À P…
Folheio
Ombreado pelas talas contemporâneas
O livro do meu passado
Páginas e páginas
Impressas
Com palavras
Carregadas
De sentimentos
De verdades
De desejos
De impulsos
Sílabas cravejadas
De pó
Acumulado pelo tempo
Exalando tanta verdade
Tão difícil de encontrar hoje em dia;
Numa dessas páginas
Desse meu passado cada vez mais longínquo
Fisicamente
Mas tão presente emocionalmente
Assinalado por uma folha ressequida
De um enorme plátano
Que encima a colina
Que alberga o castelo e o cemitério
Estava lá
A P…
Delgada
Morena
Angelical
Entusiasmada
E assaz solidária
Como ninguém
Com uns olhos
Que Deus lhe deu
Clareados
Iluminados
Pela luz intensa
E omnipresente
Do mar ali tão azul…
E quantas vezes
Nos escapulíamos para a ponte
Que comandava o navio
Ancorado
Naquela falésia entrecortada
A contemplar o mar
Que
Em certos dias mais luzidios
Nos consente a vista até à industrial Sines
A falar dos temas que nos eram caros
Eu da minha hipersensibilidade
Que sempre foi precoce
Mas latente debaixo de um manto frio
E tu
Das saudades
Da tua traumática Angola
Que te foi esquartejada
Mas do quanto ali foste feliz
Crescendo debaixo de uns pais protetores
Ao lado das irmãs
Que incessantemente
Apreenderam
Uma lição de vida
Um ritual de emancipação que se repetia
Sucessivamente
Subindo ao velho embondeiro
E lançando-se
Até ao solo
Coberto de terra
Avermelhada
E tão odorífica!
Hoje revi-te
Numas dessas fotografias
Com que te apresentas na atualidade
E os anos parecem não passar por ti
Mulher
De cara de anjo
Que continua impregnada desse olhar
Belíssimo
Esperançoso
E inolvidável
De quem sempre busca
O bem da vida!