Brindaste-me com uma Rosa
De um intenso vermelho
Que penetrou em mim:
Agitou o meu coração
Devorou as minhas defesas
Vazou as minhas resistências
Fragmentou o meu discernimento
Ancorou-me no alfobre
Onde cresce
Selvagem
O amor que te tenho!
A Rosa
É o teu rosto
Sedoso e natural
Um livro aberto
Onde não se escondem os sentimentos
A Rosa é o teu coração
Alto e aprumado
De odor refrescante
Como um pinheiro alpino
A Rosa são as entranhas da tua alma
Vigorosa como um alpinista
Solitária com um asceta
Bondosa com um querubim
Luzidia com um fio de azeite
Brilhando ao intenso sol de verão;
Ai pudesses tu
Cozinhar a Rosa
Essa Rosa com que me mimoseaste
Farias requintados pratos
Irremediavelmente saborosos
Como só tu sabes confecionar!
A Rosa
Descansa no parapeito do fogão de sala
Vigiando os meus passos
Encantando-me
De cada vez que a contemplo
E são Rosas como esta
Que conhecem bem o significado do Amor
Puro e cristalino
Que guiarão todos os heroicos amantes
No passo firme e vigoroso por este mundo!
A Rosa
É a estrela polar
A cintilar vigorosa na noite escura
É o céu carregado de estrelas
Brilhando ilimitadamente por cima dos nossos olhos
Porque não tem fim
Este nosso concerto celestial!
A Rosa
Esta Rosa especialmente
Não fenecerá jamais
As palavras
Dar-lhe-ão vida eterna…
Ferreira
Celeiro alentejano
Calor tórrido da planície
Erguem-se e ilumina-me o meu olhar
As árvores aprumadas que dão sombra e odor
Às lápides do cemitério
Onde chilreiam os pássaros
Onde se ouve o som do bom vento alentejano!
Beja
Castelo miradouro
Onde se alcança
Nos dias cristalinos
A alma dos alentejanos
Ruas que seguem os passos das vozes aceleradas que por ali se cruzam
No emaranhado edificado que dá caráter à cidade
E a correr e de braços abertos
Avisto a Soror Mariana;
De repente,
Deslizo
Viajo até à saída de Beja
E saltitando vou embebecido
Caminhando até à Cuba…
Encho o meu peito de ar
Perscruto uma e outra vez
Desperto a minha alma
Até que se aproxima um coro de homens
Qual legião romana
Embraçados uns nos outros
A fazer soar os místicos acordes
Do belíssimo cante alentejano
Então,
Como uma fada a esvoaçar,
Passa por cima como que a levitar
A Mitó
E saúdo-a:
Auf Wiedersehen Prinzessin!
De Cuba ao Alvito
É um abalo de pensamento
E nos dias de feira
Nesse dia de finados
Sai-se com a alma rejuvenescida
De tanto comprar
De tanto comover
Com a graça e simplicidade das boas gentes;
Por fim,
À Vidiguera…
Perdida na planície
Ao entardecer
Oliveiras que se agitam a saudar os viajantes
Um copo de vinho
Que se resplandece nos dedos das mãos
Que adocica as gargantas para cantar
Menina estás à janela…
Acabo celebrando a calma alentejana
Que só existe
E que só ali sobrevive
E o vento
Aquele vento
Na planície não me saí da memória!
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse: “Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre .”
José Saramago
A chuva caí
Nesta ainda escura
E temperada
Manhã
Sonolentamente adormecida
Que vai assistindo ao lento acordar das pessoas,
Automóveis vão
Aos poucos
Deslizando pelas estradas circundantes
Os pingos da chuva
Por vezes vigorosa
Levem-me até ti
Nesse discorrer do passado
Atualizar o presente
E suspirar pelo futuro que há-de vir
Quer faça chuva ou faça sol
Antevejo
Soberbo!
Enquanto escrevo
Passo os olhos
Pela manhã tranquila
Obedeço aos meus desejos
Estou só e por isso faço o que me dá na real gana
E vagueio a suspirar:
Pelas andorinhas no seu voo circundante
Pelos tons coloridos das asas das borboletas
Pelos jardins agora sem as flores do meu encantamento
Deixo-me guiar pelo meu instinto
E acabo suplantando-me
E mesmo aos que até me possam odiar
Fazem-no
Porque conhecem apenas uma parte
Uma pequeníssima e insignificante faceta
De mim,
A outra,
Aquela que transporta a essência do meu ser
Está escondida
Oculta
E encerrada
Na gruta
Onde escassos têm acesso a ela.
Entretanto, começa a amanhecer
Já vejo as formas
Das habitações adjacentes
Àquela onde peticiono
Até às agruras do meu ser
Porém, não com a nitidez necessária
Mas envolta na neblina
Que se insinua sobre este instante matinal do dia
Como se fosse a única opção de vida
Mas tantas foram as que vivi
Com mais ou menos entusiasmo
Que já não sei qual delas foi a mais edificante
Se bem que sei
Que mesmo guilhotinado do sol
Ainda escondido e ausente deste hemisfério norte
Mas aguardo pela sua presença
Espero que ele se mostre a raiar no céu azul
Outra vez
Para confessar
Não só os meus pecados
Mas para lhe dizer
Que, decerto, vivi
Momentos muito bons
Mas auguro que melhores dias virão;
Por fim,
É dia
Lanço-me
Na companhia da voz suave do Robert Glasper
Acompanhado pelos acordes musicais
Que saem dos seus dedos
Tateando as teclas…
Estou pronto, outra vez, para a vida!
O Sol
Cintila vigoroso e inclemente
Para ti
Para mim
Dunas movediças que mudam permanentemente o caminho
Distância agressiva
Inolvidável
Coração duro
Voz trémula
Sorriso acintoso
Sem articular um discurso
Impropérios disparados como uma arma repetitiva
A dignidade partiu há muito do imaginário
Feres hoje
O que amanhã não terás
Abro a voz ao coração
Rechonchudo
Refletido
Circunspeto
Ergo um muro egocêntrico
Para não vislumbrar
Os livores do cadáver em putrefação!
A areia
Cerca o meu pensamento
De larvar estiagem
Em tons cinza
E foi nela
Que caminhei tantas vezes
No verão passado
Permanece lisa e arrumada
Na praia agora deserta
Já nem sequer as gaivotas
Disputam o melhor lugar
Mas o Sol vai permanecendo
Teima em não nos deixar
Para, quiçá, iluminar
Tu e eu
E não deixa olvidar a sua graça
Fitando-me com toda a sua frontalidade
Iluminando os meus olhos
Carregados de paixões assimétricas
Tu e eu
Carregamos a culpa:
Eu dei-lhe a água
Límpida e transparente
Em estado puro;
Tu deste-lhe
Areia fina como pó
Em tons avermelhados
Tempestades que te fustigaram
O frio noturno que se não esquece
O desespero de um desesperado
Perdidamente só
Na imensidão do deserto!
A candura de um sorriso
Não se revê nas falas
Acaba medindo no olhar
Sereno
Horizontal
Franco
De quem
Olha para o passado criticamente
Contempla o presente com dignidade
E antevê o futuro com frontalidade…
Mas o futuro
Nunca pertencerá
Aos que capturam as boas almas
Enredando-as de falsas promessas
Ou de silêncios que encrespam os sentidos
O futuro pertencerá
Aos que ainda olham placidamente
Para uma paisagem
E se emocionam!
Nas pedras da calçada
Move-se pachorrenta a carruagem
No cimo do monte
Plana majestoso o abutre
Nas águas putrefazes de um ribeiro
Flutuam à tona alfaiates
Na sala do aziago vaticinador
Jorram
Instantes perdidos de uma vida
Uma gata esbranquiçada salta para o colo
E estende-se ao longo das suas pernas
Da música que soa no espaço
Saem acordes ramelentos há muito liofilizados
Da boca saem palavras vãs
Repetitivas,
E mesmo que acenes
Com um até já
Dir-te-ei:
- Vai em paz, organiza-te, supera-te…faz o luto;
E quando finalmente vir que te emocionas
Com coisas simples da vida,
Dir-te-ei:
- Sim porque não encontramo-nos!
Entretanto, a música
Esta música que é um hino,
Passa uma e outra vez
E pergunto a mim mesmo:
O que está acontecendo?
Bendita flor
Que cresce no campo
Celebra o amor
Afaga o vento
Suave
Deslizante
Circundante
E fraternal
Vive no silêncio
De uma vida
De dias sempre iguais;
A luz que se projeta
Sob as tuas pétalas
Dessa poderosa estrela
É o teu alimento
Alicerce do teu ânimo
Para não seres trucidada pela dureza da vida;
Não se desdita
Não se contém
Não se ilude
Mira
Sobre a sua curta vida
E embebece-se quando vê
Dois ternos apaixonados
Nas asas de um pirilampo
Na lapela dos desejos
De uma mulher sibilina
Que lê
Até nos silêncios
A vontade dos homens
Na ignorância mais pueril
De um filme de cowboys;
Não desistas
Flor bendita
Dos teus mais puros
E ínfimos desejos
Pois tu celebras o grande amor
Que não se encerra
Nos breves momentos de intimidade
Tu tateias a firme vontade
De uma paixão celestial
Que se escreve em hélio e hidrogénio
Em letras gigantescas
No firmamento
Onde todos os dias cintila o teu nome
Nos céus rasgados das noites transparentes
Para celebrar o grande amor!
Voltarei a ver-te
Ó luz dispersa
Augusta
Que dentro de mim trago desde que nasci?
Pelos telhados do casario
Que vou levedando
Em pequenas oscilações
Levitando,
Envolvo os meus olhos
Numa suave e compreensiva mirada
E deixo-me embevecer
Pelas ruas delicadas e estreitas
Cheias de vida
Carregadas de uma azáfama
De um vai e vem constante,
Acabo nostálgico de um passado
Que já não volta!
De repente,
Como que acordando de um sonho,
De uma das colinas onde todos
Parecem querer seguir
Cada um dos seus desígnios
Dou por mim a rever-me nesse passado longínquo
Que parece fugir das minhas mãos
Como a areia por entre os dedos
Nesse exato local onde
As sílabas com que todos nos ufanamos em declamar
Nos surgem dispensáveis
E parecem já não nos atrapalhar tanto
Pois as memórias que vivem dentro de nós
Surgem como flash
Carregados de luz instantânea
E é nesse momento
Que buscamos uma outra linguagem
Que não se expressa em palavras
Mas que saí sensitiva em imagens
Para estreitar as têmporas;
Até que,
Alargo o meu olhar
E alcanço as divindades
Circundo a minha atenção
E com o credo na boca
Enxugo toda a tristeza do universo
E sinto-me um gato
A expurgar os males do mundo!
Pena leve
Que flete lisonjeira
Sob o manto branco refletido no ecrã
Para qualificar o canalha…
Segue os passos dele,
Vocifera
Contra os que,
Sorrateiramente,
Usam a sonsice do lar
Para injuriar:
Ignóbeis profetas do sadismo,
Escondem-se debaixo do manto da água consagrada
Com aquele ar de boa alma,
Gente inqualificável
Que brama o punhal de aço
Frio como o cortante gelo
E profere ameaças veladas no dia-a-dia
Abominavelmente sulfúrico
Simbiose
Da solidão desta gente
Que vive
Entre uma ilha deserta no meio do oceano
E a enormidade do território polar;
Mas a pena
Baloiça
Oscila,
Às vezes levita,
No contentamento
Do compasso de uma paixão
Na sua forma pura e bela
Com os sentimentos enfileirados
Nesse roçar ao de leve
Imenso e intenso
De pele com pele
Que se solta
Quando a monção se abate sob as planícies
Para trazer a esperança de um futuro melhor!
E deslizarei nos patins
Que se envolvem nessa dança
Pela estrada dura de gelo
Para trazer todas as inquietações
Que viviam na floresta densa
Que ocultavam a tua identidade:
Firme apaixonada do bem!
Deixaste que abatessem
As árvores que te sombreavam
Os teus mais ínfimos desejos
Que viviam ocultos
No silêncio das noites
Que explodiam em catarse
De tantos e tantos anos,
Silenciosamente abandonada!
Hoje vives na planície
Cintilante
Com a codícia
Irreprimida
Cintilando ao lado desse rio
A dar os primeiros passos de uma vida
Recheada de uma crescente graça e enlevo
Alegria estonteante
Que, muitos,
Que vivem escondidos nas aparências dispersas
Não te perdoam
Vivem no remanso tóxico
Cerceados na toxicidade
Na fronteira da indignidade:
Já nem de si próprios sabem sorrir!
Certa noite acordei
No vácuo do silêncio
De mais uma noite angustiada
Rodeado de áspera solidão,
Que se assumia gélida e agressiva,
E vislumbrei
Refletido no espelho
Um rosto que me horrorizou!
Certo dia adormeci
Cansado de tanta em noite em branco
E vislumbrei os horrores
Que, desde aquela noite, me acompanhavam
E gizavam nas noites longas e frias
Os temores de um futuro alquebrado
A definhar
Com a mão pousada nessa viola sem cordas
Apodrecida
E mirei o meu olhar clareado
Carregado de esperança
A brilhar na alvura do meu encantamento,
Porém, surgiram as carpideiras
Que apressadamente
Começaram a esconjurar aquele rosto,
Apesar de nunca o terem vislumbrado,
Epitetando-o de sebastiânico,
De semblante marcadamente apaixonado
A invetivar o inverosímil futuro
Com a esperança a consumir-se célere nos fogos-fátuos
De uma vida exasperada;
Desde aquele dia
Tu permaneceste
Viçosa
Exultante
Plena de vida
Para mim,
O teu rosto
Deu-me
A luz de uma paixão que vivia congelada dentro de mim!
A tua humanidade tocante
Tornou-se água pura de nascente
Límpida e fresca
Como a das almas cristalinas;
Até no dia em que celebraste a tua existência
Massacraram-se
E tiveste que lutar com firmeza e galhardia
Contra os que querem contrariar a tua vontade
Impondo a sua
Revelada nos teus desejos benignos,
Querem que a estranheza
Que habita dentro de ti
Permaneça como um cadáver
Errante
E por velar
Sem lhe dar o merecido descanso
Na campa rasa
Do cemitério implantado na colina
Rodeado do silêncio
Que se respira debaixo das sábias árvores
Que protegem este segredo que é só nosso…
Chegará o dia em que todos celebrarão
O fim de uma vida penada
Cuja glória se perdeu lá atrás no tempo!