Alma gémea,
Fundeada a nau
No cais
Onde carrego e desonero as minhas exaltações febris,
Diamante em bruto
Que vou lapidando até ao êxtase,
Companheira de infortúnio
Entranhada na minha imaginação
Hoje é sua parte integrante!
Expurgaste
Paulatinamente
A solidão do velho marinheiro,
Pirata dos mares do sul
Comparsa do progenitor da Pipi Longstocking,
Sustentado nas memórias do passado:
Do macaco senhor Nilson
Do cavalo branco sarapintado
E dos amigos Tommy e Annika;
Mergulhei contigo no mar da fertilidade
Deste-me a esperança
Não o desespero
Da espera
Como se tivesses dentro de ti
Essa velha sabedoria oriental
Que mimoseia e venera
Os mais idosos,
E nem esse mar
Que ora,
Surge de palavras suaves
Para acalmar as sereias
Ora,
De rosto enraivecido
Esbarra furibundo contra as escarpas
Que demarcam os seus limites!
Vieste ao mundo para ser uma estrela
Quiçá, nome de galáctica,
A cintilar no firmamento
Para inspirares a Graça daqueles homens
Que tão bem te sabem louvar
Mas, de súbdito, apagaste-te na noite escura como breu
Na vastidão oleosa de um mar inerte
Fétido
Que te deixou sem esperança
De retornares ao belo semblante de um céu
Que sem ti
Faltam-lhe os olhos que miram a esperança!
Mas hoje
Voltas a subir ao céu
Rejuvenesces
Lampejas
Dás arrojo
À firma vontade daqueles Homens
Que creem na felicidade terrena;
Que
Os deuses te voltem a iluminar
Como quando nasceste e foste aquela estrelinha no céu
A brilhar de jubilo
Nessa viagem que te fez vir a este mundo:
Para que possamos louvar, ao menos neste dia,
O testemunho do amor
De duas humildes pessoas
Plenas do amor
Para distribuir pelos que são
Sangue do mesmo sangue!
Escorro da tua face
Esboroada pelas marcas do tempo
Onde deambulaste como um tuaregue
Nesse imenso deserto
Murchando
No desespero da última gota
Amofinando
No tédio de uma vida
Sem honra,
Não tiveste o merecimento
Da alma de borboleta
Que há em ti desde o nascimento
E que de si
Tudo sempre deu
Aos outros
Suor gélido de uma vida sem grandeza
Transpôs os poros
Cedendo aos limites da epiderme
E acabou esfumando-se em coisas fúteis e comezinhas!
Louva-te
Caminha ligeira
E dá-me
Esse teu sorriso jovial e fresco
Retemperador
Que tantas vezes foi reprimido
E que acabou se apagando
Tristemente
Para passar a ser
Só teu interiormente
Porque o simples rir
Tinha que transpor o crivo
Da razoabilidade
Do bom senso
Do circunstancialismo;
Refugiaste-te tantas e tantas vezes
Na imensidão do céu estrelado
No silêncio soturno das noites
Passadas em claro
Nesse mar de areia infindável
Onde os fortes impõem a sua lei
Aos mais fracos
Aos Entorpecidos
Aos que desistiram de lutar
Pela dignidade de uma vida melhor
Ou que pura e simplesmente
Desistiram de galgar
As dunas que sempre os aprisionaram;
Alma ardida
Dissecando ao detalhe
A ausência de uma coragem
Que tardou em vir
E que foi adiando o calabouço
Montado no inóspito deserto
Onde impera o hábil lacrau
Que irrompe
Paladino e corajoso
Pela areia
Em busca de presa frágil e fresca
Carregado de veneno
Que o há-de matar!
Mas chegou a hora
Levanta-se
Só dá
Quem tem o mérito de uma nobre alma
E essa
Esteve sempre ausente da tua vida,
Se não lutares
Por almejar um desejo
Um sonho
Uma quimera,
Ainda que seja da grandeza do céu
Da vastidão infindável de uma galáctica
Ou simplesmente de um simples jardim só teu
Para te dar as flores
Que,
Todavia,
Alimentam a tua esperança,
Não abandonarás o deserto
Para onde acabaste sendo levada
Que te foi consumindo
E que acabou tragando-te!
Neblina
Que goteja na manhã madrugadora
A agulheta escorre
Grão a grão
A fina areia
Em busca do discernimento,
Não vejo as searas
Salpicadas de papoilas
Que crescem selvagens
E que nunca se submetem à vontade da razão,
A música
Envolve
E envolve-me
Penetrando até ao âmago da minha alma
Acabo a escutar o silêncio na manhã baça
De súbito,
Um pintassilgo
Passa por mim em voo oscilante
A cantarolar
Esbarro numa aranha
A tricotar o ardil
Do que a há-de alimentar
A meus pés
Passa uma formiga laboriosa
Incansável
Transportando às suas costas
O peso das ameaças
Que a esperam
O mar prateado
Tímido
Aos solavancos
Liberta a espuma da desilusão
De quando
Em quando
Solta um bramido
Para espantar o tédio,
O invisível farol
Nos dias de neblina
Avisa as embarcações
Da sua presença
De repente,
A surpresa entontece a esquálida areia
Esquecida nos primeiros dias de setembro
Nua e a descansar do fatigado verão
O mar encrespa-se
Vomita os excessos
Atenua as diferenças
E,
Uma vigorosa ondulação se enleia
Sob a minha recordação
De todos os homens e mulheres
Que se cruzaram comigo
Uns que me quererão sempre o bem
Outros
Assim, assim
E outros ainda
Que não me perdoam
Nem nunca me perdoarão
A minha ousadia,
E é então
Que naquele derradeiro instante
Pulula sobre a minha cabeça
A recordação de todos os homens
Dos mais aos menos valentes
Que pereceram no meio das vagas das suas vidas
Que me fizeram sentir frágil
Mas esperançoso
Pois encontrarei um lugar
No meio deles
Na frieza tumular
Debaixo de uma árvore aprumada
Rodeado de palavras escritas sob pedra
Onde escreverei aquela frase
Que pedirei emprestada
Ao poeta narrador William Butler Yeats:
“Lança um olhar gélido à vida, à morte; cavaleiro, segue em frente!"
Deflagram
Como constelações geométricas
Os sonhos
No silêncio retemperador
Da madrugada;
Contemplo
Examino
A anos-luz dali
Aquele minúsculo ponto cintilante
Surges,
Então,
Como uma sumptuosa mansão
Onde pudeste viver
Mas,
Abandonaste-a sem mais;
Virei-me do avesso
E enrolei-me
Num dos sonhos
Que me trouxe a indelével vontade
Para erguer a minha ira
E que acabou por não me deixar serenar
E nele vi
Uma silva crescida
A cercear a minha
Vontade
Brami uma espada
E do sonho se reergueu
Tonitruante
Uma marcha a clamar às armas
E foi onde te vi derrogar a vontade
E, como um livro folheado,
Outro sonho sobreveio:
Uma fogueira
Acendeu-se sozinha
Alimentando-se a si própria
Invadiu o vale
Onde vacas pintalgadas
De manchas pretas e brancas
Retesavam a relva
Arrancavam-na definitivamente
Com violência
Engolindo-a
E, como as ondas no mar,
Uma e outra vez
Pausadamente
Uma a seguir à outra,
Um sonho
Vem a seguir a outro
E é nesse clamor onírico
Que vejo partir as últimas andorinhas
Nesse derradeiro sonho
Que o é de toda uma vida:
Voando
Na sua companhia
Na viagem de regresso
Até sul
Onde,
Na primavera,
Iniciam a grande viagem
Até ao norte
Invadindo o céu azul
Com aquele voo circundante
E é com o vento uivante
Girando sobre si próprio
Que avisto o Cabo da Boa Esperança
Então,
Poderei caminhar calmamente contigo
Para mais um sonho
Experimentar rodeado pelos teus braços
E tombado sob o teu negro peito
Relembrando-me
E um sussurro vem até mim:
- Não te esqueças que eu existo!
Título de uma canção do grupo brasileiro Bogarins
Só
Não ficarás
A padecer
Nesse limbo
De silêncio
De terra
Empedernida
E sepulcral
A sofrer
Interiormente
Na textura
De uma vida
Indigente
E adiada
De felicidade conjugal!
Tantas vezes
Te entregaste
Aos prazeres mais íntimos
Aguilhoada
Nas amarras
De uma solidão
Em noites infindáveis
A divagar
Angustiada
No interior de uma escura galáctica
No desespero atroz
Da tua voz sucessivamente ignorada
Que se foi silenciando
E que sucumbiu naufragada;
Ó dissabores de um leito gélido
Que foram acalentados
Por essa gloriosa nobreza
Dos felinos
Que, como pajens,
Enfrentaram a batalha
Travada
Contra a altivez
E que te ajudaram a limpar
As impurezas
Em silêncio;
Território inóspito
Tão quente
E seco
Pululado de areia
E majestosamente colossal
Onde sentiste a dor cruel
Penando arrependimento
Dessa doença
Incurável
A que parecias estar vetada!
Soletro na tua pele
A angústia
De uma paixão
Tantas e tantas vezes
Desejada
E sucessivamente adiada
Porque os anos passavam
E ela não vinha…
Mas afinal,
Acabou-se revelando
Numa noite quente
De verão!
Difícil é lá chegar
Atingir a maturação completa
Esperar que se consolidem
Os sabores açucarados da fruta
Para então sorver todo o seu sumo
Então, regozijas-te com o seu sabor
Que se agarra a ti infinitamente
Chega, pois, o momento
De já não existir saudade
Ausência
Distância
Até a sede de beber os teus fluídos mais frescos
Se desvanece
E ininterruptamente
A tua presença em mim
E a minha em ti
São a carne e o osso
De um opíparo repasto,
E eis que
Numa gutural declaração
Soam palavras
Que enternecem as cotovias
Que entoam
Belíssimas melodias
Que unem o céu e a terra
Despertam a esperança
E trazem fecundidade ao amor
Naquele seu voo tão característico
Que, em crescendo,
Sobe abruptamente
Que, em declínio,
Desce repentinamente.
E a minha sombra
Já não é mais
Apenas a minha sombra
Mas o somatório
Da sombra do meu e do teu corpo!
Felizes os que,
No reino dos apaixonados,
Se aconchegam debaixo do brilho das estrelas resplandecentes
Declarando-se incapazes de viver sozinhos
E, viciados um no outro,
Se entusiasmam
Com as palavras mutuas
Que cada uma das mãos escreve no livro:
“Não te deixarei jamais!”
Esbelta e iluminada senhora
Que já não sabe viver
Sem mim
E eu sem ti:
Espero-te
Na sombra eterna
De uma ramada de kiwis
Aí revelar-te-ei
A minha louca paixão por ti
Por foi aí onde tudo começou!
Em certa noite tórrida
Debaixo de um intenso luar
Cintilando milhões de estrelas no céu escuro
Debaixo de um infatigável sobreiro
Os deuses há muito
Se reuniram
E desse conclave saiu
Um plano arquitetado
Para o tálamo anunciado
Que casasse a simbiose perfeita:
A natureza
Ali tão prodigiosa
E a vontade e a concretização do sonho do Homem
Que ali parece tão excessivamente difícil,
E edificando nesses montes
A paixão de um rio pela redenção de toda uma região
Colinas apertadas
Que recebem nos seus braços
As águas verdes
Que nascem em Sória
E acabam lançadas em torrente
Como louca paixão de adolescente
Nas águas salgadas do mar junto à foz;
Este rio mítico
É o sangue que corre nas veias deste Douro
Cobre de verde
O manto de Sua Majestade
Águas prenhes e revigorantes
Que vão gizando o caminho
Serpenteando falésias
Suavizando a paisagem
Águas que não se cansam nunca
De deslizar silenciosas pelos desfiladeiros
Ora, ondulantes no sentido da foz
Ora, serpentando na direção de Espanha
Por entre penedos gigantescos
Consolidados pela terra
Ó quanta terra
Que endureceu
Teu solo seco
Escamado de lajes xistosas
Pisado pelos heróis
Que nunca viraram a cara à luta
E fizeram lindos bardos de videiras
Que ciclicamente dão à luz
Prodigiosos néctares;
As tuas fragas
Sustentam esse chão majestoso
Por onde os javalis sulcam o solo
Tão selvagens como fugidios
Medra corredia
A astuta raposa
Saltitam
Os fugidios coelhos
E onde nas alturas
Debaixo de intenso céu azul
Reinam os grifos
Que parecem vigiar as águas do rio
Que o tornaram num espaço
Pejado de construções geológicas
Tão lindas de cortar a respiração!
De súbito, vejo deslizar pelas tuas serenas águas
Uma embarcação que transporta turistas
Até às profundezas mais longínquas navegáveis do rio
Transportando sonhos concretizados e por realizar
Alguns do tamanho desses montes que acolhem as águas do rio
E é a vindimar
A lancetar os pequenos braços da vidreira
Onde pendem lindos cachos de uvas
Que acabo a lançar um olhar sereno ao distante barco
Que navega as águas desse rio…
E, não resisto,
Aceno com a mão direita
Protegida por uma luva
Uma saudação especial
Uma e outra vez
E nem um apito soa no barco
Nem uma pequena saudação
Ignorando-me olimpicamente
Me dirige o grupo de turistas
Que descansa em prazerosas cadeiras ao sol
Deixando-me de sorriso inerte e expetante
Perene de dúvidas
Se aquelas pessoas ociosas
Sabem que hercúleos esforços foram precisos
Para que pudessem apreciar
Beleza inigualável como aquela
Linda de cortar a respiração
Ou de apreciar o sabor inesgotável
Dos melados mostos
Que com a idade acabam tornando-se
A bebida dos deuses por excelência!
Palmilho
Contigo
Em comunhão fraterna
Esta costa
Face da moeda
Deste Portugal acolhedor
O caminho
Que o destino quis que partilhássemos
Sulcado de areia aveludada
Transportada pelo mar
Infatigável a perder de vista
Pés descalços
Massajados a vivas unções;
O percurso
Nessa manhã
Submete-se
Aos ditames da nossa passagem
Imerso nessa neblina agridoce
Sem Dom Sebastião
E as profecias do Bandarra
Que nasceram ao trote desse cavalo negro
Que acaba urdindo o desespero
E trás a ausência da esperança
Ao passo firme e decidido
Na praia deserta…
Lindas sereias assomam-se
A zombar de si
De mim
Da praia interminável
Em comunhão com a natureza
E eis que à nossa frente
Ergue-se
Uma mancha de pedregulhos negros
Enterrados na areia
Que se intrometem
Interrompendo a nossa marcha;
Teu olhar perdido
Acaba obscurecendo a tua cansada silhueta
Talhada na areia
Irreversivelmente,
Novas
Ruins
Proclamam-se e espalham-se
Na praia deserta
Submersa por uma neblina gotejante
Nessa manhã fatídica
Que não dão tréguas
Aos clamores que chegam das profundezas do mar
Que avivam
O meu desejo de envolver esta nossa amizade
Num pano sedoso
Laçado
A envolver a esperança que vai dentro do embrulho;
E até as gaivotas
Tão agrestes
Fugidias
E selvagens
Comovem-se
E aproximam-se
Naquele palmilhar lento mas decidido
De asas erguidas
Para te confortar...
Amiga
Não se vencem
As pedras plantadas no caminho
Gizando confrontos empedernidos
Mas é contornando-as
Docilmente
E sem as afrontar
Duramente
Que se vencem os obstáculos!
A uma amiga muito especial