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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

DESSE TEU ENCANTO DE CETIM

A tua voz

Descobria-a

Num tranquilo passeio florestal

Em que,

Delicadamente,

Me perguntaste:

-Que horas são, por favor?

 

Ao ver-te, ao ouvir a tua voz

Descobri-te

Reavivas-te a memória que todos guardamos

De quando vivemos

Outros tempos

Outras jornadas

De quando fomos felizes

De quando brincávamos no verão

Debaixo da sombra tutelar de uma amora-silvestre

Onde expúnhamos os sentimentos

Naquela linguagem arrebatada de adolescente

 

E, desde essa altura, deixei de escutar essa voz

Não é que não me fizesse falta

(Um abraço faz sempre tanta falta)

Mas desisti de a procurar

 

Mas, ouvi-a agora

Vinda de ti

Nesse pranto suspirado

A que eu não podia ficar indiferente

 

De quando nos escondíamos dos outros

Debaixo da popular espécie

Que todos tratamos por “silva”

E que acabou por enxamear

A nomenclatura dos apelidos lusos

Quiçá, em homenagem a esses encontros

 

Nesse tempo

Não havia condicionalismos

Demoras

Acelerações

Ou fugacidade

 

Havia, sim, um claro compromisso

Com os sentimentos um do outro

Riamo-nos com verdadeiro prazer

Enquanto colhíamos amoras

E as dávamos a provar

Um ao outro

E ficávamos com os lábios arroxeados

De tanto comermos amoras!  

 

Desse teu canto que escuto

Rodeado de tão ternas palavras

Vindo desse teu esparso coração

Que soçobrou a uma adolescência feliz e encantada

E se reinventou para se tornar algo mais duro

Mas nunca desistiu de mostrar os bons sentimentos

Que brotam como água de uma nascente 

 

Cansada de ouvir juras

Mas que depressa se esfumaram como pó  

Tornaste-te insolvente de afetos 

 

Mas vens-me agora com essa harpa delicada  

Perfumada dos odores de um campo florido de lavandas 

Que se balançam sob um leve sopro de um vento suave

Que acabam por me despertar e me dar o sustento

Para os dias que aí virão neste agreste,

Como são todos,

Invernos da vida

Que tão mal fazem a pessoas como tu

Como eu

Que acabam definhando-nos

Deixando-nos como as árvores

Na maior parte dos dias de outono e de inverno

Desnudadas, com os ramos caídos,

Mostrando as nossas intrínsecas debilidades

Que acabam por nos fragilizar

 

Mas depressa, estes dois se encontram debaixo de uma qualquer árvore

Que os inspirará, outra vez,

Para a palavra

Para o clamor das emoções que ela sempre contém  

Que os voltará a juntar

Numa qualquer sílaba, frase ou verso

Que, rodeado de uma intrincada teia de signos,

Nos ajudará a descobrir, ainda mais,

Quem foste tu?

Tal como eu em relação a mim!

 

Dispersos grãos de areia

Que formam uma fofa camada

Onde nos deitamos deliciados

A ver, emocionados, nesta praia que é só nossa

O rubro e desafogueado sol

De um fim de tarde de verão

 

Acabamos por evocar

O tempo em que nos sentávamos debaixo da provecta e inusitada “silva”

De quando disputávamos aos melros

As delicadas amoras

E as comíamos de forma inaudita!

 

Desde aí, nunca mais comi amoras

Mas, ao ouvir-te,

Voltei a sentir as minúsculas grainhas

E a saborear a polpa doce de uma amora-silvestre!

 

 

 

 

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