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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

A MULHER QUE SÓ QUERIA VALSAR

A valsa tocava mansinha

Ao de leve

Como se fosse uma sesta de meio da tarde

E não o dormir profundo da noite

No salão da coletividade

 

A madame

Só e dançando algo desamparada e desconexa 

Ensaiava uns passos de dança na pista

Deambulando de um lado para o outro

 

Dois homens

Divertiam-se como duas crianças 

Ignorando e parecendo abominar

O esforço da mulher

Para os atrair para a pista

 

Cansada de esperar que,

Particularmente um dos homens,

Lhe fizesse companhia na pista

Acabou atraida

Por um outro homem que,

Ao longe,

Lhe começou a acenar:

Sorrindo

Gesticulando

Enviando beijos

 

E a mulher

Embebecida

Não conseguiu esconder a emoção

O ventre apertou-lhe

O coração agigantou-se 

A saliva espessa dificultava-lhe o simples engolir   

 

Acabou por se sentar numa cadeira

 Na mais profunda solidão

 

Olhou atentamente

Para os dois homens

Que falava esfuziantes

Um deles de contrato firmado de constituição de família com ela

 

Esse homem

Há muitos anos atrás

Abandonou a  postura de outrora

Amputou, de vez, a paixão juvenil

Passou a gostar apenas

De tê-la na cama

Sempre ao seu dispor

 

E, cada vez com mais frequência,

Mesmo sem o querer dolosamente,

Mas, antes, o que parecia ser da sua própria natureza de conquistador 

E para agradar à sua querida mãezinha

Começou paulatinamente a humilhar a mulher

Que ainda não há muito tempo

Dançava na pista e procurava

Ávida, um par,

Indagando no meio daqueles homens

Qual deles poderia acolher aquele seu peito 

Lastimoso, ferido

Sedento e saudoso de colo

De um singelo aperto

Firme e decidido

E, sobretudo,

Daquelas palavras

Que as mulheres,

E ela também,

Adoram que lhes dirijam:

- Querida

 

Teve a esperança

Enquanto ensaiava uns passos na pista  

Que o homem do contrato consigo

Vendo-a ali sozinha a dançar

Acabaria por dar um passo

Para assumir o contrato firmado

Agarrando-a, em público, dançando com ela

 

Mas o homem

Que na cama se mostrava tão fogoso

Parecia mesmo decidido

Em ignorá-la em público  

Como era sua prátuca há alguns anos

Com aquele ardiloso sentido do macho alfa

No homem de barba rija

Onde a sensibilidade e as palavras bonitas

Servem apenas para atrair outras

 

E a mulher

Cansada de ser ignorada

Sentindo-se unicamente especial no leito

Olhou para o homem que lhe acenava

Que lhe mandava beijos

Que lhe parecia dirigir palavras bonitas

Como o seu porto seguro

A sua salvação

Aquele a quem ela queria e poderia dar

 Toda a sua gentileza

Toda a sua atenção

Todo o seu corpo

 

Mas também

Que a confrontava com a distância e a atitude  

Do homem que tinha contrato firmado consigo

 

A mulher desesperada

E sem que a conquistassem

Nos vários palcos da sua vida   

Sentindo a sua sensualidade desperdiçada 

Acabou por descobrir

Um hobby que passou a adorar:

Desenha, pinta, esboça retratos

Adora pintar corpos nus

 

Sente necessidade de dar  

Todas as suas curvas

Todo o seu erotismo

A um homem

Que demonstre que a ame de verdade  

Até se sente capaz

De deixar que este homem a penetre

Na sua gruta húmida

Desde que este lhe dê carinho e atenção

Que tanta falta lhe fazem 

 

Se aquele homem lhe der 

O que o homem que firmou contrato consigo

Há muito não lhe dá,

Por incapacidade

Por estupidez

Por ignorância

Por puro machismo

Pelo ignóbil marialva que demonstra,

Está disposta a dar-lhe tudo

Ao homem que lhe acena

 

Aquela mulher tem um nome

Mas prefere que a identifiquem como

A mulher que só queria valsar

 

O homem continua a cirandar

Por aí vazio e ingenuamente 

À procura

Sabe-se lá do quê!

Diz-se que descobriu um amor…

 

 

 

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