De súbito,
De mansinho,
Na longa noite
Interminável
O piano
De Keith Jarrett
Insiste num acorde…
O trompete do Miles Davis
Saído do Kind of Blue…
Tudo se apagou na madrugada de 30 de março de 2023!
O Zé
Para os mais chegados
O José Duarte
Para muitos
Que o conheciam
Pela sonora dicção
Que nos embalava
Depois de colocar no ar
O som do grande saxofonista
Norte-americano, Lou Donaldson
E pela voz nasalada de:
- Um, dois, três, quatro, cinco minutos de jazz…
E que se fixava
Nos acordes
De metais
De pianos
De bateras
De vozes universais
Dos grandes profetas do jazz
No teu olhar
Dir-se-ia
Perdido
Entre um swing
E um sonoro acorde de uma Big band
Ou uma sonora e nostálgica nota musical
De Stéphane Grappelli
Fica a impressão
Que para ti não havia mistérios
Nessa música
Originária de Nova Orleães,
Amparada pela tua expressão facial
Nutrida por uma perpétua barba
De divindade
Que alcançou a plenitude do saber!
Descansa
Pois
Grande José Duarte
Ou Jazzé
Como preferias,
De ti
Sei-o bem
Alcançaste há muito a Eternidade:
Pão com manteiga
A menina dança
Outras músicas
A grande música negra
Jazz com brancas
Abandajazz
À volta da meia-noite !
Já ouço a tua voz no firmamento
Indelével e madura
A contar histórias intermináveis
Para as muitas estrelas
A cintilar de vida
No incessante e interminável espaço.
Pousaste a tua pequena mão
No meu ressequido peito
Tateaste com teus pezinhos
Até que te acercaste à minha vontade
Ao meu desejo
Ao meu prazer
E transformaste
Os espinhos
Em doces rosas
Odoríficas
Capazes de transformar a imensidão do deserto
Em recônditos oásis
Onde viçosas tâmaras Medjool medram
Para inundar de sabores
A tua boca macia
Desse óleo e açúcar
Como se fosse um sol
Imenso e inaudito
Que se abriu para mim;
Viveste tanto tempo
Uma vida
Enregelada
Nesse viver obediente
De valores decrépitos
Onde medravam
Frutos caducos
Azedos e aziagos
A tua sharia de mulher muçulmana
Que vivia na satisfação dos outros
Calando
Com veemência a sua tristeza!
Clarão de luzes
Vaidade incessante
Coerência que não se extingue
Apneia
Errante
Deslizante
Na suavidade
De águas cálidas e cristalinas
De um mar azul
Quimera
Apego ilimitado
À terra onde brotam
Flores silvestres que dão cor à planície
Odores intermináveis
Que penetram a alma
Que sol não tem teus olhos
Na lucidez da minha vida
Que para existir
Tudo te deve
A começar pela essência!
Que é feito do meu “branco palpitante”?
Asas exiladas num corpo ilhéu
Que só respira enxofre
Pastos intermináveis
Que compõem o segundo mar:
Verde,
Que convive pacificamente com o celestial:
Azul,
Vulcão dos Capelinhos
Que busca os braços
Deslumbrantes
Que abraçam essa cor
Que busca o trem da alma;
Navio na pálpebra
Encalhado no horizonte
Que nunca quiseste conquistar
Foste tudo
No feminino
Até a poesia tinha que seres tu:
Feminina
E tu
Por ofício
Poetisa
E não poeta!
Mas tinhas que ser frágil no amor
Açude na água cristalina
Detida nas ciladas
De um coração de cacos
Que, ora se unem
Na ilusão das suas paixões
Ora, se escaqueiram
Nas tristezas vis das traições
Mas tu
Sempre a criança
A brincar nos jogos infantis!
Cartas de amor
Sim
Gongóricas
Barrocas
Recheadas de palavras
Que soam
Como murmúrios dos penitentes
Como chilreios de aves no final de dias de verão,
Quem
Nunca se tentou escrever sobre o amor?
Do mais frio e gélido
Ao mais afetuoso ser
A vontade sobreveio ao arquétipo
A maresia
Que soçobra pegajosa
Abate-se sob a costa verdejante
Carregada de húmidas figuras
Fantasmas que levitam sob as nuvens
Acaba cercando-nos
E aos poucos
Envolve-nos sob seu real manto!
A água
Caí em bátegas
Inunda a planície seca
Que suspira pelas pequenas flores
Em catadupa
Para albergar todos os perfumes da natureza
Um encanto de paixão
Que se acoita debaixo da velha oliveira
Espera pela chegada da moça
Que
De saia justa
Pernas aglutinadas
Em torno do prazer
Suspira por cada palavra
Do velho manuscrito
Com caligrafia delineada
Em torno de cada frase
Capaz de desejar o infinito
Mas
Entre vales, murmúrios e declives,
Cada vocábulo
Soa como se fosse
Um grito interior
Contra a indiferença
Contra o vulgar e o banal
O amor é isso!
A casa, não era mais do que um refúgio.
Há muito que perdera a noção do conforto, do gosto em permanecer no seu interior, do prazer que eventualmente poderia usufruir por poder nela habitar, a gratidão associada ao edifício que alberga os pertences e as recordações da residência, móveis, mas acima de tudo nos fantasmas que por ali pululam.
Dera-lhe para ideias recortadas e perigosas que, implicitamente, denotavam desgosto, ira, vingança, desde que consumara a expulsão de casa da última companheira, retirando-lhe a chave, proibindo-a de ali voltar a entrar e até em permanecer nas imediações. Era bom, compreensivo, mas quando as situações passavam os limites que ele definia como a fronteira da dignidade tornava-se colérico…
Mas, afinal, a sua cegueira não tinha limites, era proporcional à nobreza dos seus sentimentos que sempre o caraterizaram e que lhe davam a grandeza tão apreciada pelas pessoas que o rodeavam. Começava empolgado, entrava de cabeça quente nos projetos e aportava todo o tipo de sentimentos para que as coisas tivessem sucesso, abria a casa a todos, que recebia com esmerado cuidado, e tinha aquela fragilidade com as mulheres que só os apaixonados têm e que elas, sobretudo certas mulheres de igual recorte ou com tendências mais amplas para o património, adoram!
De manhã, como sempre o fazia e à mesma hora, retirou a sua viatura da garagem para se dirigir para o atelier de arquitetura e enquanto aguardava pelo fecho automático do portão exterior da sua residência percebeu que nele haviam sido pintadas umas letras a vermelho sanguinário, quase assassino; e foi então que juntou letra a letra, palavra a palavra, pintadas à boa maneira de letra de impressa, e compreendeu cognitivamente o que ali estava escrito…
Dizia:
- Nesta casa fode-se bem!
A Este
Inglória sedução
A Oeste
Paixão crescente
A Norte
Resistência contra a incúria
A Sul
Solfejo
A amplitude da planície;
Cereais
Selvagens
Balanceiam ao compasso
De um vento leve e tímido
Que
Por breves momentos
A espaços
Sibila na planície
Roçando
Ao de leve
Umas nas outras
Espiga
Folha bandeira
Entrenós
Pedúnculo
É o entusiasmo
A cor
A excitação,
Grilos que sussurram
No meio da cearas
Zurzindo as asas
Ininterruptamente
Deixando escapar o que lhe vai na alma,
Rãs que se enchem de peitos de aço
Gloriosas e jactantes
Imóveis e sedutoras
Nas charcas
Construídas nos interstícios de bátegas de água
De chuvas que parecem monção
A assinalar a chegada da primavera,
Cegonhas tranquilas
Que nos comovem
Debaixo de um céu azul
A planar
A salpicar o longo bico,
Ceifeira
Que ceifa sem parar
O trigo
Entoa a bela canção
Sincopada
Que fala de um pobre ganhão
Que morreu de paixão
Recolhe o pão com toucinho
Da sesta de vime que lhe ofereceu o Zé Cigano
E ávida
Mete-o à boca
Plena de sabores,
Hoje e sempre
Jamais encontrará a ventura
Essa
Deceparam-na à nascença
Sem quereres
Sem soluções
Sem futuro
Ceifar
Gerar
Amamentar
Procriar sucessivamente
Até que as suas entranhas
Sequem
De exaustão
E não possam gerar mais
Senão
Desejos entoados numa voz
Um declinar de cabeça
Um lamento que saí sob a forma de lágrimas
Quando discorre:
- Os meus cachopos são de d`oiro!
Eu sou alto
Cismado
Onírico
Subtil e delicado
Às vezes indiferente
Para não me envolver nas minhas próprias suscetibilidades
Mas quase sempre força da natureza
Que não dobra
Nem se submete
De bravata velada
E se todos os amores são
Como dizes
Mentiras
A metade dos nós dois junta
Não é única
Mas, antes,
Que cada um junte a sua metade para ser um!
E porque te abespinhas
Por tão pouco
Andas de página em página
Escreves evasivo
Sobre temas:
Desgostos
Paixões
Uma encruzilhada de emoções
Depois escondes-te
Nesses murmúrios roucos
Onde, sais e te mostras à luz
Ou escondes-te nessa música
Que evoca a Rosa
Interpretada pela voz rouca do Aníbal Luxúria Canibal
E que seja feita a vontade
De Deus
A tua
A dele
Mas a minha
Enfim,
Que o seja,
Na exata medida daquilo que eu quero
E não daquilo que tu queres.
E nunca serei
A amada Dulcineia
Que o pobre do cavaleiro andante tanto suspirava
Nem a fada Ariana
Essa deusa dos mais fracos da floresta…
Não sei se diga
Se murmure
Ou adiante sequer
O que da minha alma possa levedar
E quanto mais nela me embrenho
Mais a dor se materializa
E quanto mais a invoco
Mais o teu semblante
Me enche de orgulho!
Fim de ciclo
De dias curtos
Para dar lugar a noites
Longas e silenciosas
Que começou logo no dealbar do outono
Que nos calhou viver
Que logo deu à luz
Um inverno árido
Que lentamente se vai esvaindo
Para dar lugar aos primeiros alvores
De uma luz abrangente e constante
Dias que exalam os primeiros odores florais;
Porém, as andorinhas
Que sempre viajam precocemente
Logo que intuem os primeiros indícios primaveris
Todavia,
Não chegaram
Nem se anunciaram
Sequer
De corpo coberto de penugem
De cor pez
Agitando-se em voos rasantes
Oscilantes e pertinazes
No céu imenso que sempre as saúda
Mas, senhora,
Minha velada esperança
Que vive dentro de mim
Não vos inquieteis
Com os meus lamentos
Pensai
Que logo
Os telhados e beirais
Se encherão de ninhos de andorinhas
Para dar lugar
À consagração de um tempo feliz
Em que,
Mais um ano,
Haverá e se celebrará a vida!
Uma luz a perseguir-me
Sem rodeios
Na noite escura e circunspecta
Assustadoramente gélida…
Por fim acaba penetrando-me
Até à medula
E abrangente cobre-me de um frio cortante
Glaciar e transparente;
No meio do sombreado
Que me cerca
Como se fosse um destino trágico
Acabo encontrando
A penumbra
Que carrega a minha solidão
Perante o altar onde as divindades aguardam
O simples atravessar da alameda
Onde as almas formam
Uma colorida e exuberante parada militar
E é aí
Nesse entretanto
Que ouço as várias vozes
Que pululam a minha consciência
E acabo percebendo como elas me atormentam a minha audácia;
O meu clamor resiste ao medo
E, sem receios
Apreensões
E adiamentos,
Vislumbro o futuro
Pois,
O amanhã é já hoje!