Peço
Encarecidamente
Não faças soar as trombetas
Da desilusão
Da vingança
Da fealdade
De um passado
Embora glorioso
Se desvaneceu como o pó
E que só existia na tua cabeça
Pois não volta jamais,
Aspereza
De noites tórridas
Onde
Nem um simples lençol
Permito
Que roce pelo meu corpo em lavaredas
Atrás dos olhos
Que há muito incendiaram
A íris esverdeada
Dos meus pobres olhos
Que já não vislumbram
Todo o mal que fazes nesta vida,
Há pessoas que envelhecem
Belas, harmoniosas e tolerantes
Que bem compreendem a sua missão no mundo
E mesmo de se retirarem dos holofotes da glória
Mantêm a simplicidade dos sábios profetas
Mas outras há que
Mitómanas da sua própria figura
Celebram diariamente
A sua passagem pelas luzes da ribalta
E que ainda julgam que a humanidade se detém paras as ouvir
Quando são apenas pasto para as ovelhas
Pestanas que escondem a dor que lhes vai na alma
Erva-moira que robustece as bermas dos caminhos
Mas não fazem os próprios caminhos,
Que sejas feliz na tua condição
De penitente
Com esse elmo que te faça feliz!
Agora que chegaste onde podes escutar
Até os teus mais ínfimos murmúrios
Para onde confluem
Os rios para o mar
Onde guardas as tuas enormes fraquezas
Que nunca te abandonaram ao longo da vida
Sê radiante e venturosa
Nessa planície luxuriante
Que sempre esteve dentro e ti!
“Encontrarás Deus no trabalho e na vida quotidiana”
A Obra nunca se encerra
Não se iguala
Não se equivale
Não se detém com os
Infiéis
Hereges
Traidores
Que não cumprem
Com as virtudes da castidade humana;
Um ressoar de lamentos
Aprisionam as almas
Não se inquietam
Com a densidade do que a Obra apregoa!
Deixaste-me na solidão inexorável
Do deserto seco e abominável
Que
Curiosamente
É obra de um dignatário tão altíssimo
Que certos gentios
Acetinados com um certo vazio
Falam em nome Dele
Expressando o orgasmo das almas
Que só se afoguentam
E se excitam
Quando uma frase
Um pensamento
Que pedem emprestado a outrem
Se pendura no seu epicúrio cartão
Com que se exibem nas redes sociais
Para se estatelar num dislate
Que não consegue disfarçar a superficialidade!
Mas, enfim,
Bota lá nesse céu estrelado
Que as virtudes da Obra
São infindáveis
E
Quero
Posso
E desejo
Ser soldado
De um mundo
Que apenas e só
Avista a Obra!
O caminho
Estreito e nubloso
Que acabaste seguindo
Por esse desfiladeiro
Infindável
Dar-te-á
Senhora
O valor de uma vida,
Tu que tens no rosto
As cores da natureza
A opala no seu estado puro…
E foi então que
Eu
Senhora
Me dei conta que te tive tão perto
Tantos e tantos anos,
Enfim
E só quando partiste
Ou tive que partir
Imperiosamente
Me dei conta
Que minha pobre garganta acabou secando
Incomensurável
Inabalável
Profundamente,
Hoje a voz treme de emoção
As palavras secas não saem
Os pensamentos estão lá
Mas restam-me as pequenas vinganças
Levianas
De ir ganhando uma e outra batalhazinha
Mas sei que a guerra
Há muito a perdi
Quando me deixei invadir
Pela emoção e desespero
Quando permiti que te resgatassem
De uma vida menor
Que eu sei bem que era a que tinhas
Mas eu era incapaz de fazer melhor
Daquilo que fiz!
Tua dádiva
É fogo que se pressente nessa luz estrelar
Que para mim
Nesta vida
Não se apaga jamais!
Teu regaço
É ternura pura
Capaz de cavalgar por essas planícies tórridas
De solo enxuto
Que alberga
Ora oliveiras
Ora sobreiros
Ora chaparros
Que são o alfa de qualquer glosa que advenha do Alentejo…
Teus olhos principescos
Pequenos e luzidios
Espantam-nos
Interrogam-nos
E acabamos rendidos ao seu fulgor;
O teu rosto sereno
Rende-se ao meu
E o meu ao teu
Até a natureza quando te concebeu
Teve um momento de êxtase
E não conseguiu conter um
- Ó que maravilha!
Percorreste os desfiladeiros mais perigosos desta vida
Ficaste tantas vezes silenciosa
Na solidão que escolheste para viver essa outra vida
Até que foste tocada pelas minhas ténues palavras
Uma singela saudação
- De como vai a minha amiga?
E não resististe
Não era eu ou outro qualquer
Que te levaria a cometer uma loucura
Tu, há muito, rejubilavas por um momento como este
E ninguém percebeu verdadeiramente a tua quinta-essência
Viam em ti uma mulher que se inibia
Pelo “pecado” que saía da boca dos outros
Uma mulher que tinha que se comportar
Dentro dos arreios que a pequena comunidade
Exigia aos seus
E que sistematicamente tanto gosta de oprimir as mulheres promíscuas
Mas tu
Com esse odor a flores silvestres
Que traz sempre uma brisa
De uma cascata que se acomete nas duras rochas milenares que forram a montanha
De coração quente e jubiloso
Que rabisca à mão letras garrafais
Que desenha pequenos corações
Acompanhados por flores eretas
Recrudesces quando esses lábios
Encontram os meus
E é aí que sinto que o sol
Mesmo que se esconde todos os dias nesse misterioso ocaso
Voltará sempre a iluminar o meu olhar
Na alvorada que surgirá no dia seguinte.
E todo o teu corpo
Seguirá colado ao meu
E o meu colado ao teu
Até que o sol já não tenha ocaso
Até que o dia já não tenha aurora!
O alvor
De uma pureza de seda
Tão silenciosa
Como prudente
Sustenta uma tela colorida
Que se espalha
Pelo dealbar de um olhar atento
Às refeições
Erguida
Como despejos de uma guerra perdida
Mas de figuras simpáticas de alimentos
Todos eles vegetais
Que adornam os paladares das sopas
Tão do agrado dos comensais:
Alcachofras sumptuosas
Nabos ligados a ramas florentinas
Cenouras acompanhadas de cordão umbilical
Folhas esquecidas que se bastam a si próprias
Feijão a soldo de uma boa refeição proteica
Isto tudo nos chega através de uma simples toalha de mesa
Que se exibe
Esticada hercúlea
Sobre a mesa
Onde se consomem as viandas
Que na azáfama dos dias
Nem se dão conta
Das orações
Que ficam por dizer
Na espuma dos dias
Sempre tão iguais:
“digno senhor, abençoai os alimentos…”;
Mas sob o manto branco
De uma toalha de mesa
Estendem-se cores prussianas
Que nos embalam:
Verdes
Castanhas
Roxas
Leguminosas
Que parecem fugidias
Dos principais cardápios
Das mesas lusas
Mas que
Em latitudes tão distantes da nossa
Que hoje se guerreiam freneticamente
São alimento diário:
O borsch
Borscht
Ou borche,
Também escrito como borshtch
Com a beterraba tão presente
Que lhe dará uma textura espessa
De uma coloração vermelha
Sanguínea
A homenagear
Todos os que tombaram nos campos de batalha
A defender o vizinho invasor
Tão obsessivo e tétrico
Dominado por uma criatura bélica
E tão perdidamente animalesca
Que tantas vezes parece perdido
No meio de páginas e páginas de obras
Que fizeram furor
Na literatura universal!
Espero-te
Infinitamente
Apesar de há muito
Me ter circunscrito
A evocar saudosos tempos
Em que tateava
Ao de leve
Os teus finos cabelos
Que caíam
Como indeléveis parreiras
Imperturbáveis a sorver os nutrientes do planalto
Que refrescavam as tardes tórridas dos sucessivos verões
Esvoaçantes em murmúrios ardilosos
Por entre teu rosto adolescente
Onde pontificavam pequenos pontos:
As sardas
Entusiasmado por esse olhar
Que se cruzava com o meu,
Foste tu
A vencedora do prémio
Do Concurso de Vestido de Chita
Acabei perdendo teu rasto
Para
Nunca mais te pôr a vista em cima
Escapuliste-te
Como areia fina por entre os dedos
Acabei
Saltitando de árvore em árvore
Como passarito ferido
Em busca de um lugar de conforto
Um recanto que me protegesse
Das saudades que me consumiam
E acabei
Por me esconder
Estes anos todos
De ti
De todas,
Finalmente reencontrei-te
Num regaço de um dia quente de julho
Debaixo do manto
Da menina que recolhia
Flores bravias coloridas
De sorriso imprudente
Lábios decorosos
Que cheira atenciosamente
Gladíolos
Açucenas
Jasmins
Lavandas
Margaridas
Ou simplesmente a erva-doce
Que se esconde nos inúmeros relvados
Que são pasto do gado
E quando saboreio os seus maviosos beijos
Pareço reencontrar
A sardenta menina
Que não sei se ela existe já
Ou se vive
E sempre viveu
Na minha imensa fantasia!
Agora que o paredão
Foi destruído
E o imenso caudal de água escapou
Inundando
Tudo o que antes era terra
Plena e desejada
Da soberba Mãe natureza
Que alimenta o mito dos seus concidadãos
Que nascem nesta latitude
Uma encruzilhada
Entre a Europa
Dos princípios
E a outra das imposições
Não desesperes
Com o desespero do inimigo
Um soberbo e imperial país
Mas também um infinito mundo kafkiano
Onde nada muda
Apenas os nomes dos seus líderes
Que silenciam as vozes do povo
E querem constantemente reescrever a história
Para a impingir aos que se deixam seduzir
Ou àqueles impingidos
Que o são
Porque deixaram de ter voz
Vendendo os seus princípios,
Mas
Como diria
Dolores Ibárruri
La Pasionaria
¡Los fascistas no pasarán!
¡No pasarán!
A luz que emana de teus pequenos olhos
Traz o âmago da tua alma
Desse lugar onde os Homens
Há muito se afastaram
Para se aterem
Ao ter
Em vez do ser!
Por mais que queiram silenciar
A tua superior dimensão
Amesquinhando-te
Com lugares comuns
Com conveniências somíticas
Ou até com plumitivas palavras
De pessoas
Que apenas conseguem florescer
Jardins insípidos,
Tu,
Pelo contrário
Por onde passas
És um farol iluminado
Que orienta todas as embarcações
Na grandeza do oceano de uma vida
Onde quer que te debruces
Sempre acompanhada com aquele sorriso de criança
Colhendo as flores bravias
Que crescem indeléveis nos campos primaveris
E também com pequenos gestos
Delicados e afetuosos
Que eu pressinto
A tua soberba dimensão:
O sol de cada dia
O azul do mar ondulante
A paixão mais apaixonada
Por não abdicares nunca
Do que és e do que vales
E por isso
Mas não só
És tão imensamente delicada com os amigos
Tão agressivamente tolerante e dedicada
Que eles nunca se olvidam de ti,
Próximo de ti
Somos também amigos dos teus amigos
Longe de ti
Somos simplesmente ignorados por eles!