OUTRA VEZ ESTAREMOS SÓS
Outra vez
Novamente
E já se preanuncia:
Regressaremos à solidão
Outra vez!
Ouvir os repetitivos batimentos
Dos nossos solitários corações
Discorrer, insuflar, definhar
As horas que passam ténues e infindavelmente
Sem sorrisos, sem enganos,
Mas cumprindo exclusivamente
O dever sanitário
Que se irá instaurar
Mais uma vez
E para não esmorecer
Mas vislumbrar prazer
Cá estarei, outra vez,
Longe do torpor
Indefetível no fulgor
À palavra
Fascinante, como sempre,
Contra ventos e marés
Que se vai anunciando ao mundo
Vivendo dentro de cada palavra
Que vou lendo
Impressa nos livros
Para sentir sentindo
Em cada uma delas
Aquilo que vou escrevendo
Naquele branco cenário
De uma solidão acompanhada pela tímida luz do candeeiro
Como se fosse um sonâmbulo a levitar
Ao encontro do âmago da sua alma!
Nestas frias noites de inverno
Busco todas as constelações no firmamento
Todas as razões inexpugnáveis
Que dando a razão
A uma vida dedicada
Com esmerada exigência
Às sílabas
Que tanto me surpreendem e fascinam,
Minhas e dos outros,
Onde aqueço esse meu olhar
Que penetra no olhar dos outros
Frio, insidioso e distante
Que, perdidos na imensidão do deserto,
Se deixam facilmente derrotar
Por uma qualquer tempestade que se anuncia
Leves e quentes são as horas
Na companhia de belas e profundas palavras
Vazias e malditas são as horas
Em que nos desesperamos por nada fazer
O ócio apropria-se de nós
E ficamos matéria amorfa e vácua
Melhor será morrer
Quando não poder estar
No lugar
Da palavra
Que é onde quero estar sempre!
As andorinhas preparam já a grande viagem
Tecem o seu cintilante fato negro
Exercitam-se em voos sob as falésias
Que se espraiam pelos mares do sul
Debaixo daquele inclemente vento
Que em certos dias nos atormentam a razão
Nesta doença coletiva em que todos nos encontramos a navegar
Primavera, sem andorinhas,
É como um texto sem palavras
Um mar sem ondulação
Uma vida sem equação
Um fervor sem paixão
Um inesgotável sofrimento
Que não se apazigua jamais
Nesta demencial e tormentosa
Viagem solitária
Neste oceano incomensurável
Que, parece, não ter mais fim!