O André, que de ventura tem apenas o apelido, teve uma epifânia, com a preciosa ajuda dos seus apaniguados que o assessoram, sob a forma de orgasmo, este fim-de-semana em Bragança!
Não sei se a gata roliça, lançada a seus pés, cantando-lhe o “happy birthday…Mr. President” terá excitado e entusiasmado tanto o clamor do senhor André levando-o a aventurar o Ventura até um local onde o aguardavam dois ciganos, lavadinhos, e aptos a testemunhar que a grande falha desta comunidade era viverem à custa dos impostos dos outros e não quererem trabalhar…pois então, dirão essas sumidades tão chegadas ao chega, que têm bom lombo e não querem trabalhar que trabalhem como nós! Pena é que os dois ciganos, inquiridos por hábeis jornalistas, tenham confessado que afinal aquilo não foi espontâneo mas “alguém” os mandou ali para que proferissem tais afirmações!
Ora bem, este triste episódio protagonizado pela candidatura do André Ventura, docente universitário, como ele impante tanto gostava de se diferenciar dos demais “paineleiros”, quando era pequenino e alvitrava “bitaites” sobre o seu Glorioso e expunha a ridículo os adversários e, claro, tratava o Rui Pinto por bandido e hacker criminoso que não observava os preceitos constitucionais do direito à privacidade e agora até se dispõe a mandar às malvas esta magna carta portuguesa, antes tão hábil na defesa das garantias e das liberdades que lá constam, mas os chegas e o senhor Ventura estão dispostos a ir contra a nossa tradição católica da expiação dos pecados e do perdão, para deixar os bandidos, que na sua terminologia só o são os pedófilos e os violadores, ou pelo menos aqueles que ele se ufana sempre em nomear, excluindo, então, os que a todos nos fazem pagar as dívidas que ficam por pagar a toda uma geração por práticas corruptas e criminosas dos poderosos que, por isso mesmo, não se cansam em depositar grossas quantias para o novo partido, que de novo é apenas na data da sua criação, já que tem associado práticas tão anquilosadas e velhas que se julgavam banidas e iguais às dos tempos glorioso do trumpismo!
Mas, este senhor, e muitos do seus acólitos, ressabiados e autoritários escondidos, muitos que se escondem sob o anonimato das fardas, o que eles querem afinal são aquelas práticas que tanto orgulho causa nestes saudosos de um império que nunca o foi, senão nas pobres e tristes cabeças de uns deslumbrados deste reino.
Desde logo, este encanto evangelizador deste Ventura do século XXI tem o seu epicentro na nossa história na feroz perseguição movida pelo Santo Ofício em Portugal contra os judeus. Curiosamente, ou talvez não, quiçá seja um sinal cabalístico, milhares deles refugiaram-se na região, e regiões limítrofes, longínquas e montanhosas do Portugal profundo, neste mesma região, com a sua capital na cidade de Bragança, onde agora o chega descortinou estes cristãos novos, dispostos a evangelizar os ciganos velhos e que “alguém” quis que eles dissessem na TV que renunciaram ao ciganismo e viviam cristãmente como pessoas honradas, que os ciganos, pelos vistos não o são.
Mas tão magnânimo gesto deste chega, e por suposto, do seu jurista presidente, tem também o seu epicentro na África colonial portuguesa, com a publicação do Decreto-lei de 20 de Maio de 1954. Nele se estabeleceu três distinções de grupos populacionais que viviam nas colónias: os indígenas, os assimilados e os brancos. Os brancos, claro, tinham tudo, desde que se comportassem na ordem e não chateassem muito Salazar. Mas para a população africana de pele tisnada, havia um conjunto de requisitos que eram obrigados a alcançar para que de indígenas passassem a assimilados, como, por exemplo, saber ler e escrever, vestirem e professarem a mesma religião que os portugueses e a manterem padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus. Assim, uma vez assimilados, podiam usufruir de alguns direitos que estavam vedados aos indígenas não assimilados.
Pelos vistos, o presidente Ventura, parabenizado pela doce voz da Parrachita, quer agora, e por suposto o seu chega, aceder ao poder, com três ministérios, conseguidos pelo cada vez mais frágil PSD, sendo que um deles servirá para evangelizar os ciganos, sem esquecer, claro, os “pretos”, como eles dizem, que de bom mesmo só alguns que dão pontapés na bola do club do Ventura porque os restantes não passam igualmente de gente de má rés que vive à custa dos impostos dos honestos contribuintes, muitos deles deslumbrados com a chegada do chega, o tal partido velho, uma espécie de PRD, de extrema-direita, um albergue espanhol onde cabe tudo, mas tudo mesmo, em nome do poder.
Chega, Andrezinho, de brincar com as pessoas, de se divertir com as gentes simples que dão tudo, a camisa, se necessário; mas chega mesmo, Andrezinho, de brincar, em privado, com as camisas compradas numa tenda de ciganos!
"Pedimos desculpa pela interrupção, o programa segue dentro de momentos" anúncio que nos anos sessenta e setenta era muito comum surgir nos ecrãs da RTP. Um interregno na poesia, que é a minha paixão no mundo das letras, para comentar um triste episódio a que assisti na TV relacionado com as próximas eleições.
Deito-me, esparramado, no sofá onde habitualmente disfruto das sestas que costumo praticar quando não tenho responsabilidades profissionais ou de outra índole no período após o almoço ou, como se expressam os italianos naquela bela palavra: “pomeriggio”!
E, nessa viagem rodeado de brumas, e com a vã, ou aluviana, glória de permeio que me diminua ou ufane, descanso com a nobreza possível, fixando o meu olhar no sobe e desce da minha pequena embarcação que parece um naufrago a lutar, desesperado, para não ser engolido pelo mar acinzentado, escutando-lhe o seu arfar, os ruídos do seu estômago que submergem à superfície daquele manto imenso de água que de vez em quando desponta à superfície sob a forma de pequenas gotas, procurando estugar o meu processo de adormecimento.
Estou dividido, siderado até, pela dúvida que me assola naquela viagem solitária! Dormindo ou acordado, já nem sei bem se viajo acordado ou se viajo dormindo, a verdade é que não sei para onde vou, não tenho cartas de navegação, telefone satélite ou aparelho de telecomunicação que me permita enviar um pedido de ajuda. Vou-me por ali navegando à bolina, contando apenas com um vento favorável que empurre a minha embarcação até terra; já agora, e o que me desconcerta, desconheço como fui parar àquela minúscula embarcação que navega no meio do mar. Mas porquê no mar e não num rio? Eu que nem sou nem lobo, nem ovelha do mar, nem velho, nem novo marinheiro, o mar para mim só me é agradável o seu avistamento ou então para dar umas braçadas, no verão, nas águas que circundam as praias.
Enquanto divago sobre a minha condição solitária naquele barco, sem saber o que fazer, cada vez mais resignado mas, de alguma forma, esperançado também, pois com tanta literatura de viagens, romances históricos, fantasiados ou até narrativas absurdas consumidas por mim e que estão sempre presentes na minha cabeça laivos de episódios aí descritos que acabam por me iluminar para os perigos que possam estar à espreita em qualquer viagem que empreendo, nem me dei conta que, entretanto, um cagarro se aproximara e acabou plantando-se numa pequena elevação da proa do meu barco. E, sem que eu lhe desse oportunidade para ele piar, berrar ou o que quer que fosse na sua forma própria de expressão, até porque as aves não esperam de nós muito, aliás, não esperam mesmo nada, a ave com aquelas patas de hidroavião, de cor pedrês cinzento-acastanhado e de extenso e vigoroso bico amarelado, espreguiçou-se, pareceu pigarrear e exclamou:
- Olá marinheiro de permeio, indubitável Terráqueo, o que fazes navegando por estas águas?
E eu respondi de imediato até porque estava mesmo a precisar de uma boa conversa com alguém, fatigado de falar com os meus botões!
- Olha…também não sei muito bem o que faço aqui…sinto-me como aquela letra de uma canção muito importante no meu país que diz “Quis saber quem sou/O que faço aqui/Quem me abandonou “ e, por mais que matute, por mais que me esforce, não consigo chegar a nenhuma conclusão! Continuo sem saber o que faço aqui? Quem me abandonou? E também quem sou? E não consigo, não consigo…
- Então, meu amigo, vocês humanos não têm a mania dos “especialistas”? Metem-nos em tudo; para observar as fezes destas pobres aves patudas, para nos anilhar, para nos capturar, medir o nosso tamanho, enfim, até para ver como são as nossas maternidades e creches intrometem-se na intimidade dos nossos ninhos e fotografam, fotografam sem se preocuparem com os direitos de personalidade dos nossos petizes. E o mais interessante é que vocês chamam-lhes de “especialistas” e estão sempre a metê-los nas conversas e, para qualquer coisa, é “especialistas” disto ou daquilo. Alguns há até que se especializam em firmar os seus argumentos com a autoridade dos “especialistas” e acabam por repetir a expressão: “os especialistas dizem…” e usam-nos para fundamentar as decisões que querem tomar ou para afirmar a sua douta razão! Mas eu gostava de saber quem são afinal os “especialistas”? Os nomes, a sua proveniência, origem e, o mais importante, o seu curriculum pois não basta dizer que são “especialistas”, mas sim o que fizeram até hoje? Em que é que se especializaram? E qual o seu grau de rigor científico? Sabe, nós cagarros, passamos uma parte importante do nosso tempo entre dois continentes e temos a sorte de já ter ido à América e de ter primos americanos, e esse contato dá-nos uma outra perspetiva do que são realmente os “especialistas” na América nas várias áreas que dominam. Ali, sabe, os especialistas têm um nome, um rosto, e um prestígio universitário, vocês têm a mania, aliás, as vossas televisões e os jornalistas têm a mania que eles, os jornalistas, é que são a elite da sociedade e por isso são eles que decidem quem deve ir ou não às televisões e chamam pessoas que só porque são representantes de um grupo específico de “especialistas” numa determinada área da medicina, são médicos com uma especialidade, não especialistas cientistas, que é disso que se deve falar quando se metem os ditos “especialistas” nas conversas para fundamentar um raciocínio, e não sindicalistas ou até um que é mais sindicalista do que chefe de uma suposta Ordem e são esses que andam sempre de um lado para o outro a informar ou a deformar a opinião pública porque eles vão às televisão mas não são especialistas cientistas, mas passam a vida a dizer os “especialistas dizem…acham” não é verdade? Ora bem, se é para quem vai às televisões citar os ditos “especialistas”, então por é que os vossos jornalistas não chamam mesmos os tais especialistas cientistas?
Esta conversa sobre “especialistas” perguntar-se-á o meu amigo o que tem a ver comigo? Ora, tem e não tem; eu não sou “especialista”, mas apenas um curioso e um observador que fala a linguagem e conhece bem o mundo dos cagarros, sou como aquele vosso candidato que é calceteiro de profissão e que fala e conhece bem o sentir do povo, mas do que o meu amigo se deve questionar é o que é que eu fiz para estar aqui? E pois na minha modesta observação empírica o que eu acho que aconteceu é que o meu amigo almoçou bem, e bebeu ainda melhor, e resolveu adormecer naquele sofá com a barriga cheia e suturado de álcool que é o que o tem feito delirar de um lado para o outro, de um tema para o outro, e sem encontrar respostas. Por isso, deite-se e adormeça no barco que eu próprio o guiarei a porto seguro...ande vá…confie em mim.
Deitei-me e passado uns momentos estava a acordar do sono profundo que me aprisionara ao sofá.
Mas as palavras do intrometido cagarro continuavam bem presentes na minha cabeça!