O PRIMEIRO DO ANO
Dedos longos, que tudo o é em mim,
Buscam, ávidos, as teclas
Vislumbro na neve esbranquiçada do fundo do ecrã
Palavras sincopadas que, como um jogo de xadrez,
Se vão encaixando sucessivamente umas nas outras
No início, reina apenas o verbo
Que se escuta no interior de cada um de nós
À medida que evoluo no meio da neve
Que caí vagarosa e no silêncio da noite
As palavras vão saindo
O branco e o silêncio pontuado pelas palavras
Assemelham-se a um rasto de um ruminante
Que busca indelével
Uma dessas plantas resistentes
Que emergem na fina camada de neve
Que se foi acumulando no solo
Vou caminhando e deixo o rasto das palavras
Que se tornam pequenos pontículos que vão preenchendo
A paisagem alva que se anuncia a meus olhos
De repente, vislumbro a alvura da paisagem
Antes lisa e harmoniosa
Repleta de um exuberante rasto
Que se parece com o de uma manada
Que por ali passou
Só que desta vez o silêncio
Que parecia eternizado na noite longa e fria
É interrompido pela longa marcha das renas
Que, embrutecidas, e ávidas por novos pastos
Derrubam árvores
Sulcam a neve, expõem a nu a frágil camada branca
Que, confusa e intermitente,
Se satisfaz com a promessa de um novo dia que advirá
Mas os olhos estão para além da razão
Eles acompanham o coração que quer sempre mais
Aspira alcançar o paraíso
Tocar em todos os sinos
Que se erguem em cada um dos campanários
E ouvir cada um deles
Como se fosse um carrilhão completo
Na pura e bela harmonia de uma composição
Que todos acham que vem do Além
Esta música que cada um conjetura
Que explana o que o seu interior tem para mostrar
Que expõe a sua fragilidade e a dos outros
Tão ávida e emotiva
E tantas vezes tão definitiva
Não nos deve enganar
Nem engalanar na vaidade mais vácua e estupidificante
A vida não é assim tão irrevogável, categórica e decisiva
Mas, antes, frágil como a neve que se deixa trespassar
Pelas frágeis peugadas de um pequeno ruminante
Ou de um invisível ser
Que a todos nos interpela
A inspiração que desejo para mim
É a mesma que desejo a todos aqueles
Que se aventuram a calcorrear a neve
Nos dias frios, cinzentos e silenciosos,
Onde poucos se aventuram,
Neste primeiro dia do ano de 2021