De vez em quando regresso à praia para refletir…
Há não muito tempo era um lugar festivo
Corpos estendidos e esticados sob tolhas estampadas
Para se deixar tisnar
Salgados e encorajados a deixar transparecer a sua vacuidade
Perseguidos por odores incessantes e contraditórios,
Mas agora quando ali retorno
Sinto o peso de um lugar
Que guarda os olhares fundos de gaivotas
Que se extasiam a observar o apetite voraz do mar fogoso
Intemporal e estrondoso
E que sempre nos olham receosas
Mesmo que o nosso regresso seja voltamos ao local onde fomos felizes!
O vento afasta qualquer veleidade
Para encararmos esse nosso desejo
Que voltarás um dia a escreveres furiosamente
Uma e outra vez
Continuando a remexer nos armários do sótão
Rodeados do pó
Que se acumulou e entranhou ao longo dos anos
Libertando as palavras carregadas de desejos angustiantes
E que acabam por te deixar com a tua consciência em paz
Na mochila que transportas
Onde conservas os teus escritos
Recheados de desejos amistosos
Mas que, para alguns, podem ser puro veneno tóxico
Não me canso de olhar
Uma e outra vez
O rosto com que me habituei a associar-te
Onde depositastes tantas palavras
Carregadas
De desejos
De ilusões
De esperanças
Mas onde tantas vezes te indignastes
Dos ataques ferozes de figuras incógnitas
Que se escondem das suas próprias amarguras
Mas, onde, também sentiste palavras de oiro dos que se elevam
Debaixo desse coração amistoso
Para deixar registada a palavra solidariedade
Mas agora que perpasso
Pelos blogues abandonados
Que parecem as praias atingidas pelos sucessivos temporais
Vou passando suave e delicadamente
A evocar o rosto que de ti guardo dentro de mim
Revejo as tuas doces palavras de encantamento
Deixo-me extasiar pelos teus nobres sentimentos
E mesmo perdido nessa areia amolecida e perigosa
Pelas constantes vagas invasivas do mar
Não me deixo enganar
És tu que ali sempre procuro rever
Em coro
A acompanhar a ode do vento
Onde tantas vezes te superaste
Mas que agora hibernaste para passar para o infinito intemporal,
Não deixes apagar nunca
Todas as praias onde foste tão indelevelmente feliz
Esses lugares sagrados que, em ti, não habitam no sótão
Mas convivem amistosos com as palpitações do teu coração!
Breve chegada
De uma ausência prolongada
De lá, de onde pontinhos
Cintilam como estrelas no céu
Acabam transformados numa singela evocação…
Mas tocante foi sentir a esperança
De te ver ao meu lado
A percorrer a tão almejada paz!
Mãos tateiam tenuemente a crueza das palavras
Que vão surgindo no ecrã
Em crescendo
Escolhidas
Buriladas
Por fim acabam por ser aceites
Pois, suaves, sensibilizam;
E como nunca me dou vencido
Enveredo pelo caminho onde sempre sigo o seu encalço
Na concavidade do terreno
Enterrando os pés
Na extensa folhagem castanha
Que cobre o solo
Onde maçãs podres
Convivem pacificamente
Com aqueloutras tão viçosas
Onde marmelos de casca dura
Como terra seca
Enrugados e presos aos ramos secos das árvores
Desesperam para ser colhidos
Onde diospiros cada vez mais escarlates
Rasgados pelos hábeis bicos dos melros
Se aprontam a ativar os meus desejos
Onde ouriços, com castanhas, ainda verdes, vão-se amontoando no chão;
Tudo constituí o olhar de uma certa nostalgia do tempo compartimentado e rígido
Das quatros estações
De repente, uma chuva inclemente e furiosa
Invade os campos circundantes
Dando-lhes
Onde antes era desespero: quente e seco
A vida carregada de esperança
E a tão almejada água acaba caindo em grossos pingos
Para dar vida, à vida, que se havia convertido em exasperação
As bátegas intensas, vigorosas,
Como uma monção
De uma sonoridade veemente
Batem nos vidros
E aí vem-me à memória aqueles pequenos anelídeos
Que, com a chuva, se atrevem a caminhar por entre a terra húmida
E tudo o que meus olhos vêm e admiram
São sinal claro de que o outono chegou por fim!
E na escuridão, agora tão longa,
Em que os dias castos se transformaram em pecaminosos
Aguardo com paciência e sabedoria que os que virão
Sejam mais gratificantes e inspiradores
Deixando que a inspiração te chegue pela frescura matinal
E que as palavras se arrumem e casem facilmente umas com as outras
E saia, por fim, esse poema
Que estilhace essa tua voz
Que tanto se apressa a vituperar
Tão insidiosa, como atroz
Que não se cansa de perorar
E até de insinuar
Segredos…
Destruam os espaços cintilantes que me rodeiam
Que quão longínqua está a tua compreensão
Do que de mim te atreves a dizer
Mas, antes, cada vez mais perto de um convencimento
Tão errático, como postiço
E é quando pressinto que achas que estás perto da verdade
Que me atrevo a ir até ao cume das montanhas
Para me lançar com as asas pressas ao corpo
Nos filamentos de um vazio
Que me levará à redenção dos pecados cometidos nesta vida
Pois, diabo o sou, diabo o faço
Pelas pregas das Artimanhas tecidas por belzebu!
Derramar lágrimas
Como as de um velho crocodilo
Que às margens do Nilo
Tenta atrair as vítimas
Para as devorar na hora
E lacrimejar, lacrimejar!
A mentira ergue-se
Astutamente
Por entre a voz
Nesse propósito absoluto
Razão de ser
Que é filha do logro
Dos avós, dos filhos, dos netos
Diletos
Das estepes estalinistas;
Por cada um dos teus poros
Soltam-se flácidos fios
Que
Em cada um
Vai a mesma sofreguidão
Voraz e tentadora
Como te lanças ao mar encrespado
Para navegares nas suas águas sulfurosas
E onde verbalizarás a condenação da violência
Para, no fim, cantares:
“De pé ó vítimas da fome…”!
Mas todas as certezas com que assolas
Aos que
Dizes
Matam pelo prazer de matar
Logo se transformam em dilemas
Silenciando-te
Atroz e covardemente
Quando vês as mesmas armas que têm vindo a dizimar a Ucrânia
A destruir a carne
A esfacelar os ossos
A derramar o sangue dos seus ínclitos cidadãos
A pulverizar cidades
Como o massacre de Bucha!
Aprioristicamente
Apareces agora eivado daquela autoridade
De quem precisa de justificar a sua relevância
Acabando representado
Ao mais alto nível
Em cada ajuntamento que brame
A condenação dos filhos de Abraão;
Por cada dia que passa
Vejo esse teu cadáver fragmentado
Onde o vermelho deu lugar ao castanho-escuro
E
Entre silêncios
E gritarias
Convives irmãmente com as deportações em massa
protagonizadas na Velha Mãe russa
Que sempre se resguarda
Nos silêncios sepulcrais
Para venerar os seus heróis
Presentes
Pois
Os do passado
Foram há muito guardados em matrioskas!
Cresceu em ti
Essa entidade estranha
Tão antiga como medieval o é
Concebida à volta de tola ilusão
Criar ciúme no meio da palha
Que, voraz e tentadora,
Logo se incendiou e devorou tão infeliz quimera
Mas esse aparente
Gigante com pés de barro
Depressa se auto mutilou
Decepou as suas finas pernas
Porque ideia levita
Não precisa de caminhar
Para entroncar de corpulência
Aparentado de rude alma
Que tem nas mãos o seu sustento
Calejada e robusta
Como se fosse uma besta
Dessas capazes derrubar uma árvore de grande porte
Com uma vigorosa cabeçada
E, garboso com a criação,
Quis
Sub-repticiamente
Aspirar ao vento que corre pelas colinas de Golã
Para ele transportar a boa nova
De um homem novo e reputado
Carregado de uma suposta felicidade
Protegido e invencível
Com uma Ideia apenas
Que tanto o enchia de orgulho
Apesar de continuar nessa vida vazia
Distante dos gritos dos de casa
Ausente dos queixumes dos animais domésticos:
Do cacarejar das galinhas
Do ronronar do porco
Do grito lancinante dos perus
E foi num negrume retiro
Que acabou por conceber
Mesmo sem o saber
Uma ideia de vingança
Que como ovo estrelado em demasia
Acabou por o chamuscar…
E apenas lhe restou
Mendigar junto do rabino
Como destruir essa tola ideia
E ele disse-lhe:
Escreves a palavra
Emet
Retiras o primeiro “e”
Da esquerda para a direita
E escreves simplesmente:
Met (morto) no hebraico
E o Golem desfaz-se como pó!
Toco
Ao de leve
Na última fronteira
Onde o irracional se atreve a exibir a sua arma
Atrevo-me a considerar
Que é preciso fazer alguma coisa
Deixando discorrer
Todos os momentos de uma vida
Daquele tempo em que te via
Espreitando todas as infelizes coincidências
Onde tu belicista e medonha
Impunhas a tua lei,
De repente
Foste-te
Sem anunciares
Sequer
A tua partida
Nem às pequenas aves
Que sempre te acompanharam
Na felicidade de uma vida
Estreitando laços com a paz
Quiseste dizer porque partias
Simplesmente abalaste
No silêncio fresco de uma manhã de outono
Sem deixares qualquer mensagem
Por fim
No torpor da partida
Na ausência de um pensamento sólido
Deixaste que penetrassem
As tuas entranhas
Por uma serpente mais mortífera
Que sempre consumiu as tuas preocupações
Triturando a carne
Que é a tua carne
Por onde o sangue passa
Irrigando esses vales que alimentam a esperança
Para nunca mais apareceres!
Trigo limpo
Ervas trespassadas por funchos
Catos que todas as alvoradas
Exibem pequenas gotículas do orvalho da noite
Rios
Que até ali naquele território
São sagrados
Surgem manchados de tons rosáceos
Fazendo lembrar o sangue derramado em todas as tuas batalhas
E quando já nada mais restava
Do que a perene ausência
Fazendo lembrar um aviltante nada
Eis que surge a Princesa
Aquela dos contos encantados
Que chorava de saudades dos campos carregados de branco
Que subiu ao do alto da torre
Para avistar amendoeiras em flor
Curando-a da monumental tristeza
Que se abatera sobre a sua existência!
Pelas tuas escaldantes areias
O vento jamais se esquece de louvar
Teu solo sagrado
Que figura nos compêndios teológicos;
Cada um dos grãos de areia
Que levita por entre teus desertos
É como se fosse uma página
De todos os livros sagrados,
Da tua bandeira
Que se agita
Em suspiros leves
De profundas reflexões
Por esse vento árido que corre pelas tuas veias
Sobressaí
Ao meio
No mar branco
Cercado de finas arestas azuis
A estrela de David
Onde a Esperança ainda é o teu hino!
Por entre as folhagens
Que coroam os vastos campos
Por entre a Knesset e o Supremo Tribunal
Repousamos a vista
A contemplar as aves migratórias
Que parecem imbuídas do mesmo espírito
Quando pisam teu chão venerado
Por judeus
Por muçulmanos
Por católicos
Agora que ainda choras teus mortos
Logo te recomporás
Do ataque da serpente
Já se ouvem teus heroicos soldados
A entrar nas guarnições militares
A trautear belas canções
Trazidas dos quatro cantos do mundo…
Querem eliminar-te deste mundo
Por entre palavras plantadas e colhidas na velha Pérsia
Uma multidão urbana
Que se agita nas nossas cidades
A empunhar cartazes e a reclamar liberdade para o povo…
Que tanto preza os espaços livres
A música
O ritmo de dança
As roupas desalinhadas
Não vê que essa gente
Que se augura de libertária
Do direito da autodeterminação
Não se inibiu de matar indiscriminadamente
Esses mesmos jovens
Que mais parecem irmãos
Dos manifestantes que berram alto
Pelo direito ao Estado da…
Nas nossas cidades
E quando já nada lhes fizer frente
Acabam com esse mundozito
Que tantos e tantos jovens
Andam a construir com ajuda do urso
Que se ri perdidamente
Na solidão das gloriosas estepes russas
Da candura de uma juventude!
Nos intervalos de uma noite tropical
O calor não dá tréguas
Impedindo a evasão
Que todas as noites se apressa
A levar-nos até ao opúsculo
Onde esse corcel negro
Galopa
A cintilar de obsessão,
Um dia extenuante
Tórrido
Que nos perseguiu até às entranhas
O suor cobrindo todos os orifícios
Que limitam o nosso corpo
Parece querer salvar-nos
Das misérias mais vis
Que transformam a libertação
Numa desonra
Levando-nos a pensar em nós próprios…
Cerram-se os olhos
Esvoaçam pequenos bandos de aves
Gralhas que se posicionam nas árvores mais altas das redondezas
E parecem anunciar sempre o mesmo desígnio trágico
Onde o orgulho
É uma profissão de fé
Uma argamassa que sustém aquelas pobres almas
Que estão sempre a visualizar o passado
Que não têm presente
E muito menos futuro
Que se consomem
Nas suas próprias ilusões
De que a vida é um conjunto de trivialidades
Dias festivos onde ninguém era feliz
Importantes no passado
Triviais e dispensáveis
Nas águas desse ribeiro
Que não atende a ir
Debaixo das vozes
De um sendeiro carregado de uma moral inóspita
Que oprime as pessoas.
Na noite
Em que o silêncio impera
Cães parecem pressentir as dores da alma
Ladram
De tempos a tempos
No desespero
De uma gratidão incomensurável
Onde já não há festas
Já não há efemérides
Que ligavam a um passado já tão longínquo
Aos tempos de uma meninice saltitante
Em que o riso era uma constante
A inocência
A felicidade
Mas também a fealdade
Que cobria a copa das árvores
Que derramava hostilidade
E que cercava a habitação
Onde as águas sugavam as lágrimas
E nos meio das noites mais quentes
Um cão gania num pranto infindável
A luz que brilhava e que maturava os figos e as ameixas
Foi-se
Agora a vida ali
Transcorre em insossas pagelas de um livro
Em que fizeste parte
Mas saíste definitivamente
Para o teu próprio livro
Carregado das imagens
Incalculavelmente
Venturosas
Para o futuro
Que bem no fundo da tua alma
Foi sempre o combustível com que te alimentaste!