A música surpreende
Vinda dos acordes
De Emma-Jean Thackray
Concedendo-nos a perspetiva
Tantas e tantas vezes repetida
Que as aparências
Físicas
Está bom de ver
Enganam
E como estas desmentem
As ilusões criadas de lugares comuns!
Grassa e retesada oligarquia
De traço refinado e empolgante
Que nos arrebata os sentidos
E não haverá um único poro
Que deixará de ficar indiferente
E medrará rubicundo
Perante,
Seja ilusão, seja realidade,
O teu incomensurável olhar
De prostração eminentemente gutural
Que empolga enquanto a música
Saí exclamativa
E eminentemente rigorosa
Um jazz
Que casa com os modernos ritmos
Dançantes e rítmicos
Onde o bom gosto impera!
Limei arestas
Estabeleci possessões
Nos cantos mais longínquos do antigo império
E acabei fundeando amarras
Ao largo da cidade
Pululada do cheiro de especiarias no ar
E ali me quedo
E ali me quedarei
Até conduzir uma motorizada Bajaji
E atrás no banco
Siga uma mulher encavalitada
Sem envolver a sua púbis no assento
A sorrir, sempre a sorrir ,
E a dizer em goês delicado:
“Quem já viu Goa não precisa de ver Lisboa”!
Contemplo-te
Mar sereno e anisado
Não demasiadamente longe
Para não me deixar trespassar pela indiferença
Nem excessivamente perto
Para não ser esventrado
Pelo gume cortante das ondas
Que crescem na medida de um dicotómico humor
Que é a sua tirania endémica
E deixo-me embalar
Nas tuas doces ondas
Que aconchegam os veraneantes;
Estes homens, mulheres e crianças
Que parecem agora viver na praia
Expulsaram as gaivotas
Que no seu remanso
Parecem estar sempre em busca da verdade,
Mas estes minúsculos pontos bronzeados
Que cintilam na areia
De verdade têm tanto
Como certos profetas
Que vivem obcecados
Por serem amados apenas;
Recoloco o ouvido
À escuta de um murmúrio
De uma palavra
De um grito
Que me leve até ao longínquo farol
Mas ali
No meio daquela multidão
Inclemente
Multicolor
Multicultural
Nada vaticino
Receoso
Para não cessar
Com aquela contemplação
Que me salva da dureza da vida
Feita de pequenos instantes
Neste verão que se aproxima
Onde por fim
Me reencontro e sou feliz
A contemplar
Aquela paisagem
E é nesse instante
Que sou surpreendido
Pela passagem de um cruzeiro
Que coerente
E luminoso
Se ergue do mar
Para percorrer distâncias infindáveis
Embalado nas doces madrugadas
Pelo belo canto das sereias
A escrever belas páginas
No seu jeito caprichoso
De marinheiro
Que não é de ninguém
Nem pertence a lugar nenhum…
Mas ciclicamente
Avisto dois marujos
Num arquipélago africano
Assanhados
E a lutar pelas meninas
Que, num momento de descontração,
E exaltação,
Estavam dispostas a algo mais
Do que colar o seu corpo
Descrevendo uns ondulantes passos de dança!
Dizem-me que ouvistes o mar caprichoso
Que te deixaste penetrar
Pelos seus braços
Feitos brumas
Tão imensamente espessas
Ardentes
Fugidias
Que se não deixam capturar
Que se não escondem
Nem no restolho
Nem na vacuidade
Mas na paz contemplativa
De uma imagem eterna
Que acaba por abrir as narinas
E conceder a suprema lucidez
Mesmo que seja por um breve estante!
Na areia ofuscas as tuas dúvidas
Não cedes
Às hesitações
Aos fracassos
Às tiranias
Caminhas com a vontade de uma adolescente
Galgas esse fosso
Tão avaramente construído
Nos augúrios das desilusões
Que te impedem de usufruir da felicidade
E por isso
Escreves copiosamente
Tateias uma a uma
As ideias
Que te concedem a suprema inteligência
E acabas sorrindo sempre
Como uma adolescente
Às provocações
Com provocações
A fazer lembrar
Uma personagem camiliana
Uma luciférica alma
Que paira nas linhas da Agustina
Mas resplandecente
Como sempre
Acabas por deixar
Palavras desenhadas
Desse coração aberto
Que quer ser de todos
E colocas o manuscrito numa garrafa
Encerra-lha
E lança-lha ao mar
Deixando-a navegar na subtileza
De que quem a encontre
Salve,
Enfim,
A sua honra despojada
De toda a vaidade!