Permaneço
Todavia
Não me fui
Nem acabei sucumbido
Continuo percorrendo
Os caminhos da liberdade
A calcorrear o areal
Imenso e que emerge em dúvidas
Sobre como cheguei até ti
Que todos os dias se transfigura
Como se fosse a própria ideia de uma vontade indómita
Que se alimenta do desejo,
O sol
Nos dias de calor intenso
Parece que coze
A areia aos tropeções
Pejada de construções na areia
Siderada e húmida
Esbeltas pelos seixos
Aglomerados em certos sítios
Na fina areia molhada
Que parecem ter escapado às diatribes
Das ondas
Que uma a uma
Esbranquiçadas
Vão silvando ali bem perto da linha de água
Pejada de indomáveis pescadores que seguram canas
As ondas foragidas dos braços vigorosos do mar
Brilham como estrelas
O omnipresente sal
Ajuda a temperar os odores da maresia
Que nos entra pelas narinas
Trazendo-nos à memória
Um tempo trigueiro
Abundante dos cheiros de criança
Condimentados pelos odores de comidas
Na época
Pejado de personagens
Que acabaram partindo
Mas nesse tempo havia a hora em que os veraneantes
Pareciam desaparecer da praia
Refugiando-se à sombra das barracas listadas
De tons azuis
Verdes
Misturados com o branco
Ouvindo os relatos empolgados
Do pelotão da Volta a Portugal!
Hoje é tudo mais fino e imperial
Já não há comida
Servida nos pratos
O arrozinho
Acompanhado de panados
Frango
Ou o feijão
Hoje
Há fruta
Água
Barras energéticas
E as bolas de Berlim…
Mas o mar
A luz transformadora
A esperança
O amor
O fim do verão
Esses serão sempre iguais
Nesse balanço que traduz o entusiasmo
De que um dia será sempre verão
E
Tu e eu
Caminharemos
Embeiçados
Cúmplices
Deitados nesse ninho de amor
Construído
De ínclita geração de afetos
Que nunca se extinguirão
Do nosso mural
Onde guardamos as nossas memórias!
Leve
Como teus olhos cândidos
Tuas mãos silvestres
Que te precedem
Tuas coxas
Retesadas
Que buscam
Ufanas
As minhas estrias
Nesse toque profundo que sinto
Quando roço pelas tuas pernas
Nesse longo passeio
Que parece não ter fim
A nivelar a areia debaixo dos nosso pés
A ouvir o som do mar
Com suas ondas intrusivas
A testemunhar um tempo que não se detém
Na luz que se anuncia
De amor sincero e justo
Impregnado de palavras
Que repetem sempre as mesmas frases
Numa voz gutural
Que reflete
A dor sentida
Que se passeia sempre nas tardes de verão
Entre os bosques vizinhos
Que guardam os segredos
Que pululam as areias
Que nunca sucumbem
Às páginas inteiras do livro
Que se escreve
Entre todos os instantes vividos
Junto da liberdade
Que mareia na sonolência
Entre a vida e o sonho!
Indecoro
Essas tuas mãos pérfidas
Que insistentemente procuram suspender
Um ténue fio de vida
Tornado um fino e intermitente espaço
Que resplandece o prazer de uma vida
À espera que uma réstia de esperança
Acenda o meu entusiamo
Que me ponha no trilho
Onde as estrelas vivem
A cintilar de prazer
Sem cuidar de preservar
A sua infinidade
Tão eloquente como finita,
Se tiver que desejar
Lanço-me com tudo
Até alcançar o teu coração
Dou
O que de mim existe
Nesse mar imparável
Que não se atreve a suspender as ondas
Que vagueiam sustenidas na areia branca
Carregada de sons
Que tateia os meus pés
E que os envolve
Como se fosse um fino algodão
Que os acalma e preserva
Dos grãos de areia
Que se colam à pele
Para os capturar!
Caminho a irradiar
A vontade da esperança
Seguindo sempre a luz que me ilumina
Desde as primeiras horas de vida
Para não fenecer
Debaixo da agonia da indiferença;
Se morrer no meio da correnteza do rio
Fá-lo-ei sempre
A lutar
A lutar
A lutar
Contra o desinteresse
Que destrói vidas
Amargura as gentes
Decepa as árvores
Seca as finas flores
E acaba queimando
As ervas daninhas
O verão
Chega sempre forte e vigoroso
Acaba por dar lugar
À triste sina de uma fragância insipida
Que se agarra às pedras com uma lapa
Vivendo os dias sem chama e apego
E quando o sol começa a brilhar menos cintilante
No dealbar de agosto
Sobrevem esse setembro
Com a promessa de uma vida melhor
Mostrando as primeiras lágrimas a gotejar
Beijando o chão duro e seco
A sobressair o forte odor a terra
Que faz renascer um novo ciclo de vida
E quando o natal já espreita
Com a promessa de um ano melhor
É quando os olhos se abrem
Para respirar debaixo da realidade
Que está sempre a emanar dentro de mim:
O sonho extinguiu-se
Venceu a força da vontade
Para fazer de mim a força da natureza
Que irrompe sempre
Mesmos pelos caminhos mais ingremes
A deslizar por entre as pedras mais duras
Transportando a água cristalina!
Ergue-te
Neste sol proeminente
Sem sombras
Onde a sua inclemência
Aprisiona os mais débeis
Até ao dealbar
De uma nova era
Onde o chão se apresentará invariavelmente iluminado
E assim caminhando
Queimarás as tuas próprias palavras
Proferidas em dias irados
Que acabaram por se tornar numa espécie de cicuta:
O que não querias
Tornou-se realidade
Que te vai atormentando
E quando te miras ao espelho
Como não gostas da solidão que se circunscreve
Acabas por te transformar num pirómano
Um desses criminosos incendiários
Sem contemplações
Que apenas buscam vingar-se do mundo
Que
Acha
Tão mal lhe causou!
Mas o sol
Queima as tuas próprias palavras
Seduzindo os sérios e sorumbáticos
Acabando por destruir a via romana
Que liga Roma aos bárbaros
Acabas rendido
À intriga comezinha
Ao vitupério mais comum
Acordas e já não avistas o campo de flores
Que antes era coisa pouca ou nada
E agora tamanhas saudades te causa!
Até o cavalo te abandonou
Cavaleiro
Vives só na lembrança que o foste
Montado nas tuas próprias ilusões
Que nunca soubeste acondicionar
À vida que o destino te foi reservando…
A vida fácil
Tornou-se na tua própria prisão
Vives
Apenas
A descontar os dias
Que ditarão a tua libertação…
Para te ver
Para te cheirar
Escutar
Vindo de ti
O chilrear risonho
De eterna criança
Apreciar
Vindo de ti
O voo deslumbrante da borboleta
Que exibe as coloridas asas
Que balançam
A dança efémera
A cravar o teu olhar
Que não me canso de alcançar
A visão de uma vida
E sem se esconder
Selecionou o torpedo
Corajoso e temerário
Que acabou implodindo as ruinas
Da casa empoeirada
Que albergava as sombras de um passado
Que pululava a imaginação
De uns quantos
Que da vida selvagem
Têm dentro de si
O olhar de uma visita
A um zoológico
Que alberga as sonolentas bestas
Que se atormentam
Por já não serem de lugar nenhum
E que do elefante
Sabem apenas que toca o sino
Quando avista a moeda!
Vieste do passado
Tão longínquo e espesso como eterno
Ocupaste o presente
Daquele teu jeito
Avassalador e firme
Que preencherá o futuro
Como um sol radioso
E do passado
Sou apenas o que de ti evoco;
Deixa-me salivar
Apreciar as tuas finíssimas mãos
A preparar
Concentrada e perdida na luz de uma paixão
Os pastos mais verdejantes
Nos campos verdes
Que parecem opala
Em certos dias de sol!
Deixa-me, pois,
Urdir em silêncio
A tua voz fina e tormentosa
Tão inacabada e supletiva
Pelos silêncios alquebrados
Orgulhos prisioneiros das vozes que
Sistematicamente
Se soltam das tumbas
E perguntam pela eterna menina
Das árvores em pranto
Pela ausência do teu embalo
Que era um bálsamo
E que por ali já não o sentem!