A SIBILA *
Cruzei-me contigo numa estrada
Estreita, abafada e tempestuosa,
Que acabou ditando uma relação tóxica entre nós
E, nessa mesma estrada,
Acabei por te abandonar
Tu continuaste entrincheirada nesse covil que cconstruiste
Qual aracnídea latrodectus mactans
Tragando os homens que vais colecionando
Eu insidiei o passo
Volvi-me às terras seguras
Onde sempre me orientei
Vi-te, a primeira vez,
Nessa estranha estrada
Por mim nunca percorrida
Imóvel
Alva como a neve
Risonha
Atrevida, insinuante e corajosa
Lançaste os teus braços aos meus
Puxei-te para mim
E, naquele instante,
Ficamos ungidos pelos desejos
E tão cingidos ficamos
Como se fossemos um só corpo
Empolgaste-te e embriagaste-te nos meus lábios
E eu nos teus
Saboreei esses teus gemidos incontidos
Com que me presenteaste a noite toda
Parecias um felino a ronronar
Os teus olhos escuros
Sorriam cintilantes
Indubitavelmente lascivos
Obviamente devoradores
Por uns olhos clareados
De película esverdeada
A cobrir o teu olhar
Enchendo-te de pranto
O vazio, esse vazio, que mais de perto eu vi em ti
Nessa tua alma inquieta e desassossegada
Que não desiste de procurar a sua alma gémea
Numa das tuas mãos vi a marca
Que veio do ventre materno
A distinção deixada por uma velhaca mãe
Que apaziguava os demónios
Afogando e enterrando felinos
De mulher flibusteira, má e cruel
Que palavreava frases infindáveis e indecifráveis
Que não se rendia
Que lutava, lutava
Até se vingar!
E eu
Que parecia embebecido
Pelo teu doce ronronar
Abandonei-te naquela mesma estrada
Onde nos havíamos cruzado
Deixei-te na solidão
E na companhia dos fantasmas
Que pululam e resplandecem no teu ser
Essa estrada onde, amiúde, regresso
É já distante passado
De que não me arrependo
Mas volteio e vou rolando sem parar
Mas cruzar-me com a “Sibila”
Foi cumprir um ritual
A que a minha vida me tem proporcionado
Da literatura para a realidade
Mas rever-te, rever-te, outra vez
Desnuda
Rodeada daquela brancura cintilante
A escutar aquele insidioso e suave ronronar
Seria voltar à estrada
Onde te vi
Pela primeira vez
Ó serva de Belzebu
Mulher maligna
Que no que roças,
Nesse teu corpo extasiado e enérgico,
Acabas por reduzir a pó!
* Título de um dos livros da vasta obra de Agustina Bessa Luís