A truculenta saga de D. Sancho e suas proezas marialvas - 4ª parte - *
* Escrito em Sesimbra em 1990.
DO OLHAR DE UMA GAIVOTA
Aviso-te ou não da minha chegada a Sesimbra?
Mas acabo por suster as reflexões sobre ti
Que me observas do ecrã do computador
Arrebatada pela cor dos meus olhos!
Deslizas como uma borboleta
Voando para cima e para baixo sem destino
Olhando unicamente para a flor mais doce
Movendo sempre essas tuas asas
Com que atrais toda a minha atenção
E de coração ao vento
Anuncias essa dança que só nós sabemos dançar
Tu, no teclado do teu telemóvel,
Movendo esses teus dedos finos e perscrutadores
Que se aventuram a procurar as palavras
Que melhor casam com as minhas
Eu, na página em branco,
Pululada de carateres
Desde o alto do castelo acabo avistando
Cavalo e burro imobilizados no Forte de Santiago
De cabeça encafuada numa pia de água
Mas não vejo D. Sancho e João!
Que estarão fazendo os dois
Na casa que armazena as armas
E dá guarida aos homens que as manejam?
E é nesse instante,
Nessa vista de pássaro que o castelo me proporciona
Que olho para a praia
Salpicada de pequenas ondas
Que se desfazem na areia
E vislumbro um acontecimento extraordinário:
As tuas palavras grafadas na areia
Em letras garrafais
Sulcadas em chão firme e fundo
E é aí que observo
O encadear dessa paixão que há em ti
Expressa nas tuas palavras fortes e sentidas
Desses poemas que se aconchegam junto às ondas do mar
Suaves, silenciosas e meditativas…
Agora, sim, reflito no que os meus sentimentos me acabam dizendo
No espelho frígido que recebe o marcador
Que o irá resplendecer de júbilo
Nas palavras que, ambos, tanto amamos
Ou nas palavras que tanto nos amam a nós dois
Porque eu e tu
E as palavras também
Ficamos aveludados e tristes
Como os rouxinóis
Quando deixamos de ouvir o lento correr da água do rio
Ou quando deixamos de ouvir o “Kind Of Blue” do Miles Davis
Ou quando escutamos as variações
Em torno de uma qualquer melodia
Do xilofone do Gary Burton!