Na noite escura e húmida
Que
Por vezes
Consegue ser tão fria
Que nos congela as vontades
E que nos acaba lançando até um silêncio sufocante
Nesse estranho lugar
Onde se refugiam as trevas
Que é onde se vislumbram paisagens caleidoscópicas
Um navio de guerra soterrado na lama
Um tanque enferrujado no mar
E mísseis
Sempre misseis
Desgovernados
Cegos
E destrutivos
Um pensamento aglutinador
Uma patranha que se alinha
Para apagar as páginas do livro de Historia
E o que ontem era verdade
Hoje foi completamente dizimado
Extinto mesmo
Pelos que vivem da insídia e da mentira
Que não se contentam em fazer mal
Mas dispostos a derreter o mundo
Com as suas aleivosias;
Um esboço de coragem
Ditado pela liberdade
E uma vontade que a respeita
Um lago onde todas as noites a lua jaz
Refletindo a exaltação de um mistério
A refletir a pureza das coisas
O amor que congrega todas as formas de arte
Uma lassidão que consegue ser criativa
Uma vontade que nos interpela
E que
Vá-se lá saber porquê
Fugiu
Quando não devia fugir
E que agora se esconde
Nos desejos dispersos
E nas palavras vãs
Que fazem mais mal
Que bem!
Mais a norte
Uma maçã desprende-se e rola até ao solo
E que acaba a amadurecer cercada de terra e de vermes
Mais a sul
Uma avenida iluminada pelo brilho das laranjas
Que se mantém firmes e hirtas
Para gáudio dos seus habitantes
E o mar continua vivo e omnipresente
Desenha um esboço de uma linha
Que divide a verdade da mentira
E
Arrependido
Vive na exaltação da vingança!
Bordejada pelas figuras sarcásticas
De tamanho de gente
Encerradas em vitrinas que as ampliam
Formando uma rota de ínclito respeito
Que nos acompanham pelas ruas e ruelas da cidade
Que acabam desembocando na formosa praça:
Dos três poderes…
Solo argiloso
Que tanta fama granjeou às faianças
Popularizadas pelo Bordalo Pinheiro
A cidade cresceu e interpela-nos
Pois, conserva toda a sua elegância de um passado
Feito de veraneios de monarcas
E que,
Todavia,
Ainda hoje transborda de egrégio fascínio
No seu vetusto hospital termal
Encostado ao parque encantado Dom Carlos I
O pulmão da cidade,
Mas não se enganem
Pois
Ele é, antes, o poderoso coração
Carregado de tantas e tão belas memórias
De palavras de amor proferidas pelos amantes
Que ali se engalana de ternura
No meio de árvores centenárias
Que, em certos dias, sibilam suspiros…desejos incontestados;
As Caldas penetram-nos
No singelo encanto com que nos surpreende a cada esquina
Das suas esplanadas floresce
O respirar da cidade
Ouvem-se naquele tramitar de palavras
Rápidas e emolduradas por frases bem ordenadas
A clareza profunda da alma das suas gentes
Que não escondem os segredos
E quando tantos Homens guardam os seus a sete chaves
Ali se mistifica a vida
Surgindo descomplexada
Nesse jactante símbolo fálico
Que nos trespasse e faz corar de vergonha aos forasteiros
Que não revêm na crueza das palavras
E de um símbolo omnipresente na cabeça de tantos
Mas que ali, na cidade, pode também ser saboreado
Nos adoçados pénis
Dispostos nos doces que se exibem nas vitrinas das suas famosas pastelarias!
As Caldas da Rainha não brincam em serviço
Cidade séria, viva e enérgica
Que, por isso, se tem sabido sempre renovar
E que merece uma cuidada e criteriosa visita…
- Sem dúvida!
Intuo no teu olhar
Uma janela que observa
E que de tanto observar
Te mantém refém de uma paixão
Que te dessossega;
Ao ver a serra
Que se vai engalanando com os trajes primaveris
Ao contemplar o mar
Naquele azul fogoso
Me faz regressar ao passado,
Mas é trilhando contigo
Ladeando
Como duas linhas paralelas infindáveis
Que me olvido
Dos espinhos da roseira
Mas miro
Apenas fixando o meu olhar
Na flor, a bela rosa,
Que se esvai nos odores
Para nos deixar a suspirar
Aos belos dias de sol
À grandeza dos dias
No exacerbar da exaltação
De que um simples caminhar
No espesso areal
Nos receberá
Ávido dos nossos pés;
Se irá luzir
Contagiado pelo nosso entusiasmo?
Um dia de cada vez,
E mesmo com tantas pedras
Que vão surgindo,
Que ali estão
Ou que vão sendo colocadas no percurso em comum,
Nós chegaremos longe
Amor!
Da janela do meu quarto
Avisto as plantas engalanadas
Sorridentes e apaixonadas
Reveladas nos dias crescentes de sol,
Da janela do meu quarto
Estilhaço barreiras
Antecipo sinecuras
Envolvo-me a contemplar as cores lancinantes
De flores majestosas
Que não se cansam de me trazer a felicidade!
Um cão enorme saltita no meio da erva do campo
Corre desenfreado em busca do seu osso preferido
Enterrado no solo
Embrulhado no papel
Que contém a minha confissão.
Ah…quanta terra se cobriu por cima do teu caixão
Quanta mágoa
Que não te enfraqueceu
Quanta bondade
Que te tornou sempre nobre
Deixaste tu por fazer
Nesse dia em que te foste deste mundo
Deixando
De ti
Uma saudade imensa
Que quase parece universal
Quanta terra
Desbravaste
Conquistaste
Nessa tua linha longilínea
Sem fim
Cuja contemplação
A todos nos enchia de orgulho
Pela tua elegante forma de ser
Gosto de ajudar
Solidário com o mundo
Mesmo que o mundo
Tantas vezes
Não fosse solidário contigo!
Nessa pressa de viver
Orgulho de aferroar os desafios
Vaidade de entoar o eferreá
Para celebrar o belo encantamento com a vida!
Neste, vieste ao mundo,
Para te inquietar e inquietar os demais
Só tu juntas tanta gente ao teu redor
Tão diferente
Como os dedos de cada mão
Mas, cada um por si,
Que,
Individualmente,
Ficam tão ingloriamente frágeis
Pois a sua força estão no todo
Como é o conjunto da mão
Que iça as peças mais rudes e ásperas
Flui como bailarina no meio do palco;
Mas a tua mão é bem diferente das demais
Nunca se esconde
É poderosa
Magnânima
Inigualável
Por isso,
Longa vida ao academista
Porque é de fibra
Como a tua
Que precisamos!
Coragem para suportar
O cronista
Que te cercará certamente
Como uma inenarrável sombra
A afiançar as tropelias e façanhas hiperbólicas
Para medir
se o que tu comes ou bebes
É mais do que o ele ingeriu!
De Itália
Desse sul pegado de fantasmas
Demencial
Árido
E sombrio
Do submundo
Da máfia
Da camorra
E daquele parlare italiano
Molto saporito
Que se apressa a cantar
Nos seis múltiplos dialetos
Entra-me pelos meus horizontes musicais
A bela música jazzística
De um desses novos grupos conhecidos pelos Leonis…
Capichi?
Rosto comezinho
Que se esconde
Debaixo das larvas
Que entumecem as próprias feridas
Tapadas pela erva ralada que lhe cobre o solo
Os pensamentos
Esses sustentam barbaridades
De tamanha leviandade
Que vai focinhando
Para lavrar sempre a mesma terra
Os mesmos bichos
As mesmas igualhas
A mesma fundura onde se esconde o ignóbil lixo;
A terra, que a ela própria se vai regenerando,
Alenta-se pelo sol radioso
E das múltiplas ervas que lhe dão o conjunto
Sorri, pois, a terra
Mas também o velho cortador de cortiça
Que no silêncio das planícies alentejanas
Mostra a sua vetusta mestria
Cortando a casca
Como um hábil cirurgião
Que servirá para envelhecer os melhores néctares
Cuidadosamente concebidos na escuridão das caves
A descansar anos e anos a fio
Para dar prazer aos homens,
Contemplo as tuas mãos
Que se esfregam exauridas uma na outra
Para expressar esse pobre contentamento
Nessa tristeza mais vil
De uma vida presa a outra
E noutra e noutra!
Ó terra pesarosa
Que, um dia, me há-de levar até ti
Onde repousam
Todos aqueles que nutri afeto em vida
Libertando-me das alegrias e agruras vividas
Acabando por me envolver nesse teu sabor agreste
E aí refletirei em todas as inconfidências que não pude revelar
Nesta vida que não se compadece
Com o presente
Apenas
De pequeninas vitórias de Pirro!