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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

O MEU PÁSSARO AZUL

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Pássaro Azul

 

tenho um pássaro azul no meu coração que
quer sair
mas sou demasiado forte para ele,
digo-lhe, fica aí dentro, não vou
deixar que ninguém
te veja.
tenho um pássaro azul no meu coração que
quer sair
mas despejo-lhe whiskey em cima e inalo
o fumo dos cigarros
e as prostitutas e os baristas
e os caixeiros das mercearias
não suspeitam sequer que
ele está
ali dentro.

tenho um pássaro azul no meu coração que
quer sair
mas sou demasiado forte para ele,
digo-lhe,
fica no teu lugar, queres dar cabo
de mim?
queres mandar pelos ares todo o meu
trabalho?
queres estourar com a venda do meu livro na
Europa?
tenho um pássaro azul no meu coração que
quer sair
mas sou muito mais esperto, só o deixo sair
à noite de vez em vez
enquanto toda a gente dorme.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso, não fiques
triste.
depois meto-o de volta,
mas põe-se a cantarolar um bocadinho
lá dentro, não o deixei propriamente
morrer
e nós dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e ele é tão gracioso ao ponto de
pôr um homem
a chorar, mas eu não
choro, tu
sim?

Charles Bukowsk

 

 

Este pássaro

Azul

Também vive no meu peito

E vive aí

Desde o dia em que abri a página de um livro

E vi estampado na primeira folha

O poema;

Já não recordo onde me encontrava naquele momento

Em que me passou o Pássaro Azul pelos meus olhos

Nem quais as inquietações que me assolavam

Naquele momento

Seguramente que não as de hoje

Poema efervescente

Intrigante e profundo

Parece lava incandescente

E parece ter sido escrevinhado

Entre umas cervejas

Uns drinques

Uns bourbons

Uns Whiskys

Cigarros e cigarros

Intermináveis

Naquele ambiente pesado

Em que a conversa

São gritos entrecortados  

Pelos exageros do álcool…

E de cada vez

Que me fixo sobre o ecrã

E vislumbro uma página em branco

É quando

Uma e outra vez

De supetão

Se solta

O pássaro azul do meu peito!

 

 

TERRA

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No silêncio

Que é ali

Naquele recanto mais lobregue

Onde os deuses alinhavam os seus pensamentos

Vem-me à memória a fraqueza da tua idade

Que se enrola

Como a muleta à espada

No centro da praça de toiros

O matador que se atiça à besta negra

E eis que avisto

Suavemente

A demência que não se esconde já…

Por entre a fúria de um vento forte

Que vem sempre como um último fôlego de final de inverno

Acompanhada por furiosas bátegas que nos atemorizam

Sei sempre que as tuas mãos não se cansam de me afagar

As tuas palavras

Sinetas doteis que me fazem iluminar a esperança

O teu odor que me enche de amargura

Quando não estás presente

Os teus olhos

Que cintilam

Como os fios bordados a oiro

No fato do matador numa tarde solarenga

E eu

Semeando a planície

Colhendo os furtivos pinhões

Por baixo dos pinheiros mansos

Cheirando essa tua terra

E por onde evoco sempre

O dia em que misturar-me-ei na tua essência

E onde o vento

Ao de leve

De mansinho

Soprará o meu corpo moído em pó

Para alcançar as altivas árvores

Que ladeiam o castelo

Que se ergue

Sem vergonha

No meio de um extenso bosque…

Mas um dia também

Chamar-me-ei terra apenas!

ARTUR JORGE

Artur-Jorge.webp

Por onde andará

Essa áurea misteriosa

Que até chegou a ser nomeado com título régio?

Nesse farto bigode

Carregado

Negro  

Lutuoso  

Esponjoso 

Opulento

De gestos e olhares  

Onde imperava a elegância de um gentleman,

Dominavas

Como ninguém a arte da palavra

Ensinaste gerações de treinadores

A dizer e a fazer:

- Coisas bonitas…

Mas há muito que esvoaçaste

Voando em solitário no céu azul de verão

Para uma dimensão apoteótica 

Onde levitam as almas sensíveis

Os espíritos inquietos

Os cultores da estética

Que observam as cores e as formas de uma bela pintura

Mas em ti sobressaia a estrutura de quem adora planar livremente

Nas longas e fortes asas de um condor

Que observa em caleidoscópio

Cada um dos quadrados pululados de erva

Tão comuns nas ilhas açorianas

Mas a terra, a tua terra onde vieste ao mundo,

Esteve presente sempre em ti

Naquela vida austera, de monge, que levavas

E nos silêncios a que te vetaste

No último terço da tua vida

E tinhas tanto para dizer

Para escrever

Como esse teu “Vértice de Água”  

Mas, de repente,

Silenciaste-te

Uma vez mais

Para acabares por fazer viver

As coisas bonitas da vida!

Paz a essa alma tão iluminada

Prolixa e profunda

E é pois, também por ti,

Que consagro a minha vida à escrita

Sempre rodeado de livros

E de imensas palavras que estalam na minha cabeça

E como tu

A ocupar o meu canto anonimamente

Para tentar fazer

Coisas bonitas

Também!

 

A TUA VOZ

river-219972_1280.jpg

A tua voz

Não me é estranha

Como se alguma vez o pudesse ser?

Ouço-te desde o dia em que abri os olhos

Respirei profundamente

E vi a tua silhueta

Que empubescia no interior da minha memória

Cravada na garupa do cavalo

Montado pela bela amazona de cabelos longos tisnados; 

Essa tua voz

Que é a minha também

Leva no regaço os nossos desejos mais ternos:

Um fogo incessante que se ateia glorioso

Água que jorra

No prazer irrepetível de um grito

E lá bem dentro do que mais fundo nos une

Guardamos as sombras interiores

Que, por vezes, tantos nos inquietam

Para que o mundo caminhe depressa;

Um rio que se destapa

E na encruzilhada de uma ilhota

Acaba separando-se em dois longos braços

Afanoso e rebelde  

Que, atrevido, deixa fluir

A força das suas águas

Onde cada pequeno leito

Brilha na jactante correnteza  

Seguindo a sua marcha

E é quando mais à frente

As águas do mesmo rio se voltam a encontrar e a abraçar

Águas que correm desde o berço

E eu volto a escutar as nossas vozes…

As nossas vozes são romarias

Que bailam no calor de uma noite de verão

As nossas vozes

São a harmonia silenciosa das nuvens 

As nossas vozes

As nossas vozes

São o vigor que alimenta o nosso ser

E não se destapam pela sua singularidade

Antes, envolvem os nossos ossos

Recobertos de pequenas falhas

Que vituperam a nossa carne 

Na malsã corredura de uns tantos

Que se escapulem sempre

Para uma inenarrável estreiteza de vistas

Para enganar as suas vidas

De mais um pachorrento dia!

 

Dia de São Valentim

Além_Ria.jpg

Assolado pela luz dos teus olhos

Capciosos

E entrelaçados

Nas pétalas encarnadas das tuas vestes

Vejo o pendulo a fazer:

Tic tac...tic tac…tic tac…

Essa tua voz apressada

A correr isoladamente

Durante anos e anos a fio

Até que desaguou numa manhã solarenga  

Num dos canais da ria

Que já é tua  

Minha já o é

Desde sempre

E foste caminhando a meu lado

Surfando sob as ervas que se agitam e balanceiam

Sem demora

Conduzindo-nos por esses ínvios caminhos

Que tanto se arreganham e lutam contra a força das águas da ria

Descomposta e deslaçada

De cor forte acastanhada

Onde raízes que se soltaram

De velhas plantas que já não se regeneram

Grãos de terra e de areia que se soltam das enxurradas das chuvas fortes

Mareiam sem destino

À espera de um fundo escondido

Calmo e silencioso

E longe dos olhares

Que mais não avistam do que o hoje

E aí sob a vigilância dos guardiões das águas

Possam zelar e proteger este nosso segredo

Seres de boa vontade

Carregados de paixão

E que não se olvidam nunca de celebrar este dia!

 

 

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