Olhas-me
Como se eu fosse um estranho
Uma pérgula ao longe
Que insistes em enxergar
Periódica
E imemoravelmente
Mas recusas-te a ver-me ao perto
Em pormenor,
Porque não sais desse casulo
Que te limita os movimentos
Te espartilha o peito
E tolhe a vontade
Refugiando-te em longos interregnos?
No estribo da caminhada
Nesse ronronar de estirpe com que és feito
Roubas o cajado ao pastor
Vestes a sua velha samarra
De forte odor a caprino
Retiras a navalha que se esconde no forro
E cortas o pão
Em finas fatias
Decepas o queijo de cabra
E vais comendo aos poucos…
Ó velha ambiência
Que é a tua em que vives
Dá-me o som do que os teus lábios
Que vacilam sempre
Não dizem
Porque sofres da impotência
Causada pelas feridas interiores
Que não saram
E tremes tanto
Com as palavras
E pelas palavras
Com que elas, por vezes, nos enleiam!
E quem tanto tem para dizer
E não o consegue
Espera ansiosamente o dia
Em que o coração se possa abrir
A um novo amor
Uma nova paixão
Nesse dia esquecerás o que
Agora
Tanto te atormenta
E viverás à bolina desses ventos macios
Que trazem felicidade a quem os recebe no rosto
Um dia
De cada vez
Pois que seja!
Vais acabar por enterrar de vez a monarquia
Acabarás por trucidar e sepultar a república
Como?
Instigando o medo
Banalizando as represálias
Instituindo as sevícias
Alimentando um arrogado sinal de tonsura
Como a de um santo homem
Para levares por diante esse teu desejo egocêntrico
Para que os poetas
Essas estranhas criaturas
Como pirilampos
Sejam banidas da civilização,
Amontoados em contentores
arrumados em mega cargueiros
Porque, afinal,
Nessa tua visão míope
Como vislumbras tantos poetas
Que até aqueles que apenas que expressam o seu amor
Aportarão, forçados, até à ilha dos poetas
Porque, como dizes, essa gente só traz desgraça
Aos nobres homens tementes a deus
E quando a viagem por fim terminar
E já na sua nova morada estiverem
Ser-lhe-ão distribuídas tarefas
Muito mais consentâneas com as suas qualidades
Por exemplo,
Observar pássaros
Contar borboletas
Enquanto ambos ainda existirem,
E tu que tanto odeias os artistas:
Os poetas
Os pintores
Os escritores
Vives numa miscelânea de gordura intelectual
Destilando ódio apenas
Planearás
Do alto da tua vilania
Nessa voz trémula e convulsiva
Gelatinosa
Carregada de pontos de exclamação
E pejada de circunstancialismos
Para afirmar:
A poe…sia aca…aca…bou!
Botando no rosto
Esse sorriso encefálico e esfíngico
De ar levemente oriental!
A estrada
Não tem fim
Não tem culpa
Não tem remorsos
Não esmorece
Não entropece;
O vento forte
Nostálgico
Varre o chão das ruas desertas
De lugares e vilarejos
De uma Itália faminta e humilhada
E são essas bátegas que despertam em nós
A vil tristeza
De uma solidão endurecida
Saída de música melancólica
Que nos acompanha
Na acidentada viagem
Ao longo da estrada
Ora, de violino
Ora, de trompete…
Acaba por nos descerrar
A caixa
Que guarda todas as nossas memórias
Onde acondicionamos
A doce Gelsomina
O bruto Zampanò
Que se esconde
Feroz como um tigre
Na areia junto ao mar
A padecer a culpa
De seus males que semeou
Das imensas saudades
Que já não o deixam viver o presente!
La strada, filme de Federico Fellini de 1954.
No silêncio irritante e invisível
Da noite
Que sobrevem
A cada um dos dias que perseguem este sentir
Existência infecunda
Deambulas sem destino
Ensanguentado
Toldado pela dor
De espera em espera
Em busca de uma voz
Que silencie tão grande mágoa
De um olhar sobre as palavras
Que soem escrever-se na relva dos canteiros
Que são a única companhia
Nas madrugadas
Que são como deserto na vida de um tuaregue;
Voltas-te
Procurando nadar nessas águas gélidas e sujas
Em que te lançaste
Em busca de uma salvação
Para que a misericórdia se apresse
Em decretar a tua redenção
Mas já vejo unir
Ás tábuas
Umas às outras
Para encerrar os teus desejos
Que serão sepultados
A sete palmos de terra,
Definhas
Como doença fétida
No encalço de uma razão
Que há muito fugiu de ti
E, por isso, deambulas sem destino
Em busca de um velho caramanchão
Que sustente a tua voz dorida
E que regressa a ti…
Nessa vontade de colheres os frutos maduros
De uma tarde de verão
É o único desejo que te alimenta a esperança!
Certa jornada
Certa certeza
Que me dá
Pensar em ti
A luz que me trazes
Ao alvorecer
Ao entardecer
Ao anoitecer
Penetra-me tão potente
Que respondo
Sempre
Entusiasmado
E resplandecente
De sorriso rasgado no rosto
Aos teus braços
Ao teu fino e delicado corpo
À tua voz que me enleva
Ao teu aconchego
Que o vejo
Tão antigo
Que já o trazia ao nascer
Até ao sonhar
Ouço sempre a tua voz
Chamando por mim
Estendendo-me o braço
E jurando-me
- Se eu não for tua, não serei de mais ninguém!
Na luz
Que sob os meus olhos
Vai irradiando
De cada vez que calcorreio os teus passos
Para percorrer o penoso Caminho
Onde, tantas vezes,
Explicitaste como o calcorreaste
Vislumbro a grandeza da tua vontade
Anseio por essa tua límpida alma
Que gira na candura de um coração
Que incessante busca um lugar para agradar;
Aprecio
O alvor da tua pele
Que busca
Uma outra pele que a sossegue
E é no calor do desejo
Onde guardas a tua verdadeira alma
Nesse teu olhar
Que busca a placidez de uma paixão
Com as certezas estampadas no rosto…
Cresceste
Muito rapidamente
Tornaste-te mulher adulta
Mas depressa caíste na modorra dos silêncios
Na sonsice de uma vida
Promessas adiadas
Em torno de outras vidas
Que a salvassem das agruras ácidas de uma vida!
Foges
De fininho
Ininterruptamente
Nessa tua busca pagã
E quando te contemplo
Admiro-te a coragem
A ousadia
Porém, sinto que a vida que levas não te anima
Pouco ou nada fazes para te manteres ligado às pessoas
Aparentas tranquilidade
Mas sei que esse teu interior se impacienta
Por entre as brumas
A fugir de ti próprio
Carregando esse fardo
Como se fosses o único que o pode fazer
E sofres na leveza
De uma vida carregada de estultícia
Que escolheste viver;
Simulas amigos imaginários
E recorres àqueles
Que de uma forma ou outra
Tu achas que te identificas
E que poderiam ser teus amigos
Que preencham as lacunas
Das lembranças de ausências sucessivas
Que continuamente te visitam;
Chamas por entre os torpores das noites sem fim
Clamando
Pela ordem das palavras
Pela obsessão em ignorar os que te são indiferentes
Pela limpeza social que proporcione pureza rácica
Pela vaidade em te mostrares a quem não te considera
Para aplacar esses fantasmas que pululam a tua imaginação
E por isso dizem de ti
Que não compreendem o teu caráter
O teu ser
A tua vontade em chocar
Como se isso
Mais não fosse
Do que uma gritante chamada de atenção
Para mostrar ao mundo
Do âmago de que és feito!
Mas vais continuar assim
Nos silêncios das noites
Na contemplação dos amanheceres
Que, finalmente,
São quem te trará o sono retemperador
Que te tranquilizam os espectros
Que não se cansam de te visitar frequentemente.