Veleidade
Arcaboiço
De vaidade de si próprio
Arfar com a sua inteligência
Cortante e sulfurosa
Que agride gratuitamente
Quem dela se acerca;
Adora pular
Transgressivo
Nas auroras dos dias quentes
Arreganhado como uma hiena
Emproada
Alimentada
Da fétida podridão
A evocar
O mal que os outros fazem
Oculta
Nas palavras escorregadias
De sílabas que se repetem
A titubear gaguejando,
Vagueia
Sem descanso
De vigília em vigília
Na cruel excitação
De aprisionar uma frágil rês
Acaba atolando-se
Na chafurdice mais imunda!
Nobres animais
Os leões
Atacam de frente
A hiena
Essa busca a presa
Frágil e perdida
Ora, sob as ilhargas
Ora, disputando a carcaça pejada de insetos
Que os velhos leões
Há muito abandonaram!
Vives abominando o canto das cigarras
Enredado no fluxo de uma atroz secura de sentimentos
Tiritando de pensamentos
E sem se cansar
De vaguear
De rua em rua
De casa em casa
Como um saudoso entregador de cartas
Largando
Em envelopes esbranquiçados
Os lamentos
Adjetivando
Com blasfémias
O que apontas
Como a razão para todos os teus males!
E como quererias ser
O nobre e ruidoso Leão
Mas teu desígnio é rir
Escondido
Petrificado
Como uma hiena
Na pradaria selvagem…
Bela fronte
Ampla e florescente
Me vai inquietando
Sempre
E que tanto abastece
Minha exaltação de viver
Dela
Brota a água cristalina
Que
Tantas e tantas vezes
Acabou suavizando
As tardes de luz intensa
De calor abrasador
Mas que
Hoje
São meras recordações
De dois frondosos limoeiros!
Mas de ti
Vem
De uma assentada
Até mim
Uma resplandecente luz
Que ilumina o meu caminho
E que até
Embala num sorriso
O mosto das uvas
Deixando o mais sincopado
Ser
Que foge dos seus afetos
Como o diabo da cruz
Concedendo-lhe a bênção
Que o animará nessa grande paixão
Que, todavia, permanece encrustada
Na sua delicada pele!
Mas teimoso cabelo
Domado a duras penas
Pela velha escova
Que tenteia teus cabelos
E que envolve a tua fresta
Dividida na floresta silenciosa
E naqueloutra
Onde brotam as flores
Que são o teu canto de rouxinol.
Por entre os queixumes de um vento
Que se agita empolgado
Nesse Monte
Que não é serra
Não é planície
Nem sequer planalto
Avistam-se os alvores
De mais um dia que chega
Raiado a vermelho no firmamento
Ouvem-se uns ténues bramidos empáticos de uma mulher
Que vê chegada a hora
De todas as esperanças
Mesmo que a sua vida seja
Um amontoado de uma eterna solidão
Que se reflete no espelho à sua frente
Não há paixão
Ali
Não há retorno
Apenas amor maternal
Fraterno e justo
Que ajudará a dar à luz
Desta vez uma menina
Uma princesa
Que será marcada pela agitação
Dos tempos silvestres e pródigos
Da primavera
Que se não se destapa
Não foge
Não se transfigura
Não se silencia
Perante o torpor dos longos invernos
Que tolhem certas pessoas
Nascidas em signos mais invernais
E que, por isso,
Falam mais consigo próprios
Do que com o universo que os viu nascer
E nem mesmo nos dias mais felizes da sua existência
Conseguem produzir mais do que uma simples menção
Seca e destemperada
Desenxabida
Que, se bem se entenda,
Não se compreende a usura com que tratam os afetos!
Mas tu princesinha
Vieste ao mundo
Para seres igual a ti própria
Mulher que não dá por perdido
Nenhum instante
És como o arado que sulca a terra
Faça sol ou chuva
Cortas a direito
A terra
Separas o trigo do joio
Arrefeces aquele ardor que as plantas sempre exibem
E no final
Salvar-te-ás tu
Mulher abençoada
Forte como uma deusa
Meditativa como uma pitonisa
Sagaz como uma sacerdotisa celta
Tu serás
Aquilo que quererás ser
Varrerás as ilusões
Dispersarás as quimeras
Proliferarás a riqueza que trazes dentro de ti
Vieste ao mundo a 20 de abril
Para ganhares todas as batalhas da vida!
Quando
Partir
E passar
A linha
Onde grassa a escuridão sem fim
Noite pesada
Imensa
Seca
Carregada de conchas negras
Ali, onde a terra se espraia
Como o mar:
A borbulhar
A esventrar
A areia fina
Ouvir Blue Train
Do John Coltrane
Quero
Ladear-me
De todos os cães
Que me acompanharam ao longo da vida
A viajar
De silhuetas coladas a mim
Ladrando infinitamente
Sentir todos os momentos de felicidade!
Viajando
Em busca
Do lugar perfeito
Que nos seja tão caro
Tão justo
Tão inesquecível
Só nosso
Onde eles
Me possam ter
E eu a eles
Para vivermos
Todos os momentos
Em que não podemos estar juntos!