EQUIMOSES
Não me apertam as saudades,
Tuas ou doutrem,
Mas sofro,
Sim, sofro,
Com todas essas as vozes
Que ecoam na tua cabeça
Às vezes,
M`espanto
E comove-me
Tanta obstinação caprichosa
Outras,
Abomino tanta toxicidade
Acaba explodindo o vulcão que existe
Nas profundezas da tua alma
A lava queimará todas as rosas e espinhos
E tudo se transformará em cinza
Escura como breu
E da água límpida,
Redentora,
Que é feito dela?
Estendes-me a salgada do mar
Que não me apaga a sede
E ardem-me as feridas antigas da minha alma!
E porque a vida não se detém apenas nos nós dos nossos dedos, mas atravessa-os e passa para os nós dos dedos dos outros.
E porque o rio, ora corre estranho, indizível e denso, ora se movimenta cristalino e agressivo abrindo uma fenda na rocha, desabando copioso desde o alto até ao sopé da montanha.
E porque as palavras, por vezes, soam estranhas e indecifráveis: falar ou escrever torna-se uma tarefa impossível de realizar pois falas tu, falas tu; falo eu, falo eu!
É chegada a hora de agradecer a vossa simpatia e o cuidado que demonstaram o que nestes meses fui escrevendo diariamente nas “Artimanhas do Diabo", o que me permitiu estreitar a minha escrita e os meus sentimentos com alguns de vocês, bem visível nalgumas mensagens deixadas nos meus textos.
Mas, neste momento, a exigência da minha atividade profissional e toda a ética que lhe está implícita é incompatível com a manutenção deste blogue. Pelo que, cessarei com a minha pulsão de escrita aqui neste espaço e, se nada me acontecer entretanto, quando me aposentar, cá regressarei para rever velhos amigos e apreciar novos talentos que entretanto possam ter nascido e passado a vivificar neste tão difícil mundo da poesia e da prosa ou das duas que convivem em simultâneo.
Vou continuar a escrever mas, como sempre o fiz até há bem pouco tempo, só para mim , como o faço há largos anos; até nisso tenho a costela materna da poupança e guardo os escritos, conservando-os para não esbanjar recursos.
A todos, as maiores felicidades e votos de um futuro melhor!
Assim como, de repente, comecei a escrever compulsivamente todos os dias e a publicar ; da mesma maneira, e algo até surpreendente, cesso com esta minha pequeníssima contribuição para o mundo das letras, ficando apenas e a benefício de inventário as minhas palavras e as palavras de todos aqueles que quiseram deixar os seus sempre bem-vindos apontamentos.
Há silêncios que matam, há, porém, outros que são redentores! A quem não se sabe ouvir e ouve sobre si, pela boca dos outros, o que não quer ouvir, deixo um pensamento judaico: “o topo da inteligência é alcançar a humildade” e que maior humildade do que submeter-se ao anonimato…
Respeitosamente
De quem não tem outro remédio
Etan Cohen
Rumino
Copiosamente as aparas
Colhidas das minhas prenhes dúvidas
Que, invariavelmente, me acompanham
E que não me deixam sossegar
Revejo
Uma e outra vez
A orgulhosa dimensão da minha saudade
Padre revolucionário
Agitado pela inabalável convicção no Homem
Desgostoso com a sua fé
Criatura intemporal e avançada
Sedenta em viver e amar
Mas desse efémero contato
Que guardo nas minhas memórias
De um passado já remoto
Assalta-me, por vezes, a dúvida
Se o adolescente viveu mesmo tudo aquilo
Ou tudo não passam de fantasias?
Mas como difícil foi persuadir-te
Padre,
Dos perigos em que vivias
E quando, finalmente, te convencestes
Que a ferida gangrenara
Havia uma sombra a perseguir-te
A tua vida baça, era futuro sem futuro,
E como negro se punha o teu destino
Detonaram-te
Desfizeram-te em fragmentos
E esse homem fascinante
Cheio de luz e brilhantismo
Ficou tão transfigurado
Que até o legista,
Na hora em que afincadamente pesquisava
As evidências mais sólidas
Que explicassem tão estranho rebentamento
Que lhe ceifou violentamente a vida,
Deixou-se envolver por fortes sentimentos
E trabalhou com afinco e meticulosidade,
Para cozer todos os orifícios do corpo
Lacrimejados de sangue ressequido
Revejo, miro o passado,
E avisto uma fresta transparente
Que me permite ver
O teu rosto escanhoado,
(conhecia-te apenas de rostos pululado de longas barbas)
Imóvel, abrupto, sem luz
Depositado no interior do caixão fechado
E ainda hoje não vislumbro
As razões do teu assassinato
Que acabou por te transformar num mártir!
Mas tu, padre,
Eras um homem que despiu a batina
E que queria, à viva força, ser feliz
E viver como um cidadão normal
Com um sonho estampado no rosto
E que não se cansava de repetir
A nós adolescentes:
- Acabar com a sociedade fascista…
Que nesses primeiros tempos de revolução cravina
Tardou, bastante!
E eras assim tão amaçador, tão justo desígnio,
Para te matarem como um perigoso criminoso?
Morreste cobardemente
Às mãos de gente estúpida
Primitiva e tão reles
Que apenas tinha no seu vocabulário
Vingança
E que estava nos antípodas
Do “quando não os podemos vencer
Junta-te a eles”!
Mas, padre revolucionário,
Será que, ao menos onde estás,
Vingaste-te, impondo os teus ideais,
Dos algozes que tão cobardemente te assassinaram?
Tenho a certeza que sim
Desassossegada criatura!
Ao padre Max
Desperto
Tão mal dormido!
Acabo questionando-me
Porquê
Tanta amargura
Tanto ódio destilado
Tanta frustração
Tanta obsessão
Para esventrar as almas
A própria e a dos outros?
Destruímo-nos
E destruímos os outros
Vendo em nós e nos outros
Apenas a raiz do mal!
Estendo-me na areia
Avisto, lá longe, um navio
Ignoro aonde se dirigirá
Mas sei que,
No espírito de cada marinheiro,
Há aquele desejo incontido
De algum dia
Encarar algumas das divindades
Que pululam o imaginário do oceano
A luz omnipotente
Lançada pelo farol
Irradiando longínqua pelo mar
Atraí sempre os marinheiros
Que a perseguem
Com aquela saudade estampada no rosto
Emocionados com o brilho intermitente
Do braço do velho faroleiro
Nas noites de brumas mais densas
Ouve-se ao longe
O brado rouco do farol
Que avisa os barcos dos perigos do mar
E que os conduz,
Como a um cego pelas ruas da cidade,
Até porto seguro
Sussurro ao mar
Os meus melindres
Confesso às centenas de gaivotas,
Que esvoaçam, cruzando-se no ar,
Levadas pelo vento,
As minhas mágoas
E a minha vontade necessária
Em chegar ao fim
Eu sou a fiel gaivota
Tu és o vento
Sempre tão imprevidente
Irrascível e desconfiado
Que não se cuida
Nem cuida de ninguém
As gaivotas fortalecem-se
A lutar contra o vento
Planando as suas asas arqueadas
Ziguezagueando
Penduradas no vento
Mas tu vives no meio desse ciclone demencial
Que te destrói e destrói os outros
Decepas todas as videiras
Vangloriaste de te dar com o diabo
Que, ardiloso, tudo destrói
O segredo estava dentro da garrafa
Mas rejeitaste-a olimpicamente
E correste a fulminar
Com esse teu veneno
Que te acaba matando aos poucos
Se queres viver aí onde estás
Vive nessa solidão
Pois pequena e burocrata é a vida
Para tantos ditames
Que diariamente efabulas
Melhor seria viver apenas a vida
E deixar que a paz regressasse outra vez às nossas vidas
Mas a paz, com algumas criaturas,
Será imensa e eternamente impossível!
Por ela viajo
Com a intermitência de um sonho
Que não acaba jamais
Que se repete uma e outra vez
Deixando-me voar e ser quem sou
Até consumir as minhas energias
E ser quem sou
Ou fui no passado
Seduzido
Absolutamente rendido
À sua incomparável energia
Deixo-me conduzir
Embalado pelo som de uma sitar
Que enxuga a minha alma
Das lágrimas da saudade
Percorro as ruas
Apinhadas de multidões consuetudinárias
Que não cessam de vir e de ir
Permanente som das buzinas de carros e carretas
E as vacas sagradas que se passeiam pelas cidades
Indiferentes ao bulício dos transeuntes
É o movimento de homens e mulheres
Que se meneiam circunflexos
Naquele sol que esquenta
No ar irrespirável
Que se respira
Naquele abissal território
Sons que penetram as nossas entranhas
Os sons dos idiomas que parecem preces
Pássaros escuros que voam
Aos magotes nas cidades
Ruas encardidas
Que dão um ar trágico
Gerações sucessivas de macacos
Que permanecem nas cidades
Vivendo pendentes dos homens
E surripiam, descaradamente,
Quando a comida não chega voluntária
Mas as ruas são, por si só, um repositório
Das imensas e demenciais contradições
Da pátria de Gandhi
Nas ruas fala-se de tudo
Da fé que os move
Da política e da corrupção que os envolve
Da vida, cada vez mais difícil e cara,
Do dinheiro, que é insigne em todo o lado,
Tão parco ali naquelas paragens
Do tigre que dizimou uma casa de agricultores
Ou da cobra que engoliu a criança
Mas na rua também se come
Também se namora
Também se firmam contratos
Com um aperto de mão
Na rua dorme-se
Defeca-se sem pudor
Ouve-se uma voz de falsete
Que parece chamar por Sagui
Escuta-se, com profundo respeito, o pujaris
Que disserta longamente
Entoando versos
Densos e de incomparável beleza espiritual
Mas a Índia é o Ganges,
Esse rio sagrado,
Que em Varanasi
Se multiplica de fogueiras
Iluminando as almas que partem
Até ao além
Rio formado na indomável
Energia dos seis irmãos
Acabando diluído na baía de Bengala
Quanta terra
Quanto sabor
Quanto suor
Quanta dificuldade
Quanta história
Absorves, ó Ganges,
Nessa tua viagem milenar?
Águas lamacentas
Que matam a fome
Aos que nada têm
Em certos dias causticados
Pela tragédia
Que, ali naquela pátria,
Está sempre eminente!
Criança
Que chora
Que ri
Criança, criança apenas,
Que não quer ser adulto
Criança que adula os seus sonhos
Que roça nas suas fantasias
E que acaba dormitando
No regaço da mãe
Criança, é mesmo criança,
Vive desenhando
Vive pintando
Imersa nas folhas brancas do papel
Garatujando singelos esboços de figuras
Que pululam a sua fértil imaginação
Com os frágeis lápis coloridos
Que a mãe a presenteou
Mas a criança desespera
Quando rompe as pontas dos lápis
E não consegue acabar os desenhos:
A casa, o mar, a árvore, o cão, o sol…
Mas, criança não desiste,
É mesmo assim,
Criança não envelhece
Não se esquece
Recusa crescer
Partilhar
Deixar de ser o centro das atenções
E por isso, criança,
Vai afiando as pontas dos lápis rompidas
Vai conservando as aparas
No meio dos livros
Que falam do João do balão
Ou da dona galinha
Mas, criança,
Nunca vai ser, ela própria,
Segura
Criança
Vai precisar sempre
Do peito da mãe
Para descansar
Criança
Vai precisar
Da dureza do cimento
Do caráter do pai
Para ser convicto
E, com a robustez deste,
Acabe derrogando todos os receios
Com que a vida o surpreenderá
Criança suplantará
As suas frágeis indecisões
Trará o sabor dos seus doces
Debaixo do seu ténue palato
Andará sempre com o ranho no nariz
Com a lágrima fácil a escorrer-lhe pela face
Com o grito ululante que percorre os cantos da casa
E mesmo no maior desespero
Do dia ou da noite
A criança acabará sempre rendida
Ao envolvente abraço
Da mãe
Da tia
Ou da avó
Pois, jamais se olvidará
Daqueles braços quentes e envolventes
Que a apertavam com o vigor
De um abraço forte
De quando era criança
Apenas criança, criança apenas,
Que importa mais na vida
Do que ser criança,
Somente criança?
Para poder ser beijada
E perdoada
Pelos múltiplos disparates
Que na sua qualidade
Lhe é permitido enquanto criança
Criança
Que te quero criança
Como quero sempre o mar acetinado
Brilhando no horizonte
Como quero as estrelas a cirandar
Nas noites cálidas de Verão
Como preciso do sol
Para me aquecer os ossos dos frios dias de Inverno
Mas criança também é
O pirilampo que se apaixona pela luz
Ou a água da nascente que corre para o mar
Atraída pela aventura
Mas criança não é ser um adulto pequeno
Em criança, sê criança mesmo,
É sonhar acordado
Fantasiando, pintando o mundo,
É ter amuos constantes
E logo a seguir correr para os adultos de braços abertos
Enchendo-os de talhadas de amor
E dos golpes precisos de um amparo
Mas criança é uma tão frágil criatura!
Enquanto a água do rio corre
Há esperança
Enquanto as ondas do mar esbranquiçadas
Se despenharem nas amenas areias da praia
Há esperança
Enquanto as andorinhas
Os cucos
Os gaios
Os corvos
(Ah…esses malandros dos corvos, tão inteligentes!)
As gralhas
E os pintarroxos
Arribarem às nossas terras todos os anos
Há esperança
Enquanto continuarmos a amar
A perdoar, a esquecer
A apreciar a beleza da vida
Há esperança
Enquanto sentirmos prazer em saborear
Uma doce e madura cereja
Uma suave amora
Um voluptuoso morango
Há esperança
Enquanto os taninos nos encantarem
E desafiarem a nossa imaginação
À procura da proveniência do vinho
Há esperança
Enquanto as trutas se esconderem
Nos remansos, junto às margens,
Tuteladas pelas sombras
Das folhagens viscosas dos amieiros
Há esperança
E mesmo que o rumo da vida
Se aparente a um desfiladeiro
De rochas abruptas e pontiagudas, garganta apertada,
Das margens do rio que corre suave
Amansado pela represa da barragem
Haverá também sempre esperança
Só não haverá esperança
Quando a palavra desaparecer do léxico
Quando nós próprios deixarmos de sonhar
Quando já não houver dia e noite
Quando a terra apagar, de vez,
A nossa passagem pela terra
Quando já não houver vontade
Mas sim outra forma de vida
Sem ambiguidade
Mas, debaixo da maior esperança que há no mundo,
Que em mim é razão de existência,
Quero continuar a calcorrear
Os caminhos que me atrevo a encetar
Para cuidar das pessoas próximas
Como se cuidam das frágeis flores
A apreciar deliciado os rouxinóis cantando
Nas proximidades dos regatos
Saltitando de júbilo nas copas das árvores
A contemplar, maravilhado, as mariposas
Que, com o seu voo saltitante,
Andam de flor em flor a colher
Tão precioso néctar
Mas a esperança,
Além de se desejar,
Constrói-se
Projeta-se
E mesmo que emerso na escuridão,
Em múltiplos desígnios
Que brilham nas noites de insónia
Haverá sempre a esperança
Que o mundo não acaba amanhã
Mas, esperança, é também passar o testemunho
Para que outros façam melhor do que nós
E esperança, haverá sempre esperança,
Quando não houver sequer um dia
Que não evoquemos os ausentes mais queridos
Para que essa esperança que temos hoje
De falar interiormente com a essência
Dos que partiram
Outros, amanhã,
Possam falar com a nossa essência
Quando, por fim, partirmos!
Vais-me dizendo,
Dizes-me…
E no derradeiro instante
Antes que possas perecer
Vens com a possibilidade:
A benefício de inventário
Mas logo,
Antes que as tuas exigências hereditárias se estabilizem,
Acenas com um “adeus”
E com uma magistral citação da Clarice Lispector
E num derradeiro esforço
Como uma guerra que travas interiormente
Resolves acabar!
Mas não te ficas simplesmente no acabar
Mas anuncias o derradeiro “fim”
Dramático
Do sangue que jorra de um dos olhos
Da lágrima embevecida
Que eclode no olho oposto
Mas o que me intriga
E concentra toda a minha atenção
É esse terço enrolado
Nas mãos eretas e apontadas ao céu
As mãos, essas que me mostras,
Parecem estar endiabradas e a rir
De mais uma das artimanhas Dele
Do mafarrico
E sentes que a tua hora parece estar a chegar
E queres, num derradeiro esforço,
Compartilhar com ele a tua dor
Mas bem na extremidade do terço
Que parece um prumo nas tuas mãos,
Emparceiradas uma na outra,
Eis que surge uma agonizante imagem
Que acaba por me provocar justo receio!
Uma caveira
Sim, uma caveira,
Descarnada,
Sem a pele que a cobriu em vida
Caveira
Despida, nua, monstruosa
Que mira com altivez
E parece pronta a mortificar-nos
Parece decidida
A levar deste mundo
Quem tanto gosta
De neste mundo viver e estar
E que tão gratas recordações
Guarda deste mesmo mundo:
Um mar delas
Que cintilam a cada passo
Como estrelas no céu
Mas como desistires de escrever?
Se a escrita está no teu ADN
Se a escrita, e só ela,
Te faz caminhar entusiasmada
Nessa vereda pejada de árvores
Que oxigenam a tua mente?
Mas, não me sai da cabeça,
Essa tua decisão
Que eu não sei se a levarás a efeito
Mas se a fizeres, mesmo contra a minha vontade,
Fá-lo, ao menos, como Mishima:
Seppuku!
Assim, tem mais impacto…
Minha imponente luz
Que ilumina a minha vida
E que cintila com a força de uma estrela
Aos que tiveram a fortuna de nascer
Na nossa linda e adorada Correia do Norte
Nunca escrevo…
A minha vida está totalmente
Centrada na fábrica
Para produzir
O que o nossoQuerido Líder,
Iluminado com a ajuda dos pais da Nação,
Tão sabiamente ordena
Mas como não podia deixar de escrever sobre ti?
Tu que és imenso, universal e único
E não essa figura inventada pelos traidores da nossa Querida Nação
E a quem lhe chamam deus
Querido Líder,
Tu que magistralmente governas as nossas casas
As nossas cidades, vilas e aldeias
E que nasceste naquela pobre cabana
Na montanha Paekdu
E que, perante o teu nascimento,
Uma imensa estrela cadente
Transpôs os céus
E o duro Inverno
Transformou-se em Verão
Iluminando o céu com um enorme arco-íris duplo
E a partir desse mesmo dia
A montanha Paekdu tornou-se sagrada para todos nós
E viverás sempre no coração dos norte-coreanos
Longa vida para ti
Descansa na sagrada montanha Paikadu
Pairando magistral pelo universo
Defende-nos dos nossos inimigos
Como nos defendestes,
Ainda agora,
De tão terrível pandemia
Que fulminará todos os traidores da causa socialista
Todos os dias penso:
Como é possível duvidar
Da imensa sabedoria do Grande Líder?
Que com uma tacada apenas
Conseguiu executar onze hole-in-one* consecutivos
E que acabou achando jogo demasiado fácil
Que o levou a desistir de jogar golfe!
Poema que bem podia ser da autoria de um anónimo, como anónimos são a maioria dos habitantes da Correia do Norte, e que terá, ou não, dado à costa no mar da Correia do Sul.
*Hole in one é uma jogada na qual o golfista acerta a bola no buraco com uma tacada apenas.
Parque
De lustro suave
Aveludado
Como se fosse uma pedra
Que traja com as suas vestes
Tricotadas a musgo
Sorriso incandescente
De verde esperança no futuro
Espaços amplos e arejados
De terra suturada
A relva viçosa
Perscrutam, aos saltos,
Com a velocidade de um desejo,
Na relva que se estende ao olhar
Os incansáveis melros
Que buscam ávidos as minhocas
Que se movimentam vagarosas
Pelo meio das gramíneas
Mostram-se os elegantes verdilhões
Que, jubilosos, interpretam
As suas velhas melodias de encantar
Cintilam os pirilampos nas noites quentes de Verão
Flutuam nas águas do apertado ribeiro
Os incansáveis alfaiates
De supetão, quando se aproxima alguém,
Saltam para a água as rãs,
Que aquecem a sua pele viscosa ao sol
Escondem-se os ardentes amantes
Buscam as folhagens mais densas
Que os proteja dos olhares
De quem não aprova
Um simples beijo em público
Mas naquele parque
Avistam-se árvores subjugadas
Aos rigores climatéricos
Às podas sucessivas
Que os infatigáveis jardineiros
As vão submetendo sucessivamente
Mas naquele parque
Vêem-se flores
Que expõem com brandura naturalista
As suas fulgurantes cores
Ou outras, primas das primeiras,
E que exalam os seus belos odores
Que fazem daquele espaço
Uma agradável orquestra
De múltiplas fragrâncias
Que estimulam o nosso olfato
Mas tão belo e equilibrado parque,
Projetado e construído
Genuinamente,
Pelo engenho humano,
Não dista muito do centro da cidade
Mas não se fica por ali
O parque
Atravessa-o, ou melhor,
Rasga-o um pequeno riacho
Que corre, corre, sem cessar
De cadência firme e agitada
Adubado pelas férteis terras
Por onde ele passa
E foi ali, no meio daquele Império açoriano,
Erguido em memória da mão natureza,
Que pela primeira vez tive a mão dela na minha
Olhei-a profundamente
Cravei-lhe um olhar que não a deixou indiferente
Ao de leve, vagaroso, com a paciência oriental,
Acabei roçando-me pelos seus seios
Que se enrijeceram e se avolumaram
E foi ali que me dei conta
De como ela arfava de contentamento
Perante a minha proximidade
Excitada pela minha envergadura
E eu tinha-a defronte a mim
Tão pequena e tão frágil
Como se fosse uma rosa nas minhas mãos
E nessa proximidade
Que rapidamente se tornou intensa
Que ela me confidenciou
Como lamentava não me conhecer há mais tempo
E se foi encostando ainda mais a mim
Quando sentiu a dureza da minha excitação
Por fim beijei-a profundamente
E sorvi ufano a sua saliva
Como uma borboleta
Ao aspirar o néctar das plantas
Quando perpassei a língua dela
Senti-a a explodir de sentimentos
E nesse êxtase final
Dei-me conta,
Louvando a indesmentível beleza daquele parque,
De que como fulgurante e arrebatador
Nos confere
A multiplicidade de reações e de sentimentos
De quem vive a força
E a intensidade
De uma paixão correspondida!
Não te quero ter
Só para te exibir
Como se fosses uma montra
De um luxuoso mostruário
Não te quero ter só para possuir
As tuas quimeras, os teus desejos
E te transformar
Em minhas quimeras e desejos
Quero-te ter
Para te olhar densa e profundamente
E gravar
Na pura seda que esvoaça ao vento
Todas as minhas súplicas
Que, ininterruptas, não cessam
No decurso da minha vida
Como o brilho das estrelas
Que cintilam no eterno firmamento
Olho para a tua alma
E que vejo?
A tua grandeza, profundidade e empolgamento
Do teu complexo ser o que me comove?
Ver gravado
O teu e o meu
Nome!
Enxergo na tua alma os teus olhos
Que, ora veem,
Ora sentem mais do que o que veem
Mas deixa-me escutar as tuas preces
Deixa-me ouvir as músicas
Que nós os dois ouvimos
Tantas e tantas vezes
Deixa-me penetrar nesse teu intenso coração
Para ver como ele bate assaz melodioso
Que sustentará todas as dificuldades:
Ausências, amuos, zangas
E onde as cores vistosas
Do universo
Incendeiam
Ainda mais
A nossa intensa paixão
Nos teus olhos
Que, com o tempo,
Acabaram resignados
Ao que cada um de nós aportava
Vejo correr a intensidade do amor
Da paixão
Que não te largam jamais
Da incessante atração
Dos nossos corações
Que, mesmo envoltos em espinhos,
Nunca se esqueciam
De acalmar a nossa ira momentânea
Essa tua indómita vontade
De viver arrojada e impulsivamente
Não cessa de me envolver
E de me aquecer
Como se fosse uma manta
Que me acalenta todas as evocações
E os instantes de vida que o meu corpo
Sente
De cada vez que te evoco
Mas longa é a memória
Curta é a vida
A noite captura o dia
O sol desaparece do céu
A vida em sombras
Perpassa pelos ínvios momentos
Dos descoloridos reflexos
Que se assomam, aos instantes vividos,
Ao que memória nos concede
Mas tu está lá
Está sempre lá
E mesmo que te ausentes para parte incerta
A força da tua luz,
Como uma aurora boreal na longa noite,
Dá-me a dimensão
Do fulgor do brilho que resplandece
Dento de mim
Sobre ti!