AINDA HÁ MISTÉRIOS
E tudo começou
Num simples final de tarde quente
Embalada pelo espírito veraneio
Uma ave canora
Companheira de tantos e tantos momentos de vida
Escapuliu-se
Ao de leve
A saltitar
A esvoaçar timidamente
Da gaiola
E que quase acabou chocando com a minha sombra
Engalanada pela saudade de tantos e tantos dias,
Recolhi-a e voltei a coloca-la no único lugar que ela conhecia
A avezita assustada e exausta
Quis apenas vislumbrar como era o mundo desde fora
Por simples curiosidade e para espairecer a sua candura
Depois
Bem
Depois foram os esquecimentos
As palavras cada vez mais que não se perfilavam
E se mostravam tão difíceis de pronunciar
E que já não acompanhavam os seus próprios pensamentos
E que, apenas, saiam a conta-gotas
Até que aconteceu a queda fatal
E que preanunciava os breves instantes de vida que se lhe iriam seguir,
Uma longa vida dedicada em exclusivo aos seus
Por onde procurou viver todos os dias de baixo de um entusiasmo tão marcante
Que era impossível não ser tocado pela sua luz
Sempre dedicado a todos os que ousou conhecer
E eram tantos
Amigos e amigos que foi conhecendo ao longo da sua longa vida
Porém, já nada havia a fazer
Os seus dias foram passados
Ora sentada
Ora acamada
Numa letargia profunda
Nada condizente com a sua vivacidade e alegria de vida!
Os seus olhos azuis
Intensos e perscrutadores
Permanecerem dias e dias encerrados
Sob as suas pálpebras integralmente fechadas e que pareciam coladas
Enfiados nesse sono profundo que antecede a partida
Até que esse dia
Que tantas e tantas vezes tão abjetamente previsível
Se anunciou
Numa manhã sonolenta e cinzenta
A culminar esse seu desejo
Tantas e tantas vezes sobredito
Balbuciado
A rogar que sua senhora mãe a levasse para junto dela…
A terra que testemunhou o seu nascimento
As suas primeiras travessuras
As suas aventuras
O seu esgueirar por esse olhar cintilante
Azul
Muito azul
E sempre atencioso
De largo espetro
Que era sempre um balsamo a todos os que eram bafejados
Por esse sorriso inerte de pura inocência
Acabou a engolir esse seu corpo enrugado
Carcomido pela dor e cansaço
Para ali permanecer
Nesse eterno descanso
Engalanado pela cidade que lhe deu a vida
Ao lado das velhas árvores que encimam as encostas
Que guardam os segredos do velho castelo
Pululado de lendas atormentadas
Que vão passando de geração em geração
E que são como os pequenos seixos no meio da terra
Que dificultam o trabalho dos coveiros
E que parecem trazer os mistérios das profundezas
Dessa terra onde reina o silêncio e as trevas
Que tanto nos equacionam nestes parcos dias passados
A tentar viver toda a vida possível
Como ela sempre quis viver
À sua maneira
Claro!