude  

Onde consiga, por fim, vislumbrar o sol

 

Mas devaneio-me no meio do trivialismo

Antes que o meu coração ceda à pulsação mais histriónica

E me faça falar do que não devo

E mastigar e engolir do que devo falar

 

Querem-me fazer engolir as mais doces iguarias

As misturas mais exóticas de sabores

Os vegetais mais tenros que “parecem” carne

Como os perseguidos “frades”

Colhidos debaixo dos imponentes carvalhos e castanheiros  

Mas, a “monte” ando eu, andas tu, andamos todos,

Ansiosos à espera da chegada do dia D

Que nos libertará dos terrores que estamos a viver

Que nos fazem sentir tão pequeninos e assaz frágeis

 

Mas onde poderei encontrar-te Verão?

Se de ti vejo apenas folhas rendilhadas de um calendário

Imagens de um sol radioso que me ajuda a estimular os neurónios

Ou lamentos do meu passado

Onde ouço os ecos dos miúdos

Que nadavam nas águas do velho rio

 

E à hora dos lanches da praia

Onde, por momentos, se viam apenas a caminhar no areal

Os que não nada tinham para comer

E as horas do banho que nunca mais chegavam

Primeiro após o almoço

Depois após o lanche

E nós petizes sem entendermos

Estes “caprichos” dos mais velhos

Lá nos contentávamos com a frugal molha de pés…

E, por vezes, a onda nos surpreendia

Traiçoeira e galopante

Acabava, quase, nos engolindo  

E molhava os nossos maillots

 

Mas foi num desses dias de um dos verões

Onde pela primeira vez

Te desejei tanto

Foi nesse Verão que me confessei

E elaborei tantos poemas de amor

Que me exultei tanto

Que acabei arrebatado 

 

E ainda hoje

Recordo-me dos tremores que senti

Quando te dirigi a palavra

Pela primeira vez!

 

Mas deixaste-me

E eu deixei-te

Porque um amor assim

Não é real

Um amor assim

É um sonho interminável

Que não acaba jamais

E eu prefiro viver na eternidade do sonho

Do que viver na fugaz realidade

De um amor que,

Mais uma vez,

Se escapa célere

Por entre os dedos das mãos!  

 

DO ALTO DA MINHA CEPA

Olha em frente

Ao lado

Para atrás

 

E mesmo que só amanhã olhes,

Para ver com atenção,

Não te resumas ao óbvio

Fixa-te bem por uma única vez

Como se fosse a última

Para que nada te esqueça

 

Rir para quê?

Para te enganares a ti próprio?

Para te deixares aparelhar pela boçalidade?

Ou para não te esqueceres que rir

É mesmo o melhor remédio…

Por isso ri

Porque quando ris  

Quebras o gelo

Sulcas a terra mais dura

Adubas o solo mais difícil

Levas água ao deserto

Deixas a terra bafienta e insuportável

Recolhes a âncora

E fazes-te ao mar

 

Navegas nas águas salgadas

Que te dão a verdadeira dimensão da vida

Enquanto ris

Espantas a semiótica mais enfadonha

Enquanto ris

Atreves-te a fugir à morte

 

Olhar o mar do promontório mais longínquo

Lamber o sal das rochas

Engolir as algas

Que te apagarão a sede

O peixe estremecido que rebola

E exibe seus lombos prateados

Que não me canso de contemplar  

 

Sentir o iodo presente  

No ar que respiro

Que parece libertar-se

Naquelas bátegas do mar

Que chocam com violência no paredão

 

Sentir os odores de um lanche de Verão na praia

Reviver de olhar saudoso

Todos os verões da minha inocência

 

Sentir que o sol me queimava

Enquanto olhava pelas serranias circundantes

De quando andava de calções

E tinha tantas ambições

Pela vida que se estiraçava à minha frente

 

Mas, apesar de tudo,

Não me abandones

Não me deixes só

 

Recordações juvenis

Que me arribam

Quando a chuva e o frio me assola

Remetendo-me prostrado a um canto

 

No esplendor do Alto da Galafura

Cravo este meu olhar no rio oleado

De tons esverdeados

Sabores acinzentados

Que desliza irrepreensível e silencioso

Pelo meio de uma fenda

Aberta entre duas formosas colinas  

 

Deixo-me enfeitiçar

Pelas palavras do poeta

Que ali teve uma epifania

De arrebatamento

Ali descreveu uma esplendorosa visão do paraíso:

“Um poema geológico”

Descrevendo o trabalho árduo do homem

Que gizou o sonho

E plantou tanta vinha ao correr das serras

E acabou transformando aquela paisagem

Em “Beleza Absoluta”!

 

 

A OUTRA MÃO

IMG_20210123_123218 (1).jpg

A mão que, ufana, busca

O crepúsculo das palavras

Enfileiradas

Como se fossem soldadinhos de chumbo

De um desfile militar enegrecido

Assinalado por minúsculas esferas

Que parecem estrelas a brilhar no firmamento

 

Mas as palavras buscam adormecer-me

Embalado pela chuva que cai em frente à tua casa

Aos melros e rolas que disputam os mesmos lugares

Aos lamentos que saem dentro de ti

Nesse primeiro café da manhã

 

Orbito, sem nada fazer,

Sem nada tentar,

Esvoaço por ali adiante

À espera de te ver  

De alcançar esse teu coração

Guardado para mim

Desses dois seres que há séculos

Tão bem se conhecem

Que embalam junto às suas janelas

Há procura um do outro

 

Mas chove

E a mão elegante se encolhe

Pontuada por pequenos cabelos entrincheirados

 Que já foram alourados

E aquele minúsculo sinal 

Que é como a minha marca

O meu diamante que me enfeita a minha mão

E onde estiveres, essa mão seguir-te-á,

Na praceta, nos campos de ervas,

Ou junto às flores que balançam solitárias no meu jardim

Titãs que não se conhecem

Mas que se amam

 

E o vento que sopra suave na manhã

O café que saboreias devagar

E a saudade que grita

Pela mão que embala as letras

E os dedos longos que são

De cada uma das letras

 

E diz-me que regressas

Mas regressas mesmo

Para o leito seguro

Mas não queres tu

Cambiar o seguro pelo inseguro

Não queres tu orbitar

Junto a uma luz que te guie?

 

Essa fé indomável que tens

É a mesma fé que te faz acreditar

No amor das palavras

Nessa crença que, todas as manhãs,

Lá estarei eu

Lá estarás tu

A sorver cada novo canteiro

Que todos os dias

Cada um de nós planta?

 

Por mais manhãs que se desenrolem lá fora

Por mais pássaros que adejem

Por mais corvos que avistes

Nessa, ou noutra manhã,

Desejarás avistar-me nesse céu

Em trânsito

Onde nos conhecemos

 

E eu silenciado

Saro as minhas feridas

Nesse meu orgulho

Que é tanto de heroico

Como de demencial!

 

Afinal, desperta ou a dormir

Tu és a outra mão

Que falta naquele corpo

Que se esconde e que completa

Cada uma das nossas vidas

 

É possível, é possível

Amar as palavras

Desejar as mãos

Que se escondem

Por trás das sílabas?

 

 

 

ABRO-ME NUM BREVE INSTANTE

 

Vão-se as pétalas

Acabam caindo as folhas

Fica a flor

Despida

Cintilante, alegre e perspicaz!

 

Ninguém lhe tira

O brilho intenso de um simples olhar

 

A abelha esvoaça em círculos

Observando todas as lindas flores

Que se abrem ao mundo 

 

Acaba pousando 

Naquela linda flor que escolheu

Para extrair o néctar

Com que fará o mel mais puro

 

As abelhas

Que, como eu, vivem

Radiosas, empolgadas e apaixonadas pelo que fazem;

 

Mas eu, ao contrário,

É na solidão que saro as minhas feridas

E é aí que acabo evocando gratas recordações:

Espanha,

De muito bom vento…

Casamento?

Não cheguei a provar…

FUTURO TÃO DESEJADO

ORAÇÃO LITÂNICA 

A manhã já nasceu.

Assobé afasta de nós todas as dores,

Todos os males,

Todas as desgraças.

Assobé, faz com que cheguemos a casa, felizes.

PIGMEUS - ÁFRICA EQUATORIAL

 

 

Néscio campo de ervas

Que crescem espontâneas

 

Cães maduros que farejam o odor da carne

 

Borboletas peregrinas

Que esvoaçam ao encontro dos néctares

Que elas intuem como os mais saborosos

Que se escondem nas flores mais coloridas   

 

Homens que aguardam pelo favónio

Que lhes dará a indelével raça  

Dos deuses

 

Uma ficção que não esmorece nem se atormenta

E mostra-se tão real como a saudade

 

A paz imperial tarda em voltar

 

Nem os cavalos regressam 

Ao reino de Ricardo III

 

Nem as três mulheres

Do sabonete de Araxá

Me hipnotizam já

 

O reino despido

Árvores nuas e feridas

Ramos que roçam uns nos outros

 

Não sei se mais alguma vez verei luz

Do azul que abria os meus horizontes 

Do verde que me animava

Do laranja do sol ao deitar 

Agora vejo tudo negro avermelhado

 

Já nem os azuis sardões

Poderei admirá-los

Quando o sol vier

Apenas as víboras

Aguardam por esse verão que, todavia, não chega

 

E as águias imperiais

Lá do alto

Que guardam os céus

Atraem os olhares

Das gentes que ali vão para as ver

Das apavoradas aves

Que não sabem o que dizer

Porque já nem os homens as protegem

 

Mas algo me diz

Que não poderás atormentar-te eternamente

E virá o dia

Em que voltarás a ouvir os melros

Com as suas flautas mágicas

Escutarás os rouxinóis

Em incansáveis melodias

A chamar por ti

Como os sinos chamam as almas

 

E os rios pululados

Por aqueles odores

Adocicados, anisados

Entrarão numa luzidia manhã

Carregados de bogas e de trutas

E encher-te-ão

A mesa de iguarias

 

E o vinho tinto a escorrer pelas gargantas

O desejo, outra vez, que o verão não acabe jamais

E não vejo a hora que esse tempo chegue

 

Ouve-me

Ouve-me apenas

Por enquanto...

 

 

 

 

 

 

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