![farol-e-hause-na-pequena-ilha-no-mar-baltico-arqui]()
Ter-te
Na noite em que as estrelas cintilantes deslumbravam
Nesse céu infinito
Iluminado pelo azul e amarelo das auroras boreais
Naquele bosque
Onde os nossos corpos se irmanaram
Húmidos e em salmoura,
Atiçados
Em chama
Acetinados
E voluptuosos,
Foi monção
Para o meu corpo adormecido
Ressequido
Anestesiado
E solitário;
Recebi da pureza da tua água
Que caiu vigorosa e firme
E que foi o alimento que,
Há muito,
Me faltava
E que eu,
Sem o saber,
Tão afanosamente buscava
Acabou penetrando
Nos meus ínfimos poros.
Estivemos unidos num só abraço
A noite inteira
E tive-te
E tu tiveste-me
Com se fossemos um só
Mas eu,
Como sempre,
Acabei caminhando sozinho
Afastei-me
Convencido que,
Em cada novo amor,
Te encontrava,
Mas em vão;
Como uma andorinha nunca esquece onde nasceu
E voa, voa, voa sem parar
Até que alcança o beiral onde seus pais a criaram
Assim eu jamais me esquecerei
Das tuas sequiosas palavras
Que aqueceram as minhas entranhas
Do teu fulgor
Que incendiou a minha paixão
Até hoje
E que vagueia, levita
Desassossegado
À tua procura
Mas não vejo as árvores,
Que naquela noite
Carregada de estrelas,
Tão tranquilas nos acolheram
Não sinto o cheiro da resina
Que penetrou nas nossas narinas
Quando jubilamos em conjunto a nossa paixão
Não ouço as tuas suaves e receosas sílabas
Com que pela primeira vez me presenciaste
Naquela Fábrica de sonhos
Que nos uniu para sempre
E já não vislumbro sequer
A praia, essa praia que me descreveste,
Onde tantas vezes me procuraste em vão
Que, dizias tu,
Estava escrito nas estrelas
Que um dia as nossas almas se encontrariam
Mas,
De cada vez que me esforço por avistá-la,
Vejo mar revolto
Que acabou derrubando as dunas
Destruiu as plantas odoríficas
Que lustram a costa
Arrastou as nossas silhuetas
E o vento fez o resto
Separou-nos!
E o farol
Que nos dias imersos em cerradas neblinas
Tocava aflitivo
De tempos a tempos
Para avisar a navegação
Silenciou-se
Já nem sequer ilumina os barcos
Nem o nosso amor
Que se dispersou pelo universo.
![Ameixa.jpg]()
I
Desapegou-se
Uma ameixa
Temerária
Precipitando-se
Do alto da árvore que lhe deu ser
Até ao solo
Rolando
Para iniciar uma expedição
Entusiasmada e resplandecente!
Com o decurso da viagem
Foi perdendo fulgor
E passou a mover-se
Como um minúsculo deão
De um venerando mosteiro medieval;
E, nesse entretanto,
Roçou ténue
No corpo de uma mulher,
De corpo assimétrico
Em chama
Que jazia amaneirado
No meio da relva
Debaixo de um sol abrasador de verão,
Até que se imobilizou;
Ao toque
A mulher
Assustou-se
Arrefeceu
A colisão fez-lhe diluir o desejo
Mas logo se recompôs
E voltou esfuziante
Aos tórridos pensamentos
Mas acabou por colher a ameixa,
Que jazia imóvel a seu lado,
Depois de percorrer caminhos
Nunca antes experimentados
Debaixo de uma áurea de mistério,
E tateou o fruto
Subtilmente
Pelo seu corpo,
Rendido
Às gotículas
Saídas de uma pequena fenda
Aberta pelo impacto da queda,
Sugando a seiva
Depositada no seu indicador
Que acabou levando aos lábios
Em deleite
Épico
Sentindo-lhe a frescura
Da juventude
E a força da maturidade
De tão elegante fruto
Que se despegou intencionalmente da árvore
E que caiu com estrondo no solo
E rolou pelo terreno em declive
Impaciente para conhecer o mundo…
II
Mulher distanciada
Que abjurou
Há muito
Ao toque de estranhos:
Esse pai abusador não lhe saí do pensamento…
Vive sitiada nesse castelo sombrio
Isolada
E lastimosa
Separada dessa mãe
Que sempre morreu de inveja do marido
Que nunca quis verdadeiramente sê-lo!
Mas pela primeira vez
Aquela ameixa
Fê-la sentir deleitada
Não lhe deu descanso
E com a ameixa na mão
Palmilhou
Suave e pacientemente
As arestas mais longínquas e íntimas do seu corpo
Deixando gotículas
Escancarando a fragilidade
Não assumida
Mas inexpugnável
Da solidão endeusada
Que tantos dissabores lhe trouxe
Mas algumas vantagens,
Pois, verdadeiramente, nunca soube o que era amor fracassado
Ou não correspondido
Vivendo, antes, uma vida sem exposição;
E com a mão
Ceifou barreiras
Tabus incestuosos,
Com a ameixa na mão
Aliciou o desejo
E percorreu a cordilheira
Flácida e elástica encimada pelos pináculos
Desceu pelo delgado sendeiro por onde as gotas de suor vagueiam
Alcançou a planície
Alongada
Seca e em chamas
Onde um velho poço seco e abandonado
Que antes a ligava à terra
É agora resquício apenas
No centro daquela seara,
Mas a ameixa não se quedou na pachorrenta paisagem
Foi-se a eito
Percorrendo
Abrindo caminho
Até que
De tanto buscar
Descobriu a gruta
Pura
Recôndita
E macilenta
Velada pela água salina
Que lhe apaga a sede no interior
Nunca antes visitado
E,
Movida a canoa,
Mareou
No ramificado e escuro covil
Fruindo o que a atrevida e arrojada ameixa
Acabou por lhe proporcionar:
E fez-se-lhe uma luz…nunca antes vista!