Paciente
Plácido
Mas decididamente
Acabo a olhar para trás
Seguindo as pisadas de uma pequena formiga
Que percorre
Caminhos
Ladeiras
Que ao menor obstáculo se desvia
Ou iça-se
Percorre-o
Até o vencer
E sempre a mitigar ações ou gestos
Mas não se poupando a esforços
A carregar cargas pesadíssimas
Que
Em tamanho
São muito mais do que o seu pobre corpito
E sem que ninguém saiba
Nem como nem porquê
Sorri sempre a todas as vicissitudes
Pra nunca se dar por vencida!
Esta formiga
Que não é de lugar nenhum
Mas de todo o lado
De quem a quiser
Parece dizer-nos sempre
Com aquele semblante carregado de sorriso de criança
Voz fina e maviosa
Que foi ali
Naquele declive
Povoado de árvores colossais
Numa pequena aglomeração
Que faz lembrar a ruralidade perdida
Onde ainda se ouve o cuco cantar
Se observa a senhora poupa
Em busca da lama para construir o seu robusto ninho
O delicioso canto do grilo ainda nos delicia
Que a formiga nasceu
Mas que quando a morte vier
Seja ela
Pois então
Não ali
Mas no mundo!
* Frase do padre António Vieira proferida, ao que se diz, em Roma no século XVII.
Do teu corpo musculado
A brotar essa força descomunal
Que nos atravessa
Quando contemplamos fixamente
Teu porte
Equídeo,
Saudade imensa
De teu puro trote
A abreviar distâncias
Agitando pradarias
Insuflando ar fresco
Nas gotas de uma lembrança
Que nos vai atormentando
Da vida sonhada
Que nos agita essa vida ansiada
Que corre indelével
Como manchas de pele
Em fios de gotículas de suor
Que agitam as nossas consciências
Por onde se ergue a tua bela cabeça
Onde medra o jardim
Embelezado pela tua bela crina
Essa mancha capilar
Com que adornas
Altivo e vadio
O teu lado selvagem
Sempre a lutar
Para não morrer na sonolência
Subjugado
Olhando as mais pequenas querelas
Que a teus olhos se passam
O mar que nunca engole o rio amistoso
A terra absorva a mancha de ar
Que nos transportará até esse tempo
Em que o velho cavalo amistoso
Se passeava pelas ruas íngremes
Carregando os cântaros de leite
Em cada um dos teus quadris
E todos os dias era um vislumbre
Para a janela dos nossos sonhos
Pululada pela casa da nossa infância!
Acabo a contemplar-te
Uma e outra vez
Chilreando na floresta encantada
Onde nunca é tarde para acontecer,
Partes
Para a derradeira viagem
Que
Todos os anos empreendes
Do sul até ao norte
Nessa arribada jubilosa
E com áurea te concede
Esse título de Princesa,
Mas é a hora do regresso
A essa costa ventosa
Que testemunhou
Barcos carregados de especiarias
Fustigados pelas águas
Pululada de escarpas
Que parece não ter fim,
Depois de um verão quente e seco
Que se arrastou
Em dias e dias consumidos
A olhar o mar
A mirar a areia repleta de gente
A passear os sonhos
A tatear-se
Desejando que o mundo se detivesse
Naqueles corpos agrestes e salgados
A caminhar na praia
A encarar
Lá longe o horizonte
E a ver o pescador
Fustigado pelo inclemente sol
De cana na mão
Paciente
À espera de capturar o maior robalo
Que vai lutando
Para não cair num simples balde
De corpo areado
A morrer lentamente
Enquanto ouve o mar tão perto
Impotente para a ele regressar!
Agora
É hora de começar mais um ciclo de vida
Vejo a tua partida
Não como um movimento definitivo
Mas um até já
Que para o ano volto mais forte…
Singela andorinha
Tu que cada ano regressas sempre
Ao mesmo ninho
Onde abriste os olhos
E concedeste vida
Ao mundo
Arfa esse peito enorme
Pois quem viaja a essa distância
Como só tu o fazes
Não tem limites na terra
E por isso
Chilreia sempre adorável andorinha
Concedendo-me ignotas saudades
Dos dias tórridos e secos
De um tempo que se escapou de mim
Como areia fina a escapulir devagar
Por entre os dedos finos das minhas mãos.
De que te adianta lamuriar
Se vieste para viver
Em excesso permanente
Tudo quiseste
Tudo queres
Tudo quererás
E o que não te destrói
Faz-te mais forte!
Olhas-te ao espelho
E que miras?
Uma indestrutível força
Que não vacila
Uma onda de paixão
Que não se atormenta com o irrisório
E há tantos e infindáveis sentimentos nobres dentro de ti
Que chega a parecer imodéstia
Essa tua simplicidade
Sem ardis e sincera
Que não vê limites para ajudar
E que grita
Como um animal enjaulado
Quando não vê a quem possa auxiliar
Quem mergulha
Nesse lago interior
Que refresca as margens
Do teu juvenil entusiasmo
Fica siderado
Com tamanha amplitude!
O que tu vês
Em ti
E nos outros
É pura bondade
Pois em ti não há
Intrigas ou maldades
Olho
E vejo-te já a partir dessa barcola
Onde te avistei pela primeira vez
Onde mareavas
Com perícia
A embarcação
Que não se suavizava
Nem se acalentava
Ao mero sabor das ondas
No fundo
Moldaste-te a tudo e a todos
E quando parecias já esquecida
Eis que
Vejo minúsculas barcolas
A acenar
Saudosas
Para o teu barco
No horizonte
Que mais uma vez
E
Mais uma
Não perecerás!