Busco a tua história:
Uma longa travessia
Por onde empreendeste viagem há muitos anos
Na errância de sucessivos enganos
Adormecida
Sonâmbula
Escondida nos excessos
Atormentada
Em busca da água cristalina
Que queimava os teus lábios
Mas que refrescava as tuas entranhas!
Junto a minha história
Um compêndio de conquistas
Sem nunca fixar
Em nenhuma paragem:
Um ogre alimentado dos sentimentos alheios
À tua
E eis-me
Idolatrado
E a idolatrar-te
Nessa mistura de flamengo e vira
A tatear o teu coração gigante
A ouvir a propalada paixão
Que cintila com uma estrela ao longe
E que é o farol para mim
Que ilumina e equilibra esta experiente embarcação
A marear, a marear
Nas águas do oceano
Lá onde os meus encantos
Resplandecentes e de filigrana
São o pólen que floresce as flores
Sedução que emana
Da tua presença
Sempre tão marcante
Em mim!
Os anos passam
Permanecem as memórias
Que são também
Páginas lustrosas da nossa própria vida
Naqueles instantes em que o presente
Se sente pastoso e desalentado,
Mas as tuas lembranças
Tenho-as e tê-las-ei sempre
Bem vivas
Pois guardo dentro de mim
Uma aresta que sempre esbarro!
Os velhos salmões acodem ao açude
Tingindo as águas esdrúxulas
De um velho ribeiro que não desiste de correr;
Águias que pairam no ar que ilumina o desfiladeiro
Por onde corre um vento forte e sincopado
Parecem suspensas nos céus azuis das serras
Imperiais e cortantes
À espera de algo para comer;
Um velho cão
Que não larga o dono
Caminha
Custoso
Desnivelado
E débil
Pousando as suas patas
Flácidas e periclitantes
Que já não se fixam no solo
Movimentando-se a custo:
Já lá vai o tempo em que
Ágil e aventureiro
Este velho amigo
Pulava de um lado para o outro
Com agilidade de um felino,
Agora
Descansa a meus pés
Inelutavelmente
Dormindo, dormindo
Sono profundo
Infindável
Que só se interrompe
Quando um gesto meu
O faz despertar e erguer-se
Para caminhar a meu lado
Ou atrás de mim,
Mas agora
Vergado ao peso dos anos
É penoso e triste
Vê-lo calcorrear
Todos os locais que piso
Querendo estar sempre onde estou
Se pudesse…ah… se pudesse…
Este velho companheiro
Andava sistematicamente a meu lado
Nunca o avistei cansado por me acompanhar
Mas antes feliz e lisonjeado por o fazer
Haverá prova de maior afeto?
Quando morrer ter-te-ei a meu lado
Agitando a exígua cauda cortada
Olhando-me profundo e contemplativo!
Por Vós
Donzela
Asseada
Leve
E penetrante
Tão imensamente inserta em mim
Que sóis eu
Já
Da mesma carne
Sangue
Fulgor;
Juntos
Edificamos a ponte
Entre o sonho e a realidade
Que acabou ligando o destino
Que nos trouxe a cor dos sonhos
E que tão bem mudou a missão de uma vida:
A mim
Trouxe-me a paz vitoriosa
A vós
A glória de uma vida galanteada
Que vos roubou ao desplante de quem vos tinha
Por ter,
Soube guiar-vos
Pelo fluxo incandescente
E incessante
Que escorre pela pele da montanha
Fugindo ao vazio do descontentamento
Que parecia
Um intragável destino de vida
Que já nada mais tinha
Do que vomitar as entranhas
De um fulgor entorpecido
Lava viva e púrpura
Que se apaga lentamente
E sem entusiasmo
Transformou a vida
Em paisagem lunar
Escura como breu!
Voa ave redentora
Nos céus do Monte
Nesse milho que se agita ao de leve
Que aspira ao sossego eterno
De uma vida em paz
Repleta e densa de concretização!
A nossa força?
Querer tudo
Há quem nada queira
Nada terá!
Enseada aparelhada
Para onde me dirijo sempre que apresto viagem
À espera que o vento do sul
Me indique e favoreça o caminho
Para navegar nas águas do mar ondulado
Que me levará guiado pelo sol
Nos dias iluminados
Ansioso por chegar
Debaixo da noite escura
Ensandecido pela omnipresente lua
Que nunca se esquece de me acoitar nos seus longos braços
Que me adormecerão
Na vã esperança do fim do tédio
A interceder através do brilho intenso dos sóis
Pendurados no céu opaco
Onde gravitam os planetas
Que anunciam a esperança!
Em cada partida
Largo o meu aborrecimento
E carrego com a luz da esperança
Que nunca se deixará seduzir
Pelo excesso de vontade
Que muda a perspetiva
Mas não mudará nunca
O prisma mais lunar que há em mim
Que é como um oceano
Que
Ora se acerca
Ora se afasta
Do litoral
E que contempla a verdade
Como um açude onde vivem os salmões
Que fareja a mentira
Mesmo que escondida no manto nebuloso do rio
Que abriga a escorregadia enguia
Mesmo que essa verdade surja sob a forma de uma narrativa
Que se extinguirá
Como pó
Que absorve toda a vida…
Vejo
Cada vez mais
Esse teu rosto
Aglutinado
Carcomido
Pela mentira
Que te mordeu
Como uma serpente
E
Sem soro antiofídico
Um dia desejarás tê-la por perto
Mas ela escapuliu-se
Há muito
Das tuas vacilantes mãos!
Adormece, pois,
Nesse granulado
Que já só serve para te iludir…
Sigo
A marcha
Da ladeira
Que observa
Paciente
A planície raiana
Onde se amacia e refresca
Nos dias desesperadamente tórridos
O velho aqueduto;
Tocando
Levemente
A monumental Elvas
No meio de um intrincado
Ninho de ruas íngremes e estreitas
Que confluem até à Praça da República:
O coração da cidade!
Abaluartadas
As inúmeras fortificações
Que nos remetem
Para a sina da cidade
Perdida no Alentejo:
O degredo
Para os militares revoltosos
Ou os que se aventuravam a fugir ao cumprimento das suas obrigações;
No extremo oposto à cidade
Uma colina nos interpela
E bem no centro do seu pináculo
Um conjunto de fortificações
Que, do olhar do velho falcão,
Nos surge como uma estrela bem pronunciada;
A caminho do castelo
Um belo rebanho de cabras
Apascenta nos terrenos sequiosos
Submergidos pela copiosa palha
Que se move sinuosa ao sabor de um suave vento
Capitaneado por um vagaroso pastor
De casaco suspenso no ombro esquerdo
Mão firme na vara que o sustenta
A olhar o infinito
A deglutir leves tragos de ar
E a trautear essa bela canção:
“…Ó Elvas
Ó Elvas
Badajoz à vista…
Transporto no peito
A minha cidade…”
Que se fez
Menina
Mulher
E quando se pensava que
Finalmente
Envelhecera
Eis que se tornou intemporal;
Secam-me os lábios
Endurecem-me os olhos
Enche-se-me o peito de ar
Abrem-se-me as narinas
Que esta gente é de fibra!
Sentado num banco da cidade
A ver Dom Sancho II
Erguer o seu triunfalismo
Aprecio o entusiasmo do jorrar da sublime fonte
No meio da rotunda
E por entre os plátanos
Cortinas de fumo
Numa tarde de incêndios
Surge tímido o velho edifício do tribunal
E eu nutrido
Das boas meças
Que a terra em Elvas dá
Rejubilo da minha presença ali
Sinto-me
Quase
No centro do universo
Elvas
Está pejada de passado
Que é presente e futuro!