ALGAR
NEM TENHO PAZ NEM COMO FAZER GUERRA
Nem tenho paz nem como fazer guerra,
Espero e temo e a arder gelo me faço,
Voo acima do céu e jazo em terra,
E nada agarro e todo o mundo abraço.
Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,
Nem por seu me retém nem solta o laço,
E não me mata Amor, nem me desferra,
Nem me quer vivo ou fora de embaraço.
Vejo sem olhos, sem ter língua grito,
Anseio por morrer, peço socorro,
Amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,
Nutro-me em dor, rio a chorar aflito,
Despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.
Francesco Petrarca
Sem querer saber quem és
Mas, rendido a essa tua força,
Que transparece no vigor das tuas palavras,
Vejo-te aparentemente imóvel
Mas com o coração aberto e arfante
A dizer ao mundo
O que te vai na alma!
Rendilhado e assombrado
Pelas tuas palavras ousadas e fortes
Que ora são confissões das tuas fraquezas
Ora são manifestações desse teu caráter granítico
Trazes essa intimidade mais recôndita
Nesse sufoco tão bem guardado
Que se faz ouvir sempre que chega a Primavera
São imagens de rosas que se atravessam no olhar
Odores florais que percorrem os sentidos
Caminho árduo e solitário
Que te impuseste a ti própria
Um ermo erguido numa colina
Que íngreme se eleva
Trilho estreito, empedrado e difícil,
Foi assim que quiseste conceber o teu mundo
Mas tens o pulsar telúrico dentro de ti
O passado, a história,
A tua história,
Que não te abandona
As bátegas de água que se ouvem
Caídas da cascata
O fio condutor dos canais feitos em granito
Onde se faz ouvir um indelével som
Quase silencioso e muito suave
Da água pura e gélida
A percorrer todos os cantos da tua infância
Tens esses mitos celtas
Esse gosto pela natureza
Árvores verdes enormes
Que não te deixam nunca
E as aves que parecem voar até ao paraíso
Salmões que sobem os rios
Para prosseguir o seu ciclo de vida
E tu, sacerdotisa,
Dessa divindade que é a Natureza
Enlevas-te com esse teu manto real
E andas de castelo em castelo
À espera de encontrar esse rei destemido
Sem terra e sem reino
Que vive por entre
As frias neblinas
Guardiãs de todos os lagos
Mas nesse caráter sanguinário
Sempre pronta a assumir guerras
Até contigo própria
Esconde-se a tua fragilidade
Que não te dá descanso
E por isso,
Ora te dás ao mundo entusiasmada,
Ora te escondes nesse casulo que construíste
E tudo não passa de um subterfúgio
Para se escapares à força dos afetos;
Mas, como sabes,
Vive-se ou morre-se
Dos afetos
Mas quero-te, apesar de tudo, mesmo assim como és
Mergulhada nesse mar tempestuoso e encrespado
Onde crias as fantasias
Te envolves nesses teus mistérios
Que te dão a força dessa tua existência
Que ora se mostra volúvel
Ou ávida por um simples tatear da pele
Que logo se eriça
Mas, logo de seguida,
Explode esse vulcão
Que vive na intimidade do teu algar
Que não deixa ninguém tocar-te!
Mas podes dizer tudo,
Mas tudo mesmo;
Ninguém espera
Que saia desse teu interior em ebulição
Anjos e querubins, nem mesmo diabos,
Tu que mostras a tua alma
(Ora é fria, ora é quente,
Sempre excessiva
E a que a ninguém é indiferente)
Sabes que tudo o que de ti emerge
Te será perdoado!