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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

RAVI SHANKAR

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É pelo dedilhar dos teus dedos

Que se agitam eruditos e galopantes  

Numa dança auspiciosa

Que parecem levitar sobre as cordas da velha sitar

Nesse movimento ondulante

Ora veemente

Ora calmo e doce

Que mostras todo o teu virtuosismo!

A Índia

Essa colossal região do globo

Que doma, amança os mares mais agitados

Capaz de quebrar o gelo que separa as culturas

Servida pela sua métrica musical

Os seus ritmos apressados

Que parecem as suas gentes a deambular nas cidades

O calor avassalador

Não dá descanso ao subliminar tigre

Um símbolo da força e do poder indiano

Pululado dos palácios coloridos

Dos velhos marajás

Que vivem do passado grandioso

E que hoje se alimentam

Das esgueiras que sustentam as amontoadas salas

Rodeados de uma paisagem interminável

Que celebra todos os dias

Os alvores matinais

De sóis que despertam sempre tão cedo

Envoltos numa bola avermelhada

Que parece raiada de sangue

E que celebra essa música sublime

Do velho tocador de Sitar

Mas a Índia

Está dentro de nós

Com aquela grandeza de cultural milenar

Palco de tanta mortandade

Crueldade mesmo

Mas tanta epopeia

Também se pode afirmar

Da sua doce forma de ser

 E dessa palavra mágica

Que dá pelo nome de Índia!

De repente,

Ouço o colorido pavão

Com as suas vestes azuis

Que ecoa o seu canto pela planície

À espera de uma companheira para copular

De noite nas árvores

De dia no chão…

Afinal o velho tigre emerge discreto

De sitar no regaço

E toca furiosamente a raga

Tão acutilante

Que me rendo à figura do mestre:

Ravi Shankar!

PAX

 

Respiras

Ainda 

O ar da liberdade que adoravas  

Ainda que esse respirar seja já um leve sopro

Que já não alimenta essa tua velha carcaça

E é nesses instantes de silêncio

Entrecortados pelo arfar do ar que te entra nos pulmões

Que, lentamente, te vais despedindo

De mim, de uma vida prazerosa,

E eu regozijado com o privilégio que foi ter-te estes anos todos;

Longa vida canídea a tua

E por mais que olhe para trás

Estás sempre omnipresente nas minhas memórias

E mesmo com tantas pessoas que tão mal me fizeram 

E desaparecerem, esfumaram-se

E outras que tão bem me fizeram

Incluindo, parirem-me

E partiram

Mas tu velho amigo

És e serás sempre diferente de tudo e de todos;

Embora não o tenhas feito ainda, mas pressinto a tua partida está para breve;

Desde os primeiros instantes

Ainda como cachorrinho

Perseguias-me sem cessar

Parecia que o teu mundo era o meu

Olhavas-me com total enlevo

Com uma adoração que só os cães o sabem fazer

Como não te poderia adorar

Meu lindo cachorrinho?

Mas agora que assisto ao dealbar da tua última partida

Olho-te já com a recordação de 17 anos de vida em comum

Na qual foste tudo para mim

E como gostavas de te sentar a meu lado no sofá

Com o olhar deslumbrado

À espera de um afago ou de um olhar enternecido…

E nestes últimos instantes de vida

Pareço ouvir o teu ladrar

Os teus gemidos

A força da tua determinação

Só para estares onde eu estivesse…

Mas isso são já memórias

Apenas

Porque o que eu vejo é a tua cabeça

Que se agita suavemente

Para cima e para baixo

Com um movimento pendular

A teimar em prolongar a tua vida

Para estares mais uns instantes comigo

Mas sinto-te cansado e sem retorno

Alquebrado e tonto

A serpentear na frente do meu olhar no escuro

A aguardar que o barqueiro de vestes negras

Te leve até à outra margem

Que ninguém até hoje ousou conhecer

E tu

Depois desta derradeira viagem

Aguardarás que eu transponha o rio

com o barqueiro de vestes negras a meu lado 

Para nos reencontrarmos na eternidade

E voltarmos a ser o que sempre fomos

Unidos pelo destino

Separados ocasionalmente

Ligados eternamente!

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