OS DEDOS
Vão-se os dedos
Ténues e discretos
Dilacerados, gretados
Compridos ou curtos
Delgados ou grossos
Dedos imprescindíveis
Ajudam-nos a somar
As parcelas das nossas vidas
Mas os dedos
Também se ajeitam
Também se equivocam
Também acertam
Também sinalizam
E podem servir
Para evocar o passado que não queremos esquecer
Ou, então, para não evocar o passado que tanto se quer esquecer
Enlevado
Pelo que sob os meus dedos perpassa
Alguns finos fragmentos de porcelana
Doirados fios de luz
Rugosas cavidades que me entristecem
Duras substâncias
Complexos conceitos
Água pura de nascente
Salina água do mar
Desse sal que anima a vida
Dedos que repõem energias
Que tanta falta nos fazem
Em certas ocasiões
Dedos que são casa
Alimento
Pasto dos nossos melhores sentimentos
Beijos ensurdecedores
Fragâncias exóticas
Madeiras do Oriente
Sabonete de Orixás
Candomblé retumbante
Fino vestido branco
Dançando, em transe, sem parar
Mas dedos tresloucados e imundos
Soam de outros mundos
Escurecidos e guisados
Carregados de filamentos de terra
Que nos apaziguam
Com os nossos heroicos finados
Que tantas vezes evocamos
Dedos que são o prolongamento
Dos nossos maiores desejos
Que se agarram a tantas quimeras
Que não se olvidam
Que são nossos
Como nossa é
Uma qualquer ínfima parte do nosso corpo
Mas,
Dedos,
Também podem ser o melhor de nós
Iluminando-nos o caminho
Nesta nossa curta passagem por esta vida
Dedos nossos
Dedos duros
Dedos empedernidos
Dedos guisados e escurecidos
Dedos que um dia
Gizarão perplexidades
E alguém se perguntar-se-á:
A quem pertenceram aqueles defuntos dedos?