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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

MISTERIOSA

Os teus olhos

Doces, quando sorris,

Agrestes, quando sulcas as linhas do rosto

Incendeias

Com esse teu olhar fulminante

 

Nesses teus volumosos seios de judia

Guardas toda a culpa

Manténs frenético

Esse teu gosto pela pura maldade

Que, incansável e imparável,

Dá de mamar aos filhos de Belzebu

 

Das tuas longas e finas pernas

Que toldam os olhares dos homens

É nesse meloso recanto que os embalas

Assumes-te incansável em abarcar

Essa tua veia de pura ilusão

De mulher gentia e apaixonada

 

Cinges-te no eixo circular

Plantado de negro capim

 Debaixo de um embondeiro

E observas o seu proverbial tronco  

 

Observas o sexo,

Inteiras-te da sua sofreguidão

E, pouco a pouco,

Vais comprimindo-o

Até que o submetes ao teu ditame  

E ele sai frágil e pequeno dentro de ti

Desse encontro onde o moldará

Ao que os teus desejos desejam mesmo

 

Frágil de aparência

Espiritual no olhar

Que, de imediato, cativa 

Mundana mulher

Que te abraça

Com a dureza e a pressão de um Golem 

E que te quer tão submisso

 

Encerrada, vive no mundo que criou

Não se atém ao que a rodeia

Não se incomoda com o que lhe chega

Vive apenas circunspecta

Das suas mais íntimas vontades

De uma incomensurável estratégia

Capaz de transformar desertos

Em abastados e férteis territórios

Que obsequeiam

Sumarentas e doces frutas

Ou água salgada do mar que acaba doce 

 

Mulher de mil desejos

Que se esconde

Como um insipiente anelídeo

Que desliza debaixo da erva

Dos duros bicos dos melros

 

Não se deixa atrapalhar

Não se deixa amedrontar

Pelas ameaças dos outros

 

Vive a sua vida

Encerrada nos objetivos estratégicos militares

Das missões da sua vida

Deambulando de um lado para o outro 

 Recebendo aqui, dando, pouquíssimo, acolá

Fustigada pelas patranhas

Que lhe vão contando

E que ela finge, finge, sim,

Em acreditar

Para terminar com sucesso

As incumbências que lhe vão determinando

E, como o fumo no alto da montanha,

Acaba desaparecendo do olhar

E torna-se, num ápice, invisível

Para voltar a surgir

Com toda a sua força e encanto

Numa qualquer latitude

Para salvar a pátria que está em perigo

 

Mas ainda hoje eu devaneio

E acabo desejando  

Por aquele corpo

Que não me dava tréguas

Nas mil palavras

Que ergui em sua honra!

 

Shalom! 

*Adelaide, personagem de um romance que findei há pouco; mais um que não sei se verá a luz da publicação, apenas puro prazer da escrita!

AS ANDORINHAS CHEGARÃO

O gelo  

Que, em certos dias, vislumbro nesses teus olhos

Acaba se fundindo

Sem que eu consiga perceber

Porque gelaram os teus olhos?

 

E lágrimas, antes cativas,

Começam a deslizar silenciosas pela tua face

Tímidas,

Mas logo em aluvião,

Saudosas de quando recebias de mim

Juras eternas de amor

 

E esses teus olhos

Que são como que esmeraldas

Sem brilho e escondidos

Embaciam-se de cada vez que me evocas

De cada vez que me procuras

De cada vez que te questionas

Por tão prolongada ausência

 

Deixo-te assuar esse teu fulgor

Que te saí das entranhas 

Convergir por essa tua voz

Que me lembra a de um narrador

De um daqueles livros

De narrativas infindáveis

De heróis, como Camões, que salvou a sua epopeia,

Para acabar por salvar a sua própria vida

 

Arrebatas-te

Arrebatas-te, sim,

Com as palavras que vais escrevendo avulsamente

Do que te encantavas

Quando estavas na minha presença

 

Vejo-te auspiciosa

Nesses teus poemas que vou lendo

Saídos da inspiração que te vem das amarras

Dos sentimentos que fluem nesse teu interior tão misterioso

 

Capaz de inspirares tanta gente

Com as tuas belas e inspiradas palavras

Mas de que valem as minhas palavras

Se eu não estou presente?   

 

O meu peito a arfar

As minhas finas e longas mãos

Com que tantas vezes te afaguei

Os meus lábios que,

Em certos momentos,

Pareciam que te iam sorver

Mas, agora, digo-te,

Escreves melhor, muito melhor,

Do que quando escrevias cartas de amor para mim

 

Espero que vento inflame

Para que me traga novas de ti

Dá-me cintilantes palavras

Da prova do teu amor por mim

Ajuda-me a semear em mim esse poema

Que vem de ti para mim

E se alevantará

Nesse coro de vozes que cantarão a nossa paixão

 

Mas dá-me essa tua pequena mão

Que tremia e suava quando eu a apertava

Quando fazíamos amor até à exaustão

E via crescer em ti esse desejo

Por me tragar todo naquele movimento

Que tem tanto de impetuoso como de único

 

Mas dá-me esse teu coração

Deixa-me desembrulhar as anotações

Que nele foste guardando ao longo de uma vida

E perceber o que a terra fez dele

Afiançar como a água o transformou

Comprovar como o céu o moldou à inocência 

Como amaste, sem te amar

Amaste-me, olvidando-te de ti

 

Mas,

Aguarda

Que eu me acalme  

Espera até ao início das searas

Mas, por agora,

Deixa que o longo inverno

Que nos envolve nesse manto pastoso e agressivo

Chegue ao fim

 

Deixa-me sentir os braços do sol

A penetrarem-me até aos meus ossos

Deixa-me, ao menos, recompor-me deste longo inverno

Deixa que as andorinhas cheguem

E já não falta muito…

 

Aí sentir-me-ás a esvoaçar pelos beirais da tua casa.

CLARICE LISPECTOR

Ouvi-te a primeira vez

Como desejaria ouvir uma voz

Tão poderosa como a tua

Nadando nos odores de um lindo canteiro de rosas  

 

Falaste com essa tua voz

Que parecia escutar os fluídos do tempo

Que parecia querer tudo, mas sem querer nada,

Apenas entender o mundo

Para melhor se tentar entender a si própria

Sem te dizer nada

Que pudesses e quisesses ouvir

 

Ouvi-te sem ouvir o teu coração

Ouvi-te sem ouvir com o meu coração

Ouvi-te simplesmente com a razão

E com o disfarce dos cínicos

Que não sabem a lição!  

 

Mas tu foste por aí adiante

Não quiseste saber se eras escutada

Se tinhas simpatias

Se tinhas a corte a aplaudir-te

Se tinhas toda a gente a venerar-te

Tinhas essa certeza que só as grandes figuras têm:

Na sua obra, no seu mérito, na sua valia

E tinhas a certeza que um dia,

Mais tarde, serias lida

Estudada pelos académicos

 

Escutei as tuas densas frases

Que soavam simples, mas angustiadas,

Proferidas no idioma açucarado 

E acabei rendido ao teu labor onde rendilhavas palavras

E tecias belos casacos que expunhas em cima da tua secretária      

 

Comecei logo a amar-te

Comecei a sorver cada palavra, cada frase, cada livro

Passei a amar as tuas palavras

Passei a amar-te a ti, também!

 

 

Mas tu, insubmissa como ninguém,

Desconfiada e desconcertante

Se pudesses regressar

E ouvisses o culto que por aí vai  

Lançar-te-ias, furiosa,

Sob a tua velha máquina Remington

Esticarias os teus dedos longos e macerados

Pelos milhares de cigarros que fumaste ao longo da tua vida

Que, como as palavras, foram a tua única paixão

E lançarias outra vez o caos

Com os teus inigualáveis monólogos

Plantados selvaticamente nessa floresta amazónica  

Infindáveis e resplandecentes

 

Nunca te fixaste numa árvore em concreto

Mas vias tantas e fulgurantes árvores

Que só o simples avistamento

Te estimulava esse prazer tão intenso  

Tão imensamente visceral

Como se fosse uma confluência de rios

Que desaguam no mar

Que testemunham tão omnipotente orgasmo  

 

Mágoa da tua cútis

Onde constavam marcas desse incêndio

Que quase te destruiu a vida

 

Viste um teu rebento

Que saiu das tuas entranhas

Como muitas das tuas palavras

Tornar-se louco,

Para muitos,

Iluminado,

Para alguns,

Pois loucura não será ver mais adiante?

 

Se, como dissestes,

Escreveste para salvar alguém,

Acabaste por te salvar na escrita

Sim na escrita

Que vicia quem dela se aproxima

Que envolve e submete aos seus ditames  

E acaba a escrever diariamente

 

Judia, de olhar soberbo e provocante,

Que nunca se deixou amansar

Que nunca se deixou arrefecer

Que sempre se levantava cedo

Ainda a escuridão, mais pujante no país tropical,

Envolvia os cantos da casa

E tu acendias cigarros atrás de cigarros,

Beberricavas dessa chávena de café

Que estimulava tanto a sua imaginação

E te empolgava na escrita

 

Arrebatadora mulher

Tão soberba e tão altiva

Que ver-te a caminhar na rua

Nesse calçadão carioca

Era avistar a Luz comprometida com a divindade

Iemanjá, rainha do mar

Maria, rainha das mães

Clarice, imperatriz das sílabas;

 

E que não se apague essa tua verve

Escrita nas tábuas de uma paixão

Que durou uma vida

Mas nunca correspondida

 

E entregaste-te, assim,

À escuridão iluminada

E, no último instante de vida,

Quando as forças já não abundavam

Puxaste de um longo cigarro      

Sentaste-te à tua secretária

Voltada para a tua velha Remington

E ultimaste as tuas últimas palavras

Que bem podiam ser o teu lema de vida:

Vivi, como eu sempre quis viver

Mergulhadas nas águas

Que jamais me assustaram

Desse mar que eu fui sempre

Que soprava ventos e marés

Nas calmas areias de Copacabana!

 

Ó ANDRÉ QUE DESVENTURA!

O André, que de ventura tem apenas o apelido, teve uma epifânia, com a preciosa ajuda dos seus apaniguados que o assessoram, sob a forma de orgasmo, este fim-de-semana em Bragança!

Não sei se a gata roliça, lançada a seus pés, cantando-lhe o “happy birthday…Mr. President” terá excitado e entusiasmado tanto o clamor do senhor André levando-o a aventurar o Ventura até um local onde o aguardavam dois ciganos, lavadinhos, e aptos a testemunhar que a grande falha desta comunidade era viverem à custa dos impostos dos outros e não quererem trabalhar…pois então, dirão essas sumidades tão chegadas ao chega, que têm bom lombo e não querem trabalhar que trabalhem como nós! Pena é que os dois ciganos, inquiridos por hábeis jornalistas, tenham confessado que afinal aquilo não foi espontâneo mas “alguém” os mandou ali para que proferissem tais afirmações!

Ora bem, este triste episódio protagonizado pela candidatura do André Ventura, docente universitário, como ele impante tanto gostava de se diferenciar dos demais “paineleiros”, quando era pequenino e alvitrava “bitaites” sobre o seu Glorioso e expunha a ridículo os adversários e, claro, tratava o Rui Pinto por bandido e hacker criminoso que não observava os preceitos constitucionais do direito à privacidade e agora até se dispõe a mandar às malvas esta magna carta portuguesa, antes tão hábil na defesa das garantias e das liberdades que lá constam, mas os chegas e o senhor Ventura estão dispostos a ir contra a nossa tradição católica da expiação dos pecados e do perdão, para deixar os bandidos, que na sua terminologia só o são os pedófilos e os violadores, ou pelo menos aqueles que ele se ufana sempre em nomear, excluindo, então, os que a todos nos fazem pagar as dívidas que ficam por pagar a toda uma geração por práticas corruptas e criminosas dos poderosos que, por isso mesmo, não se cansam em depositar grossas quantias para o novo partido, que de novo é apenas na data da sua criação, já que tem associado práticas tão anquilosadas e velhas que se julgavam banidas e iguais às dos tempos glorioso do trumpismo!    

Mas, este senhor, e muitos do seus acólitos, ressabiados e autoritários escondidos, muitos que se escondem sob o anonimato das fardas, o que eles querem afinal são aquelas práticas que tanto orgulho causa nestes saudosos de um império que nunca o foi, senão nas pobres e tristes cabeças de uns deslumbrados deste reino.

Desde logo, este encanto evangelizador deste Ventura do século XXI tem o seu epicentro na nossa história na feroz perseguição movida pelo Santo Ofício em Portugal contra os judeus. Curiosamente, ou talvez não, quiçá seja um sinal cabalístico, milhares deles refugiaram-se na região, e regiões limítrofes, longínquas e montanhosas do Portugal profundo, neste mesma região, com a sua capital na cidade de Bragança, onde agora o chega descortinou estes cristãos novos, dispostos a evangelizar os ciganos velhos e que “alguém” quis que eles dissessem na TV que renunciaram ao ciganismo e viviam cristãmente como pessoas honradas, que os ciganos, pelos vistos não o são. 

Mas tão magnânimo gesto deste chega, e por suposto, do seu jurista presidente, tem também o seu epicentro na África colonial portuguesa, com a publicação do Decreto-lei de 20 de Maio de 1954. Nele se estabeleceu três distinções de grupos populacionais que viviam nas colónias: os indígenas, os assimilados e os brancos. Os brancos, claro, tinham tudo, desde que se comportassem na ordem e não chateassem muito Salazar. Mas para a população africana de pele tisnada, havia um conjunto de requisitos que eram obrigados a alcançar para que de indígenas passassem a assimilados, como, por exemplo, saber ler e escrever, vestirem e professarem a mesma religião que os portugueses e a manterem padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus. Assim, uma vez assimilados, podiam usufruir de alguns direitos que estavam vedados aos indígenas não assimilados.

Pelos vistos, o presidente Ventura, parabenizado pela doce voz da Parrachita, quer agora, e por suposto o seu chega, aceder ao poder, com três ministérios, conseguidos pelo cada vez mais frágil PSD, sendo que um deles servirá para evangelizar os ciganos, sem esquecer, claro, os “pretos”, como eles dizem, que de bom mesmo só alguns que dão pontapés na bola do club do Ventura porque os restantes não passam igualmente de gente de má rés que vive à custa dos impostos dos honestos contribuintes, muitos deles deslumbrados com a chegada do chega, o tal partido velho, uma espécie de PRD, de extrema-direita, um albergue espanhol onde cabe tudo, mas tudo mesmo, em nome do poder.     

Chega, Andrezinho, de brincar com as pessoas, de se divertir com as gentes simples que dão tudo, a camisa, se necessário; mas chega mesmo, Andrezinho, de brincar, em privado, com as camisas compradas numa tenda de ciganos!

"Pedimos desculpa pela interrupção, o programa segue dentro de momentos" anúncio que nos anos sessenta e setenta era muito comum surgir nos ecrãs da RTP. Um interregno na poesia, que é a minha paixão no mundo das letras, para comentar um triste episódio a que assisti na TV relacionado com as próximas eleições. 

...

https://anadedeus.blogs.sapo.pt/a-historia-desta-foto-25411

 

 

Não sei a que horas te concebi

Doce menina que nadas nas águas da tua mãe

Já tenho os carateres prontos para tatuar

Nessa tua jovem pele

Que é tanto minha como da mãe

 

Sorriso cúmplice que da barriga se anuncia

Mas da alma que é donde ele se alevanta

Das gentes apaixonadas

Que não têm medo de nada,

E que mesmo não tendo nada,

Apenas o Amor, um pelo outro

Sorriem de júbilo

 

Vocifero ao anunciar-te

Minha suave e bela menina

Que te dás à estampa

Neste pai e mãe

Tão babados

Que chega a ser comovente ver-vos

Nesse sorriso tão contagiante

 

Happy hour

Querida Penélope

Cuida dessa nossa menina

Como se uma abelhinha fosse

Que nascerá a boas horas

Para se não render jamais ao trivial

 

E sinto, sim,

Já lhe sinto essa tão pequeninha cabecinha!   

O CUCO

De hora a hora

Faça chuva ou faça sol

Da parede para o mundo

Eis-me diante dessa ave mítica

Que é símbolo da Floresta Negra,

Tão esquiva como adversa,

Que nos ninhos dos outros se criam as suas crias

 

Antes de Sua Majestade o Cuco

Se anunciar ao mundo

Troando o seu belo canto que possui  

Interpretado desde o alto da parede

Fria e pintada de branco

Faz-se ouvir o doce ressoar

De água na correnteza

Liberdade absoluta

Que Sua Majestade o Cuco

Tanto se abespinha

A quem o ameace retirar-lhe!

 

O cuco, este cuco,

Que tantas vezes ouvi

Nestes anos em que me acompanhou

Quando emergia da sua casa em madeira

E anunciava o seu melodioso canto

Onomatopaico  

Como me parecia sempre lamento humano:

Escuta-se, compreende-se, aceita-se

Mas nunca se vislumbra a forma do lamento

E por isso o cuco, este cuco,

Interpelava sempre a minha consciência

Mexia com a minha consistência   

Remetia-me para a minha solidão

Que, ausente de bosques,

Me interpelava a minha proveniência

 

Mas um dia, o cuco, este cuco,

Deixou de se anunciar

Deixei de ouvir a água a correr

Deixei de ouvir o cuco cantar

 

E ainda mais a solidão e a saudade

Voaram rápidas até mim

E ainda hoje

Sinto a falta do cuco

Desse canto que,

Para mim,

Me soava a uma Fénix Renascida

Mas, afinal,

Que imperdoável maroto,

Este cuco me saiu,

Partiu sem avisar

E mesmo que encha os corações dos outros

Já não enche, certamente, este meu coração! 

 

Cuco, cuco,

Que tanto chamaste por mim

Que tanto cantaste por mim

Deixa-me chamar-te de vez

Para ver se o teu canto volta a soar

Pelos cantos da minha casa

 

Preenche, de vez,

Essa tua ausência

E vem até mim,

Entra, outra vez, na minha alma

E leva-me até à minha feliz infância

Onde tantos cucos ouvi

Por entre pinhais que me acalentavam os sonhos

Mas raramente o vi

Plantado na sua árvore

No seu ramo

Na altivez do seu voo!

 

 

 

 

   

CORAÇÃO RESPLANDECENTE

Sentei-me

Estatelei-me

Esparramei-me

Acabei rendido e inquieto

Ao teu silêncio,

Silêncios que se foram sucedendo em horas

dias e anos

E a que não estava preparado! 

 

Mas tinha a esperança

Que algo me terias para dizer

E que, logo, mo irias dizer

E acalentava mesmo essa Esperança

De te ter ali ao meu lado

Numa qualquer manhã que se anunciava ao futuro 

 

Olhar-te intimamente

Na intimidade desse teu odor que bem conheço 

Arfante e doce

Que me chega de ti   

Sufocar-te de questões

Como se fossemos duas pessoas separadas

E que, ao fim de um tempo,

Se reencontram

E querem tanto falar de si

E de tudo

Que não há palavras para descrever tamanha ansiedade

 

Abri um livro, desses recheados de palavras tão bonitas,

Escritas em versos,

Que são os que mais se aproximam

Das palavras proclamadas pelos deuses

Pois os poetas trazem as dúvidas e inquietações das divindades

 

E lá estavas tu, numa das páginas bolorentas,

A figurar com esse teu poema que, no passado, tanto nos entusiasmou

 E que me acalentou nestes anos da tua ausência  

o meu sorriso, com o teu sorriso tão contagiante

Uma voz de mel

O odor, esse teu odor,

Que trago sempre dentro de mim

 

Mas a canção que me embalava

Era uma música em que ouvia a tua voz

Nesse doce cantar

Como se fosses uma divindade celta

Daquelas de gargantas poderosas

Imersas na universalidade  

Que nos atraem até aos riachos

Que rasgam a ilha Esmeralda

Pejada de verde

Cercada do mar

Envolta no trevo: shamrock!

 

Mas sentia falta das tuas palavras

Nesse teu alfobre onde plantas

Quando podes, e quando a inspiração te visita,

As sílabas que se vão soltando 

E que nos atravessam até ao âmago de cada um de nós

 

Mas poderei cavalgar por entre as núbias

Seguir o rasto desses faraós que me perseguem

Emersos naquelas areias que me demandam   

 

Voar seguro e firme no dorso de um cisne

Que, majestoso e acompanhado no silêncio do degelo,

Mescla as suas preces com os seus desejos

E aguarde apenas que o sol de hoje se fine

Para que a noite escura derrogue

E entre novamente o dia

Para iluminar os nossos corações

Resplandecentes!  

     

 

 

 

 

 

ESPECIALISTAS!

                Deito-me, esparramado, no sofá onde habitualmente disfruto das sestas que costumo praticar quando não tenho responsabilidades profissionais ou de outra índole no período após o almoço ou, como se expressam os italianos naquela bela palavra: “pomeriggio”!

                E, nessa viagem rodeado de brumas, e com a vã, ou aluviana, glória de permeio que me diminua ou ufane, descanso com a nobreza possível, fixando o meu olhar no sobe e desce da minha pequena embarcação que parece um naufrago a lutar, desesperado, para não ser engolido pelo mar acinzentado, escutando-lhe o seu arfar, os ruídos do seu estômago que submergem à superfície daquele manto imenso de água que de vez em quando desponta à superfície sob a forma de pequenas gotas, procurando estugar o meu processo de adormecimento.

              Estou dividido, siderado até, pela dúvida que me assola naquela viagem solitária! Dormindo ou acordado, já nem sei bem se viajo acordado ou se viajo dormindo, a verdade é que não sei para onde vou, não tenho cartas de navegação, telefone satélite ou aparelho de telecomunicação que me permita enviar um pedido de ajuda. Vou-me por ali navegando à bolina, contando apenas com um vento favorável que empurre a minha embarcação até terra; já agora, e o que me desconcerta, desconheço como fui parar àquela minúscula embarcação que navega no meio do mar. Mas porquê no mar e não num rio? Eu que nem sou nem lobo, nem ovelha do mar, nem velho, nem novo marinheiro, o mar para mim só me é agradável o seu avistamento ou então para dar umas braçadas, no verão, nas águas que circundam as praias.

              Enquanto divago sobre a minha condição solitária naquele barco, sem saber o que fazer, cada vez mais resignado mas, de alguma forma, esperançado também, pois com tanta literatura de viagens, romances históricos, fantasiados ou até narrativas absurdas consumidas por mim e que estão sempre presentes na minha cabeça laivos de episódios aí descritos que acabam por me iluminar para os perigos que possam estar à espreita em qualquer viagem que empreendo, nem me dei conta que, entretanto, um cagarro se aproximara e acabou plantando-se numa pequena elevação da proa do meu barco. E, sem que eu lhe desse oportunidade para ele piar, berrar ou o que quer que fosse na sua forma própria de expressão, até porque as aves não esperam de nós muito, aliás, não esperam mesmo nada, a ave com aquelas patas de hidroavião, de cor pedrês cinzento-acastanhado e de extenso e vigoroso bico amarelado, espreguiçou-se, pareceu pigarrear e exclamou:

- Olá marinheiro de permeio, indubitável Terráqueo, o que fazes navegando por estas águas?

            E eu respondi de imediato até porque estava mesmo a precisar de uma boa conversa com alguém, fatigado de falar com os meus botões!

- Olha…também não sei muito bem o que faço aqui…sinto-me como aquela letra de uma canção muito importante no meu país que diz “Quis saber quem sou/O que faço aqui/Quem me abandonou “ e, por mais que matute, por mais que me esforce, não consigo chegar a nenhuma conclusão! Continuo sem saber o que faço aqui? Quem me abandonou? E também quem sou? E não consigo, não consigo…

- Então, meu amigo, vocês humanos não têm a mania dos “especialistas”? Metem-nos em tudo; para observar as fezes destas pobres aves patudas, para nos anilhar, para nos capturar, medir o nosso tamanho, enfim, até para ver como são as nossas maternidades e creches intrometem-se na intimidade dos nossos ninhos e fotografam, fotografam sem se preocuparem com os direitos de personalidade dos nossos petizes. E o mais interessante é que vocês chamam-lhes de “especialistas” e estão sempre a metê-los nas conversas e, para qualquer coisa, é “especialistas” disto ou daquilo. Alguns há até que se especializam em firmar os seus argumentos com a autoridade dos “especialistas” e acabam por repetir a expressão: “os especialistas dizem…” e usam-nos para fundamentar as decisões que querem tomar ou para afirmar a sua douta razão! Mas eu gostava de saber quem são afinal os “especialistas”? Os nomes, a sua proveniência, origem e, o mais importante, o seu curriculum pois não basta dizer que são “especialistas”, mas sim o que fizeram até hoje? Em que é que se especializaram? E qual o seu grau de rigor científico? Sabe, nós cagarros, passamos uma parte importante do nosso tempo entre dois continentes e temos a sorte de já ter ido à América e de ter primos americanos, e esse contato dá-nos uma outra perspetiva do que são realmente os “especialistas” na América nas várias áreas que dominam. Ali, sabe, os especialistas têm um nome, um rosto, e um prestígio universitário, vocês têm a mania, aliás, as vossas televisões e os jornalistas têm a mania que eles, os jornalistas, é que são a elite da sociedade e por isso são eles que decidem quem deve ir ou não às televisões e chamam pessoas que só porque são representantes de um grupo específico de “especialistas” numa determinada área da medicina, são médicos com uma especialidade, não especialistas cientistas, que é disso que se deve falar quando se metem os ditos “especialistas” nas conversas para fundamentar um raciocínio, e não sindicalistas ou até um que é mais sindicalista do que chefe de uma suposta Ordem e são esses que andam sempre de um lado para o outro a informar ou a deformar a opinião pública porque eles vão às televisão mas não são especialistas cientistas, mas passam a vida a dizer os “especialistas dizem…acham” não é verdade? Ora bem, se é para quem vai às televisões citar os ditos “especialistas”, então por é que os vossos jornalistas não chamam mesmos os tais especialistas cientistas?

Esta conversa sobre “especialistas” perguntar-se-á o meu amigo o que tem a ver comigo? Ora, tem e não tem; eu não sou “especialista”, mas apenas um curioso e um observador que fala a linguagem e conhece bem o mundo dos cagarros, sou como aquele vosso candidato que é calceteiro de profissão e que fala e conhece bem o sentir do povo, mas do que o meu amigo se deve questionar é o que é que eu fiz para estar aqui? E pois na minha modesta observação empírica o que eu acho que aconteceu é que o meu amigo almoçou bem, e bebeu ainda melhor, e resolveu adormecer naquele sofá com a barriga cheia e suturado de álcool que é o que o tem feito delirar de um lado para o outro, de um tema para o outro, e sem encontrar respostas. Por isso, deite-se e adormeça no barco que eu próprio o guiarei a porto seguro...ande vá…confie em mim.

             Deitei-me e passado uns momentos estava a acordar do sono profundo que me aprisionara ao sofá.

              Mas as palavras do intrometido cagarro continuavam bem presentes na minha cabeça!                    

 

 

MUNDIVIDÊNCIAS

Por entre crescidas

E pálidas ervas

Que te saúdam,

Quando, 

Numa abafada tarde de verão, 

Sinto os teus passos   

Pisando solo seco de altitude

 

Vagarosa, de pé suave e cuidadoso,

Passas cintilante numa comunidade de pinheiros

Que, orgulhosos, te saúdam

E agitam os seus ramos à tua passagem  

 

 

Olhas em frente

E, no mesmo instante, estugas o passo

Para contemplar o desfiladeiro

Que, a teus pés,

Tanto te cortejou

E, inebriada, exalas o ar quente saído dos pulmões

Que te emociona

 

Porém, a emoção de olhar a paisagem

Passa depressa

Para dar lugar a um certo desespero:

Amofinada, desiludida e cansada  

 

Querias mais, ainda mais,

Desejarias subir mais ainda

Escalar mais um desfiladeiro

Possuir mais um desafio

Mais uma vontade

Que te alimenta a paixão

Que nutres pela vida

 

E nessa imensa mirada que lanças

Nessa correria visual para distinguir as formas

Olvidas-te do felino céu azul

Que procura saudar-te

Mas, ignora-lo olimpicamente,   

Nem sequer te atreves a contemplá-lo

 

A máquina fotográfica

Com que te munistes para a caminhada

Afinal ignoraste-a e nem te serviu para nada

Conservaste-a ao tiracolo

A roçar, voluptuosa, a tua cintura

 

Confias nos teus olhos

Mas crês tanto no teu coração

Que é quem te guia nesta,

Como noutras,

Escaladas da tua vida

 

E só,

Caminhando na imensidão daquela colina

Gizas os passos da tua vida

As tuas paixões

Que se sobrepõem

A essa tua candura

Que busca sempre

Atrair-te e atrair os outros

Paixão de uma vida

Que não te faz sossegar

 

Trazes essa luz pelas cores

Por todas as cores do universo

Pois crês nas pessoas e nos seus projetos

E menos no que as cores te trazem

 

Espero ver-te, sempre, nessa escalada que marca a tua vida

Espero alcançar-te nessa caminhada que não termina jamais

A caminhar, saltando etapas,

A escrever, silenciando o silêncio que há em ti;

Dá-me, então, a mão

Para, juntos,

Escrevermos poemas mundividentes!    

ETERNO E TERNO PASSADO

Do sol raiado e escarlate

Que desliza suave e vagaroso

Até ao seu covil no horizonte

Que deixa escapar os cintilantes braços

 Por entre os interstícios

Dos galhos de uma árvore

Que parece ter sido aparada

Pelos nossos desejos  

 

Das nuvens que pasmam em acreditar

Do sol, deste sol de fim de tarde,

Tão ambíguo e tremeluzente

 

Mas acredita mesmo é em ti

Que buscas o calor da palavra

 E de um Amigo

Mesmo que seja nas profundezas

Da tua ávida memória

 

E eu

Rendido a esse pequeno alto de uma escarpa

Que parece um dos teus seios

A gretar e a ultimar o desejo

De roçar ao de leve na água do encantamento

 

A voz, a tua voz, que eu ouço dentro de mim,

Por vezes, é sincopada como uma levada de um rio

Que desliza voluptuoso pela encosta baixo

Por vezes, corre graúda pelas margens

Caindo de supetão na clareira de uma pedra  

Provocando um turbilhão de sons

Mas, às vezes, escondes-te no silêncio

E procuras vestígios dele

Como se fosses mulher ciumenta  

Que busca provar a infidelidade

 

Mas nesse Altivo

Onde estou eu

Onde estás tu

De lugares passados onde nos conhecemos

Onde a minha beleza tanto te fascina

E onde esse teu desejo  

Que só existe na minha cabeça

Me deixa vontade de te beijar

De te envolver infinitamente

Com o meu manto dedilhado de palavras

Por quem eu dobro

Por quem eu quero

Por quem eu desejo

 

Mas, apanhada por mim,

Apanhado por ti,

Já não conseguiria passar muito tempo

Sem vislumbrar, contigo a meu lado,

As caçadas que fizemos

As preces que evocamos

As exímias palavras

Com que falamos sobre o Amor

 

Contigo a meu lado

Mesmo perante um ameaçador céu

Carregado de nuvens avassaladoras

Que parecem querer manchar este nosso encontro

Não poderia estar mais de acordo contigo

Altiva, mas soberba imagem,

Que de ti para mim

Não esquece esta minha roda vida

De tão frágil marceneiro

Que com as palavras

Tenta construir bonitas peças de madeira

Que embelezam as estantes vazias

Pela tua ausência

Pela minha ausência

Pela distância física a que nos encontramos

 

E como vivemos juntos esse outrora,

Caçando nas mesmas matas

Procurando os cogumelos que tanto nos agradavam

Colhendo as uvas bravias e doces que nos matavam a sede

Porque não regressarmos,

Como se ele fosse eterno,

Ao passado?

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