A truculenta saga de D. Sancho e suas proezas marialvas - 6ª parte - *
* Escrito em Sesimbra em 1999.
ANTECÂMARA DE UM JULGAMENTO
Perguntas,
Mulher que és,
Quem sou eu?
As mulheres não se contentam com o fácil e avulsamente
Esbracejam, afoitam, escarafuncham, indagam
Querem saber tudo
Até que acabam por desenterrar a verdade
Emocionada mas bem profunda
Como a raiz da glicínia
Procura a profundidade
Para se suster e crescer
A mulher busca a segurança
A certeza dos valores ocidentais, orientais
Em suma, universais
Assegurar que a sua vida
Se expandirá para além de si própria
No reino dos julgamentos
Onde homens julgam outros homens
Existe uma certa visão bíblica
Aquela onde no final da vida
E quando chega a hora de tomar a barca
Que levará ao destino final, sem retorno,
Alguém nos julgará pela vida que levamos
Mas será que nos podem julgar
Pela vida que levamos ou que tivemos ou que nos deixaram ter
Quando, habitualmente, ela está tão condicionada
Pelos outros,
Que nos querem
Mas também pelas múltiplas rejeições
Que vamos padecendo ao longo da vida
Até que aprendemos a viver com elas
E aí não há remédio
Há que levantar a cabeça e seguir em frente
E é então que a pergunta se impõe
Como alguém nos pode julgar
Se estamos tão condicionados pela aceitação ou rejeição dos outros?
Se me amas, amo-te também
Se me odeias, odeio-te também
É um pouco nesta dicotomia que vivemos
E é sobre ela que temos que prestar contas!
Será isto viver? Não será, antes,
Padecer na vida para depois ir para um lugar
Que nos dizem bonito e belo onde é tudo tão lindo?
Mas queremos nós, afinal, encontrar um local assim tão esplendoroso?
Ou, como é do meu caráter, buliçoso por natureza,
(Conhecem algum judeu que o não seja?)
Gosto de aqui estar
Mesmo que rodeado de tamanhos contrastes
Pois se ao lado do belo
Não existisse o feio, o horrível
Como se poderia afirmar “belo, magnífico, esplendoroso”
Se não existisse um termo de comparação?
Julgas-me, eu julgo-te
Aprecias-me, eu aprecio-te
Amas-me, amas-me mesmo?
Amo-te, amo-te mesmo?
Ou amo as tuas palavras
E tu as minhas
Que brotam dos nossos corações
Abertos e curiosos
Que gostam de olhar o céu
Para as estrelas que cintilam nesse firmamento
Ilimitado, expansivo e em crescendo
Apreciar essa lua deslumbrante
Que se esconde tantas vezes
Atrás do palco onde mandam as nuvens
Nós os dois somos géneros únicos
De uma mesma entidade
Que ama, e amará
Odeia, ou odiará
Pela palavra, sempre pela palavra
E não pelos sentimentos
Porque esses alimentam a incúria
E deixam-nos frágeis como
Um condenado à morte
A quem lhe dizem:
- É agora a hora de dizeres a verdade e toda a verdade…
Mas como pedir a verdade a quem espera a morte?
E para quê dizê-la se a morte é eminente e certa
Não será melhor esperar pelo julgamento
Para atuar na defesa do condenado
Ao céu ou ao inferno?
Mas dos teus olhos saem vislumbres com os meus
As tuas ações cotejam com as minhas
Dos teus haveres, palavras apenas,
Ficarão inertes
Escritos a letras douradas
No grande livro sem fim onde agora estão
Caminhando tu deslumbrada e ereta pelo deserto
Bailando eu numa embarcação no mar
Encontrar-nos-emos nesse pós julgamento
Pois, ambos iremos parar ao mesmo lugar
A esse recanto onde estão
Poetas, prosadores, pintores, artistas e demais sonhadores
Pois é aí que pertencemos!