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O piano soa os seus acordes
Como palavras declamadas
Um conjunto de teclas que se harmonizam
Os dedos procuram afanosamente
As notas musicais mais consistentes e melódicas
Um corpo tão minúsculo*
Que se debruça sobre um piano gigantesco…
Ocultas-te nas palavras
Nas sílabas azuis
De um mar calmo em dia de galanteios
Frases açucaradas
Vindas de um pensamento
Que se revela pesaroso
Em cada instante
Lamentando-se da ausência de tempo
Para prestar mais atenção aos Homens;
Trazes um mundo ancião
Intemporal e permanente
Dentro de ti
E já o tinhas logo à nascença
E nele vives
Acossada e em sofrimento
Para não pensares muito na morte
Que inevitavelmente testemunhas
Daqueles que necessitam
Dessas lindas mãos aveludadas
Sedentas de amor
E que só elas sabem cuidar com tanto esmero;
Ombreiras se abrem quando a tua voz soa
Como aquele piano acompanha cada palavra
Cada pensamento
Cada evocação
Que, pelas sílabas que afanosamente projetas na tua página,
Atingem-nos no nosso âmago
E alcançam a nossa alma
Que não está acostumada a uma fala assim
Que, logo nos primeiros acordes,
Faz eriçar a nossa pele
Embarga a nossa voz
E imediatamente nos interpela
Pois essa voz que tanto nos emociona
Tem timbre de divindade
E chega aos mais ínfimos cantos do universo;
A tua praia
A tua areia
As tuas gaivotas
O mar azul vigoroso
Sem olvidar o farol
Que tanta nostalgia se traz
Esquecido agora no desfiladeiro junto ao mar
Que já não soa
Já não cintila nas noites escuras
Mas contém esse mantra que te persegue
Recordações de verões felizes
Em que se escreviam na areia
Lindas frases de amor
Onde amaste e foste amada
E quando cresceste
Tornaste-te mulher
Rapidamente
E como mulher receosa e adiada
Recuperas o folgo
Dos dias cândidos
Belos e intermináveis
Da adolescência
E é aí que soa um saudoso piano
Que improvisa no meio das tuas sempre bonitas sílabas
Que em liberdade
Tornam-se imponderáveis e imparáveis;
Em certas noites
Vislumbro essa canoa a deambular pelo lago
Com a lua refletida na água
Que parece celebrar o reencontro
Das sílabas
E dos versos
Que trazem da antiguidade
A sabedoria luminosa
Que tanto ajudam na contemporaneidade
A tornar densa a vida
E os pensamentos!
* Michel Petrucciani
![Os-campos-de-lavanda-da-Provença-915x511.webp]()
Delgado e gracioso traço de um semblante
Há muito esquartejado da palavra paixão
Um sorriso gracioso e explosivo
Que não se contém
Ao contemplar um corpo que a seduz
Fina flor que irradia
Aspiração
Sentimento
Vaidade
Envolvimento
Coragem
Empolgamento
Desistiu de lutar
Enfadonho
No seu terno formal
Mas em certos dias
Capaz de cintilar num olhar
Que nos prende
Nos conquista,
E como seria eu capaz de derramar
Os meus jactantes fluídos
Nesse jardim encantado
Onde medra essa linda flor
De cabelos ao vento
Descalça
E submissa
Que grita até à eternidade…
Mas é insubmissa
Que ela se sente feliz e graciosa
A calcorrear essa longa caminhada
Que, pé ante pé, não se fatiga jamais
Porque sulca esses campos medrados
Agita os seios húmidos
Permite que uma pétala
Que navega ao entardecer
Encafuada numa gota espessa
Pelo seu ventre
Deposite esse amor infindável
De uma mão enfaixada numa mão
Maior e possessiva
Porque é paixão que brota dentro de si
É um regalo à vista
Examiná-la
De fino corpo
Que eriça ao toque
Ao de leve
Que se levanta
Assaz meticuloso
Que se entusiasma
Pela longuidão e profundidade
Do corpo a seu lado deitado
Como se uma vida deslocada
Numa vida inteira
Por fim
Se desvanecesse
E pudesse avistar
Toda a sua paixão
Refletida nos olhos esverdeados
Que a seu lado a admiram!
E nesse recanto frondoso
Debaixo daquele caramanchão frutuoso
Fomos tão felizes nesse verão!
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Com que ledo
Te apresentas
Esboço
De mim
De ti
Alma angustiada
Sem descanso
Para não me dar sossego?
Exultas esse teu ódio
Contra o bem
Tentando arruinar o meu prazenteiro amor;
Inefável vontade em destruir
Em arrasar a concórdia
A paz quando a guerra não se anuncia
Que como penumbra que se insinua ao longe
Batalha perdida em Alcácer Quibir
Como reino sem rei
Como vida sem maceração
Atravessas paredes e projetas a obstinação
E tudo por achares que te roubei o morgado
E pareces dizer
Por cada aparição
- Ele não soube escolher a sua consorte…
E expias todas as noites em levitação
Pelas paredes que tu próprio construístes
E que,
Com tão denodado empenho,
Lutastes até ao último suspiro para que ali governasse
Uma outra rainha
E por isso
Exiges a minha expiação por te ter destruído tão absurda ideia
Mas não cedo a tais projeções
Sim, não cedo a essas insinuações de uma alma penada,
Que não me assusta
E fixo sempre os meus olhos temerários sem titubear contra a tua penumbra
Que é como polvo sem medo
Sagaz e flibusteiro
Que busca a sua toca escura e trapaceira
Para capturar as suas presas
Mas eu não cedo a nenhuma das tuas tentações
E ergo-me sempre contra essa tua verborreia
Que já não fala
Não se expressa
Apenas se projeta à minha frente
Para me assustar
E, indestrutível, não cedo a essas tuas ameaças
Às tuas aparições ameaçadoras
Para que eu demande assombrada dali
Mas, antes, vivo resplandecente nessas masmorras que construíste
Onde tantas vezes afugentaste a tua pobre consorte
Minha saudosa e bondosa sogra;
Tua maldade viperina
Não vencerá
Não passará
A minha arte é não ceder às quimeras dos outros
É fazer o que a minha consciência e os meus sentimentos querem fazer
E tu isso não sabes consegues
Perceber
Resolver
Mudar
O que o teu filho quis
Porque alma penada é como um gaz
Que surfa apenas nas ideias!
![A_Menina_do_Mar_Fernanda_Fragateiro-1-e15757708436]()
De aparência suave
Frágil
Parece até de porcelana
Olfato apurado
Indelével agilidade
Entra-nos
Pelos nossos olhos
Como uma eterna menina
Olhar inquieto
Irreverente
Que não se curva a ninguém
Que parece querer fugir
Aos olhares
Perscrutadores e incómodos
De uns quantos desafiadores
Eterna e sonhadora menina
Lívida
Como uma princesa nórdica
De um dos contos
De Hans Christian Andersen
Corajosa
Empedernida
Disposta a alcançar a sua Alma
Como A Pequena Sereia
Mas sempre fugidia
Distante
Envolta no seu mundo misterioso
E de lá não sairá jamais
Vivendo na solidão
Que escolheu viver
Entre a escrita e a leitura
Sem se importar
Com o que cada um pensa de si
Ilude-se
Entusiasma-se
Empolga-se
Vive
Com as sílabas que vai tateando
No teclado
Onde parece
Envolver-se
Em épicas batalhas
Entre os dedos e a sua poderosa mente
Que se acicata
E agiganta
Ao menor sinal de um desafio de escrita…
Ei-la
Em todo o seu esplendor
Ancorada ao passado
Onde espera
Encontrar
Algum dia
Numa poça de água veraneante
Aprisionada nas rochas da Granja
A Menina do Mar
Para a levar a conhecer
O fundo mar!
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Amai-me
Senhor
Amai-me…
Como às sílabas
Que se querem livres
Devotas a nobres sentimentos
Que
De vós
Tão eloquentes
Cultivais
Atravessando o reino
A cavalgar na garupa
Desse vento madrugador
Que chega
Às donzelas
E que tão inebriadas ficam
Que soletram sem igual
Frases
Belas
Sonoras
E inspiradoras
Doadas pelo soberano
De Portugal e do Algarve.
De tanto
De tanto
Me quereis bem
Meu senhor
Não me olvido
Do timbre da vossa voz
Quando recitais
Para mim
Palavras que parecem vir do Céu
E como viçosas tornam as plantas do jardim
Que há em mim
Dessa paixão inigualável
Que tendes por donzelas formosas
E que tão bem me aceitais
Intransigente com a pobreza
Incomodada com a fome
Que grassa no Reino;
Porém,
Vós Senhor
Meu Senhor
Sóis homem de Vistas Largas
E não há em Portugal igual!
Ó Senhor
Ó meu Senhor
Que me trazeis bendita
Numa imensa alegria
Quando
Ao acordar pela manhã
Discirno
Vosso odor impregnado
Que a meu lado se acoita
E que
Ao contemplar-vos
Tanto me inebria
A vossa tez
Trigueira e poderosa
Madura e sapiente
O vosso rosto longo
Cingido por olhos negros
Cruéis
Inesquecíveis
Enleado por espessa barba
Tão viril…
Só vós
Senhor
Me entendeis
Nesta mescla de sangues
Que eu sou:
Aragonesa e siciliana,
Deixai-me exibir para vós
As rosas escondidas que trago no meu vestido
E onde o meu coração sangra
Porque
De vê-las…
De vê-las…
Iluminadas pelos archotes
Suspensos
Das mãos
Das minhas leais aias
Me ajudaram a suster
O pranto
E que
Em vez de lágrimas
Correram pela minha face
Óleos
Com fragâncias de rosas
Que jurei
Em janeiro
Tê-las no meu regaço!
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Todos os dias
À hora do costume
Faça sol
Chuva
Ou um interregno entre uma coisa e outra
Os omnipresentes pardais…
- Que tantas vezes
Testemunhei
De bico escancarado
Nas tórridas jornadas
Da linda cidade de Sevilla
A sonhar com o seu rei poeta Al-Mutamid
A declamar nas margens do Guadalquivir…
Iniciam as tardes
Mergulhando
Nas intrincadas folhas
Suspensas
Nos garbosos braços
Do velho jacarandá
Engalanado
Pelo seu trajo de gala
Servido por exímio manto colorido roxo;
Chilreiam
Agitados
Avolumando-se
Dengosos e celestiais
A debicar-se ternamente
Exibindo grandeza afetiva
Ignorando
O que se passa no mundo
Que nós humanos gostamos de traçar
Mas aos pardais
Apenas lhes interessa a sua segurança
Daí o seu olhar
Apreensivo
Cético
Sério e grave
Com que mimoseiam os Homens!
E eu
Invariavelmente
Todos os dias
Estendo-me
Na companhia do meu fiel amigo
Que jaz deliciado sob as minhas pernas
Enquanto procuro arrumar uma siestazita,
Deliciando-me com o mergulho dos pardais
No mar de águas agitadas arroxeadas
Buscando
A frescura de uma sombra
Ou o aconchego
Nos dias frios de inverno.
Mas os pardais
Parecem-me sempre
Tão felizes
E exultantes
Que dou graças
Em me sentir
Como um destes pardalitos
Que frequentam esta árvore
Amaciada pelo roxo das suas flores
E não como uma dessas aves
Que se refugiam nas grutas
Escuras, frias e medonhas
Onde a depressão se avoluma
E pinga
Como suor
Em dia de canícula!
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Imploro
Agito-me
Perante a imensidão
Do deserto
Onde cada grão de areia
É um desejo!
Visto-me
Com a escassa roupa
Que, punindo-me,
Me deixaste
E eu
Perorando
Na correnteza
Tórrida e demencial
Dos dias
Suplicando
Para que a noite não venha
Para não morrer de frio
Na solidão deste deserto que escolhi viver.
Mas dias e dias
Noites sobre noites
Na companhia de um tigre
Acabo habituando-me
A caçar furtivamente
A não ter compaixão de ninguém
Nem mesmo de mim mesmo
Fustigado
Pela indomável mesquinhez
Abalado
Pela gratuita cobiça
De quem acha que os sentimentos
Podem ser compensados
Com coisas e objetos
Para mais tarde
Sobejar
Uma aviltante saudade
Tão demencial
Como despropositada!
Mas todos os dias
Na companhia do experiente tigre
Deixo-me envolver
Pelas suas histórias
Acompanhadas de dissertações
Sob façanhas
De um velho marajá
Que tinha mais de uma vintena de mulheres
Perto de uma centena de descentes
E que
Dizia-se
Não conhecia
A imensidão das suas terras
E quando estava para morrer
Meteu-se solitário
Pelas suas terras adentro
E nunca mais foi avistado
Diz-se
Ainda hoje
Que acabou transformado em tigre!
![imgLoader.jpg]()
![160920161702-459-ViladeCuba.jpg]()
Há cidades
Vilas
Lugares ou lugarejos
Que nos são
Aprazíveis
Sem que nos cansemos
De os revisitar
Evocando-os frequentemente;
Há duas localidades
Tão díspares e distantes entre si
Que, em mim,
Concorriam nessa posição:
Cuba no Alentejo
E Ovar na Beira Litoral
Terras de nascimento e de residência
De um Amigo especial…
Bastava ouvir pronunciar
Cuba
Ou ovar
Logo surgia iluminada
A figura deste meu amigo;
Porém, a sua partida
Deixou-me o vazio…
Resta-me
Recorrer
À evocação
À saudade já
Cuba
Onde deu os primeiros passos
E Ovar
Onde passou tantos anos da sua vida
Descansa em paz
Na tua Cuba natal
Meu Amigo
Auf Wiedersehen Príncipe!
![Rouxinol-4.jpg]()
Abraço contido
Contigo
Sempre contigo
Ou do que resta da esperança
Do desejo que resplandece
Nos corpos entrelaçados;
Açude de salmões
Patos a esvoaçar
Corvos meticulosos
Que imitam a tua voz
Num apelo estridente
Que te vem de dentro
Olhares inquietos
Que acabam por te juntar a mim
No silêncio de um instante
Sobre a mão que aceito
Aberta e voraz
Que me conduz nas ruas abertas
Rodeadas de casas entrelaçadas
Que me lembram a força dos nossos sentimentos
Num remanso de velhos jardins
Onde se ouvem rãs
A rejubilar de desejo
Na eira iluminada por um sol
Que ilumina as brumas
E os tremores
Do velho cavalo
Que galopa sem cessar
A relatar todas as histórias
Das vidas das gentes
Que pululam no quarteirão onde moro
E, sem pressa,
Acaricio o teu cabelo
Fixo o meu olhar
Indelével e solitário
No desejo latente
Do teu
Que cintila
Desde que o vi a primeira vez
E deixo-me comover pela tua voz terna
Emancipadora
E acabo beijando-te
Mesmo que por breves instantes
Sem me questionar
Por que o faço?
E com este poema
Sorrirei impulsivamente
Até que os meus lábios
Envolvem os teus
A escutar a voz do vento
Que não se contém
A penetrar num sorriso impulsivo
E aviste
No regaço desse mar
Carregado de corais
O teu olhar
Indomável
Que não me saí da cabeça
E te leve até mim
Possuindo as façanhas
Da menina e moça
Que anda sempre em busca
Do terno rouxinol
Sem que jamais o encontre!
![sesimbra-1409071.webp]()
Folheio
Ombreado pelas talas contemporâneas
O livro do meu passado
Páginas e páginas
Impressas
Com palavras
Carregadas
De sentimentos
De verdades
De desejos
De impulsos
Sílabas cravejadas
De pó
Acumulado pelo tempo
Exalando tanta verdade
Tão difícil de encontrar hoje em dia;
Numa dessas páginas
Desse meu passado cada vez mais longínquo
Fisicamente
Mas tão presente emocionalmente
Assinalado por uma folha ressequida
De um enorme plátano
Que encima a colina
Que alberga o castelo e o cemitério
Estava lá
A P…
Delgada
Morena
Angelical
Entusiasmada
E assaz solidária
Como ninguém
Com uns olhos
Que Deus lhe deu
Clareados
Iluminados
Pela luz intensa
E omnipresente
Do mar ali tão azul…
E quantas vezes
Nos escapulíamos para a ponte
Que comandava o navio
Ancorado
Naquela falésia entrecortada
A contemplar o mar
Que
Em certos dias mais luzidios
Nos consente a vista até à industrial Sines
A falar dos temas que nos eram caros
Eu da minha hipersensibilidade
Que sempre foi precoce
Mas latente debaixo de um manto frio
E tu
Das saudades
Da tua traumática Angola
Que te foi esquartejada
Mas do quanto ali foste feliz
Crescendo debaixo de uns pais protetores
Ao lado das irmãs
Que incessantemente
Apreenderam
Uma lição de vida
Um ritual de emancipação que se repetia
Sucessivamente
Subindo ao velho embondeiro
E lançando-se
Até ao solo
Coberto de terra
Avermelhada
E tão odorífica!
Hoje revi-te
Numas dessas fotografias
Com que te apresentas na atualidade
E os anos parecem não passar por ti
Mulher
De cara de anjo
Que continua impregnada desse olhar
Belíssimo
Esperançoso
E inolvidável
De quem sempre busca
O bem da vida!