A RÃ PREMONITÓRIA
Passei
Ao de leve
Por uma poça de água
Por pouco não me estatelei
Caindo nas suas águas pardas e lamacentas
E dei de caras com uma rã;
Expectante pelo seu olhar
Acabei perscrutando-a
E nem dei muita importância ao quase incidente
Até que ouvi o batráquio, repetitivo, dizer de si próprio:
Eu sou premonitório!
Sentei-me e apurei o ouvido
E apercebi-me que tinha um tom de voz fino
Mas, aquela lengalenga carregada de vacuidade e autoelogio
Irritante
Insinuante
Repetitiva
Paspalhona
A matraquear palavras
A uma velocidade estonteante
Parecia a de um interno de um hospício;
E a rã
Nem se incomodou com a minha presença
E, sem se conter,
Bufou
Vezes sem conta
Pigarreou
Ritmou palavras
Ajustou acusações
Revelou blasfémias
Interligando
Bois com azimutes
Caracóis com estrelas
Borregos com egiptólogos
Leite com ácido sulfúrico
Bondade com obrigação
Raiva com mostarda
Carne de vaca com gelo polar
Até que proferiu:
- Jardins de pedra!
Aqui,
Fez-se-me luz
A rã premonitória
Estava, afinal,
Imbuída do espírito do budismo Zen!
Virei costas
Palmilhei a distância até a minha casa
No caminho, porém,
Sorri, agitei por diversas vezes a cabeça
Respirei fundo
Acabei tratando-a como demente
Minimizando a sua autointitulada prolixidade mental!
Porém, a vida da malograda rã não durou muito
Uma inclemente tempestade abateu-se sob a poça de água
Onde durante alguns meses reinou prepotente e insolente
E um imenso caudal de água
Correu feroz até ao mar
Levando a rã até aos braços de Neptuno,
Ao tomar contacto com o sal da água
A rã desfez-se em cinzas
Que, mais tarde, aportaram até à praia
Por fim, o vento dispersou as cinzas da rã premonitória
Cumprindo-se o versículo bíblico:
És pó e ao pó voltarás!